O cessar-fogo frágil e o blefe nuclear que Teerã não pode sustentar

Durante o último fim de semana, os Estados Unidos confirmaram o que já circulava nos bastidores diplomáticos: três instalações nucleares iranianas foram bombardeadas em uma operação batizada de “Martelo da Meia-Noite”. Segundo autoridades americanas, a ação foi cirúrgica e devastadora, tendo destruído — ou ao menos retardado de forma substancial — o programa nuclear iraniano.
O ataque teve como alvo principal a instalação de Fordow, um complexo de enriquecimento de urânio enterrado no interior de uma montanha e projetado justamente para resistir a ofensivas convencionais.
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A suposta invulnerabilidade do local, no entanto, sucumbiu diante das munições antibunker lançadas por bombardeiros furtivos B-2, em uma operação que incluiu manobras de distração para driblar radares e garantir precisão milimétrica. Além de Fordow, os ataques atingiram as centrais de Natanz e Isfahan — pilares do projeto nuclear iraniano.
A ofensiva americana complementa e amplia os estragos impostos previamente por Israel, elevando a destruição a um novo patamar. Se os bombardeios israelenses já haviam imposto atrasos de alguns anos, a operação liderada por Washington empurra o cronograma nuclear do Irã décadas para trás. No entanto, cada ação desse tipo traz consigo uma nova camada de complexidade.
A resposta iraniana veio no tom habitual: o governo declarou que “todas as opções estão na mesa” e prometeu retaliações “permanentes” — linguagem suficientemente vaga para ser interpretada tanto como ameaça quanto como propaganda interna.
Enquanto isso, Israel mantém seu próprio compasso ofensivo, sem qualquer sinal de desaceleração, em um movimento que adiciona tensão crônica ao já inflamável contexto regional.
Em meio a esse ambiente, quatro cenários emergiram no horizonte, sendo o primeiro — e mais otimista — aquele em que o Irã reconheceria, ainda que tacitamente, a derrota. Esse desfecho permitiria um recuo na escalada, traria alívio aos preços do petróleo e abriria espaço para um novo fôlego nos ativos de risco. Mas sejamos realistas: dada a natureza totalitária e beligerante do regime iraniano, essa hipótese, por ora, parece tão improvável quanto desejável.
Observamos, portanto, o segundo cenário tomando forma com clareza crescente: uma retaliação simbólica, cuidadosamente calibrada para parecer resposta firme — sem, no entanto, cruzar a linha vermelha da escalada militar aberta.
O ataque iraniano às bases norte-americanas na região foi um exercício de precisão política, mais do que militar: Teerã chegou ao ponto de avisar antecipadamente os EUA sobre o horário e o local dos lançamentos. O mercado, que enxerga através do verniz diplomático, entendeu o recado: o petróleo caiu.
Como já ocorrera nas respostas a Israel em abril e outubro de 2024, o regime iraniano segue empenhado em manter a ilusão de força, mas sem qualquer interesse real em provocar uma guerra total.
A lógica é pragmática: sustentar a narrativa interna de resistência sem dar aos adversários um pretexto legítimo para uma retaliação devastadora — que, em última instância, poderia inclusive acelerar uma mudança de regime. A encenação continua, como de costume, entre ameaças vazias e pirotecnia cuidadosamente controlada.
O terceiro cenário, de fato o mais explosivo em termos econômicos, envolveria uma tentativa concreta de fechamento do Estreito de Ormuz — rota estratégica por onde flui cerca de 20% do petróleo consumido no mundo. Um bloqueio efetivo poderia disparar um novo choque de preços globais de energia, com impacto imediato. No entanto, esse tipo de ação extremada beira o suicídio. O Irã até possui meios para bloquear temporariamente o estreito, mas sustentar tal operação é logisticamente improvável e economicamente insustentável.
Os EUA mantêm presença militar permanente na região justamente para neutralizar qualquer tentativa mais ousada. E mais: um bloqueio duradouro comprometeria a própria sobrevivência financeira do regime iraniano, altamente dependente da exportação de petróleo por essa mesma rota.
A ironia não para aí — quem mais sofreria com a disrupção seria a China, principal compradora do petróleo iraniano e parceira diplomática de ocasião. Ou seja, até mesmo a ameaça de fechar Ormuz tem data de validade curta e efeito colateral alto.
O quarto e último cenário, o de um engajamento direto de Rússia ou China em defesa do Irã, parece mais obra de ficção geopolítica. Moscou segue atolada na guerra da Ucrânia, com recursos militares e diplomáticos cada vez mais escassos.
Pequim, por sua vez, enfrenta um ambiente doméstico delicado e tenta equilibrar tensões comerciais com os EUA — abrir uma nova frente de instabilidade no Oriente Médio não está nos seus planos de curto prazo.
Diante desse quadro, resta o óbvio: o Irã não vai se render, mas também não pode escalar. Não tem fôlego para confrontar de verdade e tampouco apoio internacional suficiente para bancar aventuras maiores. Resta-lhe o teatro — como o ataque às bases americanas — que soa alto para a plateia interna, mas é recebido com frieza calculada pelos mercados. É por isso que, em vez de pânico, vimos moderação. A encenação, afinal, é nossa velha conhecida.
Ainda pairam dúvidas relevantes sobre a extensão real dos danos infligidos ao programa nuclear iraniano. Apesar da contundência dos ataques, Teerã afirma ter se antecipado à operação, deslocando parte do combustível e das tecnologias mais sensíveis antes dos bombardeios.
O estoque de urânio já enriquecido — suficiente, em tese, para a construção de um artefato nuclear rudimentar — permanece oculto, fora do alcance dos olhos e, por ora, das bombas. Essa opacidade, típica dos regimes autoritários, funciona como catalisador clássico de aversão ao risco: em momentos como esse, investidores mais prudentes tendem a abandonar ativos voláteis e buscar refúgio em instrumentos mais seguros sobretudo quando o fator atômico entra no jogo.
Mas, quando tudo indicava que o conflito entre Israel e Irã seguiria seu roteiro de provocações e respostas coreografadas, surgiu um elemento inesperado: Donald Trump anunciou um cessar-fogo entre as partes — uma trégua tática, que mais parece tentativa de despressurizar o ambiente do que solução definitiva.
Até então, a participação direta dos EUA permanecia controlada, mas o risco de escalada era evidente caso o Irã resolvesse intensificar as retaliações. O que se viu, no entanto, foram respostas cuidadosamente simbólicas: ataques a bases americanas previamente avisados e sem vítimas. Em outras palavras, mais teatro do que confronto — e o cessar-fogo veio no momento exato.
Ainda assim, o pano de fundo segue perigosamente instável. Aos 86 anos, o aiatolá Ali Khamenei assiste à ruína lenta do projeto nuclear que alimentou por décadas.
A economia iraniana, fragilizada por sanções, corrupção endêmica e má gestão, já não oferece o colchão necessário para absorver a insatisfação popular, que cresce em meio à estagnação e ao isolamento.
O futuro político do país permanece em aberto: um vácuo de poder — seja pela morte do líder supremo ou por sua eventual deposição — poderia abrir caminho para a ascensão da cúpula militar ou, no extremo, para uma insurreição organizada.
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Por ora, o regime resiste, mas a rachadura é visível. O cessar-fogo trouxe alívio momentâneo aos mercados e desacelerou, por ora, o ritmo da crise. Mas não há qualquer sinal concreto de que o impasse foi superado.
O enredo continua tenso, o ambiente segue polarizado e o próximo ato pode estar mais próximo do que parece. Resta saber se essa trégua será uma inflexão real ou mais do mesmo.