MP de Mato Grosso investiga uso de madeira nativa ilegal na produção de etanol de milho
O Ministério Público de Mato Grosso vai investigar denúncia sobre o uso de lenha oriunda de desmatamento no processo produtivo de etanol de milho do Estado, uma prática que poderia contrariar a “lógica” de um setor que busca a descarbonização, disse a promotora de Justiça Ana Luiza Peterlini, em entrevista à Reuters.
O objetivo da investigação é verificar se as usinas no maior Estado produtor de etanol de milho no Brasil estão usando madeira ilegal de mata nativa nas caldeiras para gerar energia, assim como pedir esclarecimentos ao governo estadual sobre os processos e normas de fiscalização relacionados ao uso da biomassa, acrescentou a promotora.
Maior produtor de soja e outros produtos agrícolas do país, o Estado também é origem de dois terços do etanol de milho produzido no Brasil, segundo dados oficiais, o que ressalta a importância da investigação sobre um tema controverso que sinaliza gargalos para o avanço da indústria desse biocombustível em Mato Grosso, com forte crescimento nos últimos anos e novos projetos programados.
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Enquanto uma parte das usinas utiliza biomassa de reflorestamento nas caldeiras, mais cara, outra usa lenha de mata nativa, pagando cerca de metade do preço, segundo denúncia do setor florestal que chegou ao Ministério Público.
“Vou investigar, com certeza. A hipótese de essas empresas estarem usando matéria-prima de desmatamento já é algo contrário à própria lógica (da indústria)”, afirmou Peterlini, em referência à menor pegada de carbono do combustível renovável.
Uma prática mais sustentável seria utilizar lenha de floresta plantada para queimar nas caldeiras, como já fazem boa parte das indústrias do Estado, disse a promotora.
Ela afirmou que o Ministério Público vai colher informações do setor e principalmente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). “A partir daí, tentar entender se está havendo alguma ilegalidade, se eles estão realmente aceitando madeira, matéria-prima oriunda de desmatamento”, disse.
No procedimento, a promotora também disse que vai questionar a Sema sobre uma instrução normativa de 2022 do governo do Estado que autorizaria a utilização de biomassa nativa.
“Aparentemente, de fato, a instrução normativa da Sema está em desacordo com o que fala o Código Florestal”, indicou.
Se isso estiver ocorrendo, a promotora disse que deverá recomendar ao final do inquérito a revogação da instrução normativa, algo que poderia impactar a indústria. Ela disse que poderia recorrer à Justiça, caso não obtenha uma resolução por uma via extrajudicial.
No setor de etanol de cana, que responde por quase 80% da produção nacional do combustível no Brasil, a biomassa para gerar energia é o próprio bagaço residual da moagem, algo que afasta a questão sobre o uso de lenha.
Lenha nativa
A investigação acontece após a Associação dos Reflorestadores de Mato Grosso (Arefloresta) ter se encontrado com a promotora, na semana passada, e indicado que indústria de etanol de milho do Estado tem consumido cada vez mais lenha nativa para abastecer as caldeiras.
“Hoje, do consumo (de lenha no setor de etanol de milho), mais de 50% é nativa, é supressão vegetal”, disse o presidente da Arefloresta, Clair Bariviera, à Reuters.
Isso acontece porque é muito mais barato usar lenha nativa do que eucalipto de áreas reflorestadas, acrescentou o dirigente da associação. “Inclusive está sendo uma concorrência desleal para quem planta eucalipto. Para ter ideia, nós temos que vender a R$200 o metro cúbico… eles vendem a R$100, R$110, no máximo”, disse.
A Reuters entrou em contato com as principais usinas de etanol de milho situadas no Estado. A maior produtora do Brasil, a Inpasa, com duas unidades em Mato Grosso, afirmou que segue rigorosamente a legislação brasileira em todo o seu processo produtivo.
“A biomassa, como parte essencial deste processo, também atende aos mais altos padrões de conformidade”, disse a Inpasa ressaltando que combate fortemente qualquer utilização de fontes que não estejam em conformidade com a legislação ambiental vigente.
Já a FS, que possui três usinas em Mato Grosso, considerada no setor como uma exceção em termos de oferta de biomassa renovável para as caldeiras, afirmou que possui base florestal de 87 mil hectares de florestas plantadas (eucalipto e bambu).
Detendo a maior parte das florestas plantadas no Estado, a FS disse que esses ativos foram desenvolvidos ao longo dos últimos oito anos e que são suficientes para abastecer 100% das operações da companhia, além de seu plano de expansão.
Procurada para comentar sobre a oferta de madeira de floresta plantada e sobre as questões que serão levantadas na investigação da promotora, a Unem, que representa o setor, não quis comentar. A Sema não se manifestou imediatamente sobre os temas levantados pela promotora.
Embora o uso de lenha nativa nas caldeiras de grandes consumidores possa ser questionado, o Código Florestal brasileiro permite que produtores rurais desflorestem legalmente parte da propriedade, respeitando determinados índices de reserva de matas, que variam de acordo com a região.
Diante de diversos projetos de etanol de milho em Mato Grosso previstos para os próximos anos, haveria incentivo para desflorestamentos, opinou o presidente da associação.
Mato Grosso conta com dez usinas que usam milho em operação, há mais sete autorizadas pela agência reguladora ANP e outras oito projetadas, segundo números do site da União Nacional de Etanol de Milho (Unem), que indicam também como o etanol vem sendo um propulsor do plantio do cereal no Estado e no Brasil.
“Estou há três anos à frente da associação, como presidente, e estamos brigando para plantar floresta no Estado, dizendo que vai faltar (biomassa). E vai faltar mesmo”, afirmou Bariviera, referindo-se aos vários projetos de etanol previstos para os próximos anos.
Segundo dados da Arefloresta, para atender uma moagem projetada de milho para etanol em 2025/26 de 13,5 milhões de toneladas, seriam necessários 30 mil hectares de florestas plantadas de eucalipto, se a madeira extraída dessa área representasse toda a matéria-prima queimada nas caldeiras.
Mas o presidente da associação dos reflorestadores estima que o setor fornece madeira de 15 mil hectares plantados por ano atualmente, ou um volume de 6,6 milhões de metros cúbicos.
Essa área se compara a uma plantação total em Mato Grosso de cerca de 140 mil hectares de eucalipto. Bariviera vê a oferta de madeira plantada escassa, considerando que uma floresta cultivada demora de seis a sete anos para ser colhida, enquanto novas usinas estão entrando em operação.