O fim de uma era: Vivo vai encerrar telefone fixo no Brasil e deixa para trás uma história de memória afetiva
A Vivo vai encerrar dentro de alguns dias o serviço de telefonia fixa no Brasil. A decisão é técnica e previsível: o número de usuários despencou, a manutenção da infraestrutura ficou cara e o celular tomou o lugar definitivo do fio.
Mas a empresa também é personagem dessa história. Porque, antes de ser Vivo, ela foi Telesp, Telebrás. E, antes de ser móvel, teve a telefonia fixa como parte de sua lista de serviços.
A Vivo antes de ser celular
Muito antes de colocar internet no bolso e dados no plano, a empresa ajudou a conectar o país pelo caminho mais lento possível: o cabo.
No fim dos anos 1990, o Brasil decidiu acelerar o tempo. A privatização do sistema Telebrás transformou a infraestrutura em negócio. A Telesp passou às mãos da espanhola Telefônica e, alguns anos depois, nasceu a Vivo.
Mas foi a telefonia fixa que levou voz a casas onde o telefone era quase um objeto de status. Linha instalada era conquista, número fixo era patrimônio e mudar de endereço significava, muitas vezes, perder o telefone (e ter que esperar meses por outro). Era preciso até mesmo declarar a posse da linha no Imposto de Renda.
Já nos anos 2000, a Vivo virou sinônimo de celular. Enquanto o telefone fixo ainda tocava nas casas, o celular começava a vibrar nos bolsos. A empresa começou a vender a ilusão de onipresença: falar de qualquer lugar, a qualquer hora e sem fio.
Agora, a mesma empresa que conectou o país por cabos anuncia o desligamento definitivo dessa rede.
Quando telefonar era um evento
Houve um tempo em que ligar para alguém não significava “chamar”, mas torcer para a pessoa estar em casa — e poder falar na hora.
O telefone costumava ficar na sala ou no corredor, às vezes na cozinha entre o café e um papo atravessado, preso a um fio que delimitava até onde a conversa podia ir.
Não existia “te ligo quando chegar”, porque ninguém sabia exatamente quando alguém chegava. Existia apenas o “ligo quando puder”. Se a linha estivesse ocupada, era isso. Se ninguém atendesse, também.
Não havia identificador de chamadas, mensagens, localização, confirmação de leitura.
Quando o telefone tocava, o som atravessava os cômodos como um chamado antigo. Quem estava em casa sabia: alguém, em algum lugar, havia pensado em você.
Atender era aceitar o acaso. Quem dispunha de secretária eletrônica, precisava correr para não entrar a gravação e depois ter que rebobinar a fita magnética para ouvi-la.
Na rua, a comunicação era um exercício de improviso. Orelhões espalhados pelas cidades funcionavam como pontos de esperança.
Quem cresceu antes dos anos 2000 lembra da ficha no bolso, do cartão telefônico guardado como item essencial e da fila se formando atrás de quem ficava mais tempo de papo. Ligar era rápido, objetivo, quase urgente. “Estou aqui.” “Vou me atrasar.” “Já cheguei.” Frases curtas, porque o tempo custava dinheiro.
Coisas que simplesmente não existiam
Havia impossibilidades que hoje soam absurdas:
- Não dava para rastrear onde alguém estava
- Não dava para saber se a pessoa ouviu a mensagem
- Não dava para mandar localização em tempo real
- Não dava para gravar áudios longos, apagar, regravar
- Não dava para ligar por vídeo para alguém do outro lado do mundo
Desaparecer por algumas horas era normal e esperar fazia parte da rotina. O reencontro vinha depois, carregado de histórias que não tinham sido contadas em tempo real.
O celular mudou tudo — e rápido demais
Em poucas décadas, o telefone deixou de ser um ponto fixo da casa e virou uma extensão do corpo.
Hoje, o celular faz o que o fixo jamais sonhou:
- Localiza pessoas em tempo real
- Guarda históricos inteiros de conversas
- Conecta trabalho, família e amigos no mesmo aparelho
- Permite falar, ver, ouvir e escrever simultaneamente
Falamos enquanto andamos, vemos enquanto falamos, registramos enquanto vivemos. Tudo é possível e imediato.
O telefone fixo virou redundante. Depois, dispensável. Agora, obsoleto.
Por que a Vivo está encerrando o serviço
A Vivo firmou com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o Termo Único de Autorização, documento que encerra oficialmente a sua atuação sob o regime de concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC).
Na prática, isso significa que a operadora Vivo deixará de ser concessionária pública de telefonia fixa em 31 de dezembro de 2025, passando a atuar integralmente sob o regime privado de autorização.
Com a popularização do celular, houve:
- queda acentuada no número de linhas fixas
- migração total para celular, fibra e internet
- custos altos de manutenção de uma infraestrutura pouco usada
A solução encontrada pela Anatel foi a migração do regime de concessão para o de autorização, que dá mais liberdade às operadoras, em troca de compromissos de investimento em conectividade.
A Vivo se comprometeu a investir R$ 4,5 bilhões ao longo de até 20 anos, a partir de 2025. Os recursos serão para:
- expansão da rede de fibra óptica
- manutenção temporária da telefonia fixa, pois o serviço seguirá ativo até 2028 em cidades onde a Vivo é a única prestadora
- ampliação da cobertura móvel
Hoje, a empresa está presente em todos os estados brasileiros, soma mais de 100 milhões de acessos móveis e fixos, é líder nacional em fibra óptica e avança em serviços digitais, fintechs e streaming.