Novas regras para ofertas públicas protegem o minoritário e tornam o mercado de capitais mais robusto

Após 11 meses de tramitação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou a Resolução nº 230/2025, que passou a disciplinar as Ofertas Públicas de Aquisição de Ações (“OPAs”) de companhias abertas.
A primeira versão havia sido divulgada no fim de outubro de 2024, por meio da Resolução nº 215. A nova regra deveria ter entrado em vigor no início de julho, mas a CVM adiou essa data para 1º de outubro. O prazo foi estendido porque ainda faltava finalizar o módulo automático de OPA do sistema de registro de ofertas, que vai permitir o registro das OPAs facultativas.
O novo marco regulatório consolidou normas antes dispersas em diversas resoluções da CVM e trouxe algumas inovações. O consenso dos especialistas é que o novo texto moderniza procedimentos, reforça a proteção aos minoritários e alinha as regras brasileiras aos padrões internacionais de governança.
“A nova norma representa um avanço significativo no amadurecimento do mercado de capitais brasileiro, reforçando a atratividade do país para o capital estrangeiro”, diz André Vasconcellos, diretor de Relações com Investidores (RI) da Fictor Alimentos.
- Mercado digere derrota de MP alternativa para IOF e inflação de setembro; Assista ao Giro do Mercado de hoje e saiba o que mexe com seu bolso:
Para ele, a resolução torna mais claros quais são os gatilhos que disparam uma OPA e traz garantias para a proteção dos minoritários.
“Essa simplificação regulatória reduz a assimetria de informações, dá mais clareza às companhias e maior confiança ao investidor”, diz Vasconcellos. “Mais do que uma mudança técnica, a nova norma é um recado claro de que o Brasil quer falar a mesma língua dos grandes mercados globais.”
Entre as mudanças, a OPA disparada por um aumento de participação do controlador passa a ter critérios objetivos. Se o controlador aumentar sua participação e o free float de ações de uma mesma classe cair para menos de 15%, a OPA passa a ser obrigatória. Pela regra anterior, o gatilho era um free float abaixo de 33%, mas isso não estava claro nas determinações da CVM, levando a vários questionamentos.
“O parâmetro dos 15% é um marco de previsibilidade. O investidor prefere um limite claro que pode ser calibrado, a um vácuo regulatório que abre espaço para a incerteza. Pela primeira vez, há um número claro que reduz o espaço para interpretações divergentes”, diz Vasconcellos.
Outras alterações são:
- a criação de cinco modalidades de OPA: controle, cancelamento, aumento de capital, alienação de capital e voluntária;
- o detalhamento de princípios gerais: tratamento equitativo, direito à informação uniforme, preço único e obrigatoriedade de contratação de um intermediário;
- a simplificação de processos e redução de custos: está dispensado o leilão em um mercado organizado quando houver menos de 100 acionistas e dispensa de laudo de avaliação em alguns casos;
- a proteção a minoritários: se restar menos de 15% das ações em circulação, a empresa está obrigada a comprar as ações por 30 dias, por um preço maior que o pago, corrigido pela Selic.
Já foram realizadas diversas operações desse tipo no mercado, algumas mais ruidosas do que outras. É frequente que os acionistas minoritários expressem sua discordância, às vezes de maneira ruidosa, pois a OPA é uma operação assimétrica: de um lado os controladores, que dominam o processo, e do outro os minoritários, que são o polo passivo da história.
Para o executivo da Fictor Alimentos, a nova norma moderniza o arcabouço legal sem abrir mão do “núcleo duro” da proteção aos minoritários.
- SAIBA MAIS: O Money Times reuniu as recomendações de mais de 20 bancos e corretoras em um conteúdo gratuito e completo para você investir melhor
“Eficiência regulatória e proteção aos investidores não são opostos: são os dois pilares de um mercado capitalizado em confiança”, diz ele. “O desafio dos departamentos de RI será traduzir tecnicamente a nova regulação em linguagem acessível, antecipar dúvidas e reforçar a narrativa de governança. Para o mercado, o saldo esperado é de mais previsibilidade, eficiência e confiança.”
O cenário atual do mercado acionário brasileiro não é dos melhores. Há três anos que não ocorre uma abertura de capital, e pelo menos uma dezena de empresas retirou seus papéis da B3 desde então.
O temor dos participantes do mercado é que, ao simplificar e baratear as OPAs em casos de ações menos líquidas, a nova Resolução possa levar a uma onda de fechamentos de capital.
“Haverá, naturalmente, movimentos estratégicos de aproveitamento do regime em vigor”, diz Vasconcellos. “Porém, não vejo isso como uma arbitragem regulatória. É uma consequência normal de períodos de transição, e o importante é que, agora a partir de outubro de 2025, teremos um regime estável, previsível e alinhado com boas práticas internacionais.”
Segundo Vasconcellos, além de tornarem o processo mais claro e eficiente, e elevar a proteção aos minoritários, as novas regras “normalizam” as OPAs.
“Em mercados maduros, o fechamento é parte natural do ciclo de vida das companhias abertas — tão legítimo quanto o IPO. O que a norma faz é tornar esse processo mais exequível e menos sujeito a bloqueios artificiais. O verdadeiro impacto não será apenas no fechamento de capital, mas na forma como os controladores avaliam o custo de permanecer listados”, diz o executivo.
A nova regra, para ele, pode levar empresas a repensar sua relação com o mercado e, ao mesmo tempo, pressionar a bolsa e o ecossistema a oferecer mais valor para quem permanece. “Um mercado saudável não se mede apenas pelo número de empresas listadas, mas pela qualidade e pelo compromisso de quem escolhe permanecer”, diz.