Coluna do Hsia Hua Sheng

O que está acontecendo com setor imobiliário na China e como o Brasil entre nessa história

29 ago 2023, 16:01 - atualizado em 29 ago 2023, 16:01
Ações da China
Setor imobiliário na China: Evergrande pediu proteção contra bancarrota, enquanto a Country Garden perdeu o prazo para o pagamento de empréstimo. (Imagem: REUTERS/Aly Song)

Desde 2020, o setor imobiliário na China vem passando por uma reestruturação para evitar excesso de movimento especulativo, que afetaria o desenvolvimento sustentável futuro do país.

Na época, o governo estabeleceu a regra de “três linhas vermelhas” para regular o excesso de dívida assumida pelas incorporadoras e construtoras. Além disso, a demanda especulativa de imóvel também foi reprimida com maior custo de crédito imobiliário para quem já possuía um imóvel próprio.

A própria intenção da compra do setor também ficou afetado com o lockdown na pandemia por Covid, conflitos geopolíticos, quebra de cadeias globais, regionalização de produção e recessão global. Os compradores chineses estão preocupados e segurando suas poupanças e consumo até que o cenário econômico externo seja mais claro.

Atualmente, os preços de imóveis estão em processo de ajustes com descontos, principalmente nas cidades menores, para que o novo equilíbrio de oferta e demanda seja atingido gradualmente.

Já as construtoras e incorporadoras que cresceram aceleradamente durante a fase de expansão no ciclo imobiliário, usando a elevada alavancagem financeira, estão mais expostas aos riscos nesse processo de ajustes. É o caso da Evergrande e Country Garden, duas das maiores construtoras da China.

No caso, a Evergrande pediu proteção contra bancarrota em Nova York, enquanto a Country Garden perdeu o prazo para o pagamento de empréstimo nesse mês.

Com dinheiro fácil e com taxas de juros baixo de 1% a 2% nos anos anteriores, essas construtoras alavancaram e se comprometeram com vários mega projetos imobiliários, pagando um preço altíssimo por disputa de terrenos nas regiões de maior valorização em diversas províncias da China.

Com a mudança de cenário econômico e redução de venda, o efeito multiplicador de alavancagem fez os estoques de imóveis concluídos e não concluídos dessas duas construtoras chinesas crescerem.

A redução da entrada de caixa e o gasto com obras em andamento levou muitas empresas a atingirem endividamentos alarmantes. Para complicar ainda mais a situação financeira dessas empresas, os aumentos e potencial manutenção de elevada de taxas de juros de crédito (entre 5% e 6%) nos Estados Unidos elevaram os custos financeiros dessas duas empresas que tinha feito financiamento em dólar, agravando mais o problema de liquidez dessas empresas.

A reestruturação imobiliária vai desestabilizar o setor bancário?

O setor bancário chinês está blindado. Com a medida governamental anti-especulativa das três linhas vermelhas, o alto nível endividamento dessas construtoras vem reduzindo significativamente desde 2020. Conforme mostram suas demonstrações financeiras divulgadas, as métricas relacionadas às dívidas, tais como dívidas em dinheiro, em capital e em ativos, têm reduzido consideravelmente.

Os novos investidores ou sócios atuais mais capitalizados estão aproveitando esse momento de desconto para aumentar sua participação nas construtoras, reduzindo também alavancagem financeira dessas empresas.

As construtoras e incorporadoras também tem focado para concluir os imóveis em andamento para serem entregues mais rápido possível. As conclusões das obras também preservam o valor dos ativos dados como garantia para os credores.

Os bancos continuam recebendo normalmente o pagamento dos mutuários dos créditos imobiliários, sendo que a taxa de poupança na China é um dos maiores do mundo. De acordo com o levantamento da NBS, a taxa de poupança das famílias chinesas em relação à renda disponível tem apresentado uma tendência de aumento. Essa taxa média era de 29% (2013-2019) e passou para 33% (2020 -2022). E há evidência que essa taxa aumentou ainda mais em 2023.

Diferente das outras crises imobiliárias no mundo, os mutuários chineses têm poupança para honrar suas dívidas imobiliárias. Se tiver um bom desconto ou um crédito barato, eles poderiam adquirir mais imóveis para seus parentes e futuras gerações. Por isso, apesar das restruturações do setor, os mutuários chineses não só estão pagando parcelas, mas também estão antecipando pagamento de todo saldo devedor para os bancos.

E o Brasil com isso?

O setor financeiro brasileiro não está exposto financeiramente com os problemas de endividamento das construtoras chinesas. O valor dos títulos de dívidas chineses na carteira dos fundos de investimentos ou carteira de créditos dos bancos e investidores brasileiros é mínima, até porque a maioria dessas dívidas foram emitidas no mercado doméstico.

Diferentes da crise imobiliário americano de 2008, onde alguns investidores que atuavam no Brasil sofriam com prejuízos de derivativos imobiliários. A exposição das ações dessas construtoras na Bolsa chinesa também é irrelevante no Brasil.

O impacto negativo mais relevante foi o setor de minério de ferro. A demanda e preço da commodity já caíram consideravelmente com a reestruturação. A demanda de madeira reflorestada para móveis e material de construção também foram afetados. Apesar de ser demorado, a recuperação gradual do setor imobiliário poderá sustentar pelo menos estabilidade dessas commodities durante esse processo de ajuste.

Por outro, tem setores brasileiros que se beneficiam com essa situação, por exemplo, as empresas de construção ou incorporações brasileiras. Os materiais de construção, os moveis e os utensílios domésticos e eletrônicos importados da China estão mais baratos por lá devido ao excesso de produção e de estoque por conta da menor demanda doméstico da China. A queda desses preços ajuda reduzir o custo de construção das incorporadoras, aumentando suas margens de lucros operacionais. Isso também favorece todos os compradores de imóveis novos no Brasil por reduzir a inflação no Índice Nacional de Custo da Construção (INCC/FGV).

Embora o novo modelo de desenvolvimento da China dependa mais do setor de alta tecnologia e menos do setor imobiliário, o governo continua atento a evolução da reestruturação do segmento para reduzir as consequências econômicas da crise imobiliária e colocá-lo de volta na rota de recuperação.

Na última sexta, por exemplo, o critério que classificava como os primeiros compradores nas grandes cidades foi revisto para que eles pudessem comprar segundo imóvel. Mais medidas de incentivos poderão ser lançadas gradualmente para garantir a estabilidade durante o processo de ajuste e reequilibrar a oferta e demanda de imóveis de forma sustentável.

*As análises e opiniões são de responsabilidade exclusiva do autor e não representam uma visão das instituições da qual o autor pertence.

Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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