Mísseis hipersônicos: como os EUA ficaram para trás na nova fase da corrida armamentista com China e Rússia

A guerra entre Ucrânia e Rússia, que já dura mais de três anos, evidenciou diversos contrastes geopolíticos, com destaque para o uso de mísseis hipersônicos no conflito. Vladimir Putin transformou a guerra em um laboratório para testar novas armas, especialmente o míssil Avangard.
Com velocidade de 3,2 quilômetros por segundo, o Avangard consegue atravessar a Europa de leste a oeste em 20,83 minutos, ou ir do Oiapoque ao Chuí em pouco mais de 22 minutos. Dotado de alto poder destrutivo, o Kremlin classifica esses mísseis como “imparáveis”.
A mais recente arma empregada foi o “Oreshnik”, um míssil balístico de alcance intermediário, capaz de transportar tanto armamentos convencionais quanto ogivas nucleares, usado em novembro do ano passado contra a cidade ucraniana de Dnipro. Segundo Putin, o projétil atingiu Mach 10 — dez vezes a velocidade do som, cerca de 12.350 km/h — tornando-o extremamente difícil de interceptar.
Apesar de os gastos militares dos EUA superarem em muito os de qualquer outro país, o uso desses armamentos no campo demonstra que os norte-americanos estão atrás na corrida pelo desenvolvimento dos mísseis hipersônicos.
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Cooperação sino-russa
Desde o fim da União Soviética, China e Rússia vêm estreitando sua relação, especialmente no setor militar. Recentemente, Vladimir Putin e Xi Jinping manifestaram a intenção de aprofundar essa cooperação bilateral.
Embora sem uma aliança formal, os dois países compartilham interesses estratégicos, como a oposição à expansão da OTAN e à influência dos EUA na Ásia Central. Exercícios militares conjuntos e transferência de tecnologias — incluindo sistemas de mísseis, radares e componentes aeronáuticos — são exemplos claros dessa aliança, que fundamenta a utilização do míssil hipersônico russo no conflito ucraniano.
Corrida armamentista
Do fim da Segunda Guerra Mundial até anos após a Guerra Fria, os Estados Unidos lideraram o avanço tecnológico e militar. Porém, não acompanharam o ritmo de Rússia e China na última década.
A Rússia foi a primeira a usar mísseis hipersônicos em combate, mas a tecnologia chinesa já superou a russa. Em 1º de outubro de 2019, durante o Dia Nacional da China, o Exército de Libertação Popular apresentou seu arsenal de mísseis hipersônicos Dongfeng, com 15 toneladas e perfil aerodinâmico.
Na época, a cerimônia estimulou especulações sobre a ameaça dos avanços militares chineses — hoje, essa ameaça é realidade.
Atualmente, a China lidera o desenvolvimento da tecnologia hipersônica, seguida pela Rússia, com os EUA um pouco atrás. França, Japão e Israel também investem no setor, mas ainda distantes dos líderes dessa corrida.
Diferenças entre mísseis hipersônicos e outros tipos
A tecnologia hipersônica não é novidade. O primeiro veículo a ultrapassar Mach 5 foi o foguete Project Bumper, lançado pelos EUA em 1949.
A principal diferença entre mísseis hipersônicos e outros está menos na velocidade e mais na trajetória e capacidade de manobra.
Mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) atingem velocidades superiores a 6.100 km/h, mas seguem uma trajetória parabólica previsível, facilitando a interceptação por sistemas de defesa. Esses mísseis entram e saem da atmosfera durante o trajeto, tornando-os vulneráveis a defesas bem posicionadas.
Já os mísseis hipersônicos podem alcançar cerca de 6.200 km/h, voando em altitudes mais baixas e com trajetórias difíceis de prever. Diferentemente dos ICBMs, eles são manobráveis, podendo alterar o curso durante o voo, o que dificulta seu rastreamento e interceptação.
Como os EUA ficaram para trás
Em entrevista recente à BBC, William Freer, do Council on Geostrategy, afirma que Rússia e China estão na frente porque “decidiram investir muito dinheiro nesses programas há vários anos.”
Em outubro de 2021, Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, afirmou que a China estava próxima de um “momento Sputnik” ao testar um míssil hipersônico que entrou em órbita baixa, circundou a Terra e seguiu para o alvo — embora tenha errado por cerca de 20 km.
Hoje, os EUA tentam reduzir a distância com o desenvolvimento de armas como o míssil “Dark Eagle”, enquanto a China colhe os frutos de décadas de investimentos em tecnologia e armamentos.
E se a Rússia já utiliza esses armamentos em combate, o programa norte-americano de mísseis hipersônicos ainda enfrenta uma série de contratempos.