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O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) na COP30 e a regulamentação da Lei de PSA

20 set 2025, 12:00 - atualizado em 18 set 2025, 12:45
florestas cop30 (1)
(iStock.com/Paralaxis)

O Brasil pretende lançar na COP30, em Belém, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês Tropical Forest Forever Facility), iniciativa desenhada para remunerar países tropicais que mantêm suas florestas em pé.

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O mecanismo promete ser um dos mais inovadores da agenda climática recente, ao criar um fluxo previsível de recursos internacionais voltados à conservação.

O TFFF terá uma arquitetura financeira híbrida. Uma primeira parcela, estimada em US$ 25 bilhões, virá de fundos soberanos, governos e filantropia, funcionando como capital concessional.

Esse colchão de risco permitirá atrair investidores institucionais, que aportarão a maior parte dos recursos, por meio da emissão de títulos de dívida. A meta é chegar a US$ 125 bilhões aplicados em ativos conservadores, como títulos soberanos e green bonds.

Os rendimentos obtidos com essas aplicações serão usados, em primeiro lugar, para pagar os credores. Apenas o excedente líquido será redistribuído aos países tropicais elegíveis, calculado com base em um valor de referência de US$ 4 por hectare de floresta tropical conservada.

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Estima-se que o Brasil possa receber até R$ 6 bilhões anuais, considerando sua extensão florestal na Amazônia e na Mata Atlântica.

Critérios e penalidades

Para participar, os países deverão comprovar taxa de desmatamento abaixo da média global (cerca de 0,5% ao ano) e capacidade de gestão transparente dos recursos. O modelo prevê penalidades severas: cada hectare desmatado pode gerar desconto de até 200 vezes o valor pago por hectare preservado. Áreas degradadas por fogo resultariam em desconto de 25 vezes.

O monitoramento será feito por satélites, em moldes semelhantes ao Prodes/Inpe, e permitirá verificar anualmente a extensão da floresta em pé. A proposta inclui ainda a obrigatoriedade de destinar pelo menos 20% dos repasses a povos indígenas e comunidades locais, reconhecendo o papel desses grupos na proteção dos ecossistemas.

Relação com a Lei de PSA

No Brasil, a entrada de recursos do TFFF deverá se apoiar na Lei nº 14.119/2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Essa lei já autoriza o uso de recursos públicos e privados, nacionais e internacionais, para remunerar serviços ambientais, como a conservação da vegetação nativa e a recuperação de áreas degradadas.

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Na prática, isso significa que os repasses do TFFF poderão ser operacionalizados como PSA em larga escala, por meio de transferências não reembolsáveis a produtores rurais, povos indígenas, comunidades locais e demais responsáveis pela conservação.

Nisso, a regulamentação da lei será decisiva para dar segurança jurídica: ela deve esclarecer se esses recursos entram no orçamento da União (ficando sujeitos ao arcabouço fiscal) ou se podem ser administrados por um fundo fiduciário independente, como no modelo do Fundo Amazônia. Também será necessário alinhar a legislação nacional às exigências do TFFF, que impõe a destinação mínima de 20% para povos indígenas e comunidades locais — ponto ainda não previsto expressamente na lei brasileira.

Oportunidade de escala

Se adequadamente regulamentada, a chegada do TFFF pode impulsionar um programa público de PSA em larga escala. Hoje, iniciativas de PSA no Brasil são fragmentadas e de pequeno alcance. Com recursos bilionários e fluxo anual previsível, seria possível estruturar uma política nacional capaz de remunerar desde grandes proprietários até agricultores familiares, assentados e povos indígenas.

Experiências internacionais mostram que programas públicos podem alcançar escala significativa. O caso mais citado é o da China, com o Cropland to Forest Program, iniciado no fim dos anos 1990. O programa converteu dezenas de milhões de hectares de lavouras em florestas, com pagamentos diretos a agricultores, e tornou-se o maior PSA do mundo. Esse exemplo sugere que, com estabilidade financeira e clareza regulatória, o Brasil também pode estruturar um dos maiores programas públicos de PSA das Américas.

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Pontos a regulamentar

Para que o Brasil consiga absorver os recursos do TFFF com segurança jurídica e efetividade, especialistas defendem avanços regulatórios em frentes decisivas.

O primeiro passo é definir se será criado ou num fundo fiduciário nacional de PSA, com natureza extraorçamentária, blindando os valores do arcabouço fiscal e garantindo governança multissetorial — sem isso, há risco de contingenciamento e perda de previsibilidade. Em paralelo, é necessária a definição clara da natureza jurídica dos aportes internacionais, prevenindo disputas contábeis e questionamentos de órgãos de controle.

Outro ponto sensível é a fixação de percentuais obrigatórios de destinação, em especial o mínimo de 20% para povos indígenas e comunidades locais, condição prevista pelo TFFF que fortalece a legitimidade social do programa. Para assegurar credibilidade internacional, tornam-se igualmente indispensáveis regras de transparência e auditoria externa, com prestação de contas periódica e verificação independente. Além disso, a integração com instrumentos já existentes, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os sistemas de monitoramento do INPE (Prodes e Deter), é crucial para garantir rastreabilidade e consistência metodológica.

Por fim, a regulamentação precisa contemplar a participação de estados, municípios e da sociedade civil na alocação dos recursos, ampliando a legitimidade democrática e evitando centralização excessiva no governo federal. Outros elementos podem reforçar esse desenho, como mecanismos para evitar dupla contagem com REDD+ e NDCs, critérios de priorização territorial, contratos plurianuais de PSA, instâncias de resolução de disputas e alinhamento com políticas fundiárias, todos fundamentais para dar robustez e previsibilidade à implementação.

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Desafio central

O TFFF é inovador por combinar instrumentos de mercado financeiro com objetivos de conservação, mas a nota conceitual do governo, até o momento, não detalha como os aportes se traduzirão em redução efetiva do desmatamento. O modelo cria incentivos financeiros, mas a transformação desses recursos em ações concretas dependerá das políticas nacionais. As promessas têm potencial, mas eventualmente deverão ser concretizadas na prática.

No caso do Brasil, a regulamentação da Lei de PSA será decisiva para converter fluxos internacionais em política pública estável, transparente e com impacto real na conservação florestal. Sem esse ajuste, o país pode receber volumes expressivos de recursos sem conseguir traduzi-los em resultados proporcionais de proteção ambiental

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Advogado. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).