Mercado acionário da China de US$ 19 trilhões, antes considerado “ininvestível”, volta a atrair estrangeiros

Investidores estrangeiros estão planejando um retorno em grande escala aos mercados acionários da China, três anos após terem recuado e considerado o país “ininvestível”. O que os motiva agora são as oportunidades em tecnologia e o desejo crescente de diversificação para além dos ativos dos Estados Unidos.
O avanço da China na adoção de inteligência artificial, no desenvolvimento de semicondutores e de medicamentos inovadores neste ano trouxe conforto aos investidores globais. Isso mostra que a guerra comercial com os EUA e as restrições de Washington às exportações de tecnologia não conseguiram frear a inovação na segunda maior economia do mundo.
A trégua tarifária entre EUA e China, juntamente com um ambiente de afrouxamento monetário doméstico, também melhoraram o sentimento do mercado. Como resultado, o índice Shanghai Composite atingiu seu maior nível em uma década na semana passada, enquanto as ações de Hong Kong alcançaram o maior patamar em quatro anos.
A mudança de humor entre os investidores estrangeiros pode potencialmente alimentar ainda mais a alta dos mercados, que até agora tem sido impulsionada principalmente por participantes domésticos.
Os primeiros estrangeiros já estão de volta à China, atraídos pela alta dos mercados neste ano e buscando diversificação longe dos ativos lotados nos EUA, segundo Brett Barna, ex-gestor de hedge fund que atualmente administra dois family offices com sede em Nova York.
“A China é interessante porque tem baixa correlação com o restante do mundo, pelo menos o mercado onshore de ações A-share”, disse Barna, acrescentando que planeja criar uma plataforma de investimentos para permitir que capitais dos EUA e da Europa acessem os mercados chineses.
Dados sobre novos fundos e fluxos de capital ilustram o entusiasmo crescente com o mercado acionário chinês, de US$ 19 trilhões, incluindo Hong Kong.
Agosto foi o mês com o maior volume de compras de ações chinesas por hedge funds globais em seis meses, segundo um relatório do Morgan Stanley (sem divulgar números exatos).
Dados da Morningstar mostram que o número de novos fundos de ações de mercados emergentes excluindo a China caiu para oito em 2025, ante 21 em 2024 e 16 em 2023. Isso indica que a demanda por investimentos em emergentes sem China esfriou consideravelmente neste ano.
“Há um ano, as pessoas queriam excluir a China dos índices. Agora, a China é vista como uma classe de ativos independente (que não pode ser ignorada)”, disse Zheng Yucheng, diretor de investimentos da unidade de fundos da China da Allianz Global Investors.
Mais evidências
As evidências anedóticas também estão se acumulando.
A Polar Capital, gestora de ativos de US$ 20 bilhões com sede em Londres, adotou uma postura positiva sobre a China no fim de 2024, saindo da posição “underweight” (abaixo da média do índice). Em 2025, aumentou ainda mais sua exposição à China para mais de 30% do portfólio de mercados emergentes, ante cerca de 20%, segundo o gestor Jerry Wu.
Wu também destacou que a conferência anual da empresa, realizada em fevereiro deste ano, teve sala cheia com 55 clientes na sessão dedicada à China, mais que o dobro da participação registrada em 2023.
Há uma “reavaliação dos ativos inovadores chineses” desencadeada pelo avanço da DeepSeek, disse Wu, referindo-se à criadora de um modelo de IA altamente eficiente em termos de custo que rivaliza com o ChatGPT. Segundo ele, o ímpeto tem aumentado em toda a linha: de IA a biotecnologia e robótica.
Benjamin Low, diretor de investimentos da Cambridge Associates, afirmou que sua equipe recebeu cerca de 30 consultas de clientes interessados em fundos chineses neste ano, um contraste gritante com o fundo do poço em 2023, quando quase não houve interesse por mandatos focados na China.
Muitos investidores não baseados na Ásia estão planejando viagens à China e a Hong Kong ainda neste ano para explorar oportunidades, alguns deles pela primeira vez desde a Covid-19, disse ele.
Desafios persistentes
Apesar da melhora no sentimento, muitos dos antigos problemas estruturais da China persistem. A economia continua fraca, como mostram os dados de produção industrial, vendas no varejo e outros indicadores de agosto.
O investimento estrangeiro direto nos cinco primeiros meses de 2025 caiu 13,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, forçando a China a anunciar novas medidas em julho para tentar reverter o declínio.
A fragilidade da economia é uma das razões pelas quais, apesar do retorno de alguns investidores precoces, isso ainda não se traduziu em fluxos significativos de capital de longo prazo.
Alexander Redman, estrategista-chefe de ações da CLSA, disse que a pressão deflacionária da economia o impede de adotar uma posição “overweight” (acima da média) no mercado como um todo.
E Wu, da Polar Capital, comentou que o boom da IA precisa beneficiar a economia real para sustentar o rali além de 2025.
“Os investidores estrangeiros estão agora numa fase de reavaliação, focando na competitividade de longo prazo da China”, disse Cheng Yu, gestor de portfólio da unidade chinesa da Allianz.
“O capital estrangeiro está parado na porta, observando. Ainda não entrou, mas pelo menos está pensando em voltar”.