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O Marco Temporal e sua evolução jurídica: Da interpretação constitucional ao debate atual

10 dez 2025, 12:15 - atualizado em 10 dez 2025, 11:51
marco temporal agro
(Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O Marco Temporal para demarcação de terras indígenas se tornou um dos temas jurídicos mais relevantes dos últimos dias, mas sua trajetória é frequentemente mal compreendida.

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O debate não nasce na política, e sim no campo jurídico: resulta da interação entre o texto constitucional, os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), interpretações administrativas e iniciativas legislativas.

Assim, reconstruir esse percurso permite compreender por que o assunto voltou ao centro da arena institucional.

A Constituição de 1988 e o surgimento do Marco Temporal na jurisprudência

A Constituição reconhece aos povos indígenas direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas. Esses direitos são preexistentes ao Estado, e a demarcação tem natureza declaratória, não constitutiva. Porém, o texto constitucional não estabelece expressamente datas de corte; concentra-se nos vínculos históricos, culturais e territoriais que caracterizam uma ocupação tradicional.

A ideia de um Marco Temporal surge no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009. Alguns ministros utilizaram a data de promulgação da Constituição como critério para examinar a situação concreta da área. O Marco Temporal operou como elemento probatório, dentro de uma análise mais ampla que incluía laudos antropológicos e histórico de expulsões.

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Entretanto, a decisão não estabeleceu repercussão geral nem formulou tese aplicável a todos os casos. Ainda assim, a visibilidade do julgamento produziu a percepção de que o Marco Temporal seria orientação consolidada do STF.

Entre 2009 e 2017, a jurisprudência da Corte não fixou entendimento universal. Em alguns casos, mencionou-se a data de 1988; em outros, enfatizou-se que a ausência de ocupação contemporânea não eliminava o direito originário quando houvesse histórico de esbulho ou deslocamento forçado. A interpretação permaneceu aberta, permitindo leituras distintas sobre o alcance de Raposa Serra do Sol.

Generalização da regra: A reação do Congresso e do STF

Em 2017, a Advocacia-Geral da União editou o Parecer 001/2017, determinando a aplicação do Marco Temporal em todos os processos de demarcação. Foi um ponto de inflexão institucional: o parecer transformou uma interpretação jurídica pontual em regra nacional, vinculante para toda a Administração Pública Federal.

A padronização reforçou a ideia de que 1988 deveria ser critério predominante, apesar de o STF nunca ter estabelecido essa obrigatoriedade. O parecer foi posteriormente revogado, mas influenciou o debate público e legislativo.

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Em 2023, o Congresso aprovou a Lei nº 14.701, que positivou expressamente o Marco Temporal. A norma definiu que apenas terras ocupadas em 5 de outubro de 1988 poderiam ser consideradas tradicionalmente indígenas, salvo hipóteses restritas de conflito possessório.

A lei reorganizou procedimentos de demarcação, regras de indenização, restrições à ampliação de terras e ampliou a participação de estados e municípios. Assim, o marco temporal — que surgiu como critério interpretativo no caso Raposa Serra do Sol — foi transformado em regra de alcance geral.

Paralelamente, no mesmo ano, o STF concluiu o julgamento do RE 1.017.365 (Tema 1.031) e afirmou que a Constituição não prevê Marco Temporal universal. Para o Tribunal, a ocupação tradicional envolve vínculos históricos que não se limitam à presença física em 1988, especialmente em contextos de expulsões ou remoções forçadas.

O STF interpretou que Raposa Serra do Sol não havia criado tese geral e fixou entendimento vinculante nesse sentido. Diante disso, diversos partidos e entidades ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade contra dispositivos centrais da Lei nº 14.701, enquanto outra ação busca validá-la. Esses processos agora estão em julgamento.

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A PEC do Marco Temporal e o desafio da segurança jurídica

O debate avançou com a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 48/2023) destinada a inserir o marco temporal diretamente no texto constitucional. Trata-se de resposta legislativa à decisão do STF e de tentativa de estabilizar um critério que percorreu diferentes instâncias: jurisprudência, administração pública e legislação ordinária.

A trajetória do marco temporal mostra que este não é apenas um debate constitucional. Tornou-se ponto de atrito entre Poderes, revelando tensões sobre quem possui legitimidade para definir os parâmetros das demarcações. O STF busca resguardar a compreensão do seu precedente; o Congresso procura estabelecer critérios objetivos via lei e, agora, via PEC; a AGU, em 2017, havia generalizado administrativamente uma leitura que o Supremo jamais consolidara como tese.

Esse processo revela que as interpretações jurídicas foram apenas a primeira camada do debate. O Marco Temporal passou a representar respostas distintas a temas como segurança fundiária, previsibilidade regulatória, proteção cultural, políticas ambientais e desenvolvimento regional. Um critério originalmente desenvolvido em um precedente judicial transformou-se em símbolo de visões divergentes sobre ocupação do território e sobre o papel do Estado.

Nesse ambiente, a preocupação central para produtores rurais e agentes econômicos é a segurança jurídica. Não é apenas a adoção ou rejeição do marco temporal que impacta a atividade produtiva, mas a instabilidade institucional decorrente de oscilações entre decisões administrativas, leis, julgamentos e propostas de emenda constitucional.

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Cada mudança gera incertezas que afetam investimentos, crédito, regularização fundiária e planejamento de longo prazo. O conflito entre Poderes é o elemento que produz volatilidade jurídica.

O desafio, portanto, não está apenas em definir qual interpretação à demarcação indígena melhor se ajusta à Constituição, mas em reconstruir previsibilidade institucional.

Uma solução duradoura exigirá coordenação entre os Poderes, clareza normativa e respeito aos limites constitucionais — condições essenciais para a estabilidade regulatória, a governança democrática e a confiança de quem produz, investe e opera no setor rural brasileiro.

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Advogado especializado em direito ambiental
Leonardo Munhoz é advogado especializado em direito ambiental, doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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Leonardo Munhoz é advogado especializado em direito ambiental, doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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