Saúde

Modelos de combate ao vírus não oferecem soluções rápidas

27 mar 2020, 16:51 - atualizado em 27 mar 2020, 16:51
Coronavírus
Alguns pesquisadores se apoiam em modelos da propagação da pandemia que desviam das práticas tradicionais da profissão (Imagem: REUTERS/Lucas Landau)

Políticos, investidores e cidadãos preocupados recorrem a cientistas para encontrar a saída mais rápida para a crise de coronavírus. É uma demanda que pesquisadores não conseguem atender, mesmo quando trabalham em máxima velocidade.

O presidente dos EUA, Donald Trump, e primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, atiram no escuro com conclusões precipitadas que nem sempre foram examinadas cientificamente.

Alguns pesquisadores se apoiam em modelos da propagação da pandemia que desviam das práticas tradicionais da profissão.

O risco é que a publicidade e a histeria prejudiquem o potencial para testes, tratamentos ou vacinas antes de desencadear uma onda de decepção quando a realidade se materializa. Enquanto isso, centenas de milhões de pessoas enfrentam semanas ou meses de bloqueios.

“Os políticos estão desesperados para que a situação atual não seja tão ruim quanto parece e possam relaxar o que os principais epidemiologistas acreditam serem as mínimas restrições necessárias”, disse Tim Colbourn, professor associado de epidemiologia e avaliação de saúde global da University College London.

Pesquisas sobre a gravidade da pandemia ocorrem no mundo todo. No Reino Unido, por exemplo, dados oficiais mostram 9.529 casos confirmados e 463 mortes, uma taxa alarmante de quase 5%.

No entanto, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford ganhou as manchetes no início desta semana, com o palpite de que metade da população já pode ter sido infectada e a maioria não teria conhecimento por terem sintomas leves ou inexistentes.

Taxa de mortalidade

Se esse for o caso, a taxa de mortalidade seria muito menor, talvez não maior que a da gripe sazonal.

Se mais de 30 milhões de britânicos já tivessem sido expostos ao vírus e se curado, não haveria necessidade de um bloqueio que afetasse a sociedade, afundasse mercados financeiros e aumentasse os temores de uma profunda recessão global.

O estudo parecia oferecer uma resposta a um estudo de Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, segundo o qual o vírus poderia causar 250 mil mortes no Reino Unido sem medidas drásticas para impedir a propagação.

Johnson teria se baseado nesses dados quando ordenou a quarentena que começou no início desta semana. Pesquisadores do Imperial disseram na quinta-feira que o vírus poderia ter infectado 7 bilhões de pessoas globalmente e matado 40 milhões se não tivesse sido controlado.

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Epidemiologistas precisam fazer ajustes em suas conclusões divulgadas ao público (Imagem: Freepik)

O estudo da Oxford continha alguns pontos cruciais obscurecido pelas manchetes: era apenas um esboço que não havia sido revisado por colegas, o processo normal antes que trabalhos científicos sejam divulgados.

Outros estudos também apareceram em sites que publicam documentos pré-impressos que permitem aos cientistas divulgar dados não revisados antes de serem editados para publicação, pois estariam em revistas conceituadas como Lancet, Science, New England Journal of Medicine and Nature.

“As ressalvas usuais se aplicam”, disse Fiona Fox, presidente do Science Media Center, com sede em Londres, que conecta cientistas e jornalistas. “Algo que não foi revisado por colegas e publicado em uma revista deve ser tratado com mais cautela.”

Casos na Lombardia

Além disso, epidemiologistas precisam fazer ajustes em suas conclusões divulgadas ao público. A pesquisa da Oxford foi um exercício de modelagem que assumiu que apenas um em cada mil infectados pelo vírus precisará de hospitalização.

Esse dado não é respaldado por números concretos. Na região da Lombardia, na Itália, mais de uma em cada mil pessoas teve que ser hospitalizada.

Uma das pesquisadoras da Oxford, Sunetra Gupta, defendeu o estudo como um exercício de modelagem com uma série de suposições, dada a incerteza sobre quantas pessoas precisarão de hospitalização.

“Não acredito que o público em geral esteja mal preparado para aceitar a mensagem deste artigo”, disse Gupta, professora de epidemiologia teórica.

Na raiz do problema está o paradoxo: apesar da enxurrada de informações e especulações sobre o vírus, ainda não temos dados precisos sobre sua propagação.

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