O que o ‘boom’ do etanol de milho representa para o biocombustível da cana?

O crescimento da produção de etanol no Brasil está cada vez mais atrelado ao milho, contrariando uma lógica que perdurou por anos no país.
2025 marca 100 anos do início da produção comercial do etanol de cana e 50 anos do Proálcool, programa do governo que incentivou de forma intensa a produção para reduzir a dependência do petróleo.
Atualmente, o mercado crescente do etanol de milho representa 25% da produção anual do etanol brasileiro. Nos próximos 10 anos, algumas estimativas mais otimistas apontam que esse número pode ser de 50%. Para a StoneX, esse número deve ser de 40% em 2035.
Em entrevista recente, o CEO da FS, maior produtora do biocombustível a partir do milho, disse que o custo para o milho é até 40% mais barato quando comparado com a cana-de-açúcar. Segundo ele, isso se dá pela flexibilidade da matéria-prima.
Recentemente, a Petrobras (PETR4) manifestou interesse em retornar para o mercado de etanol, mas descartou oficialmente o interesse de se tornar uma parceira da Raízen (RAIZ4), que produz exclusivamente etanol de cana, enquanto a holding Cosan (CSAN3) busca um parceiro estratégico para capitalizar a subsidiária, que segue com seus esforços em direção a desalavancagem.
Isso, por si só, já indica uma preferência pelo biocombustível feito a partir do milho por parte da estatal.
Durante evento do Bradesco BBI, em setembro do ano passado, o até então CEO da Raízen, Ricardo Mussa, disse que “se pudesse voltar há uns 5 anos, teria comprado o pessoal do etanol de milho”.
O consultor da Datagro e considerado um dos principais especialistas do Brasil no mercado de açúcar e etanol, Plinio Nastari, reforça que não há no momento nenhum projeto para uma nova usina de etanol de cana no país.
A cana vai virar só açúcar?
Ricardo Mussa, em entrevista ao Money Times em abril, ressaltou que o negócio do etanol de milho é complementar ao da cana.
Para ele, é um mérito o Brasil expandir a produção de biocombustíveis a partir do milho, já que o país tem conseguido baratear o grão com o avanço da tecnologia, garantindo maior oferta de fontes renováveis.
Num bate-papo recente, Mussa destacou o avanço expressivo da produtividade do milho nos últimos 20 anos, algo que não foi acompanhado pela cana-de-açúcar, e que ainda conta com espaço para crescer em produtividade.
“Eu acho que o dinheiro é tão caro no Brasil que é difícil você fazer Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Lá na Raízen, muitos projetos de etanol de segunda geração (E2G) e biometano, é difícil fazer apostas de longo prazo, o greenfield que a gente chama. Acho que a China fez isso como ninguém nos últimos 30 anos”.
Segundo Marcelo Di Bonifácio, analista de açúcar e etanol na StoneX, em entrevista ao Money Times, a indústria e até mesmo a Petrobras, divergem do tamanho desse mercado no futuro, principalmente porque a estatal se distanciou bastante de investimentos no biocombustível.
“Em 10 anos, a produção de etanol de milho vai dobrar, saindo de 10 para 20 bilhões de litros. A reação imediata é que os preços vão cair, com muita oferta e players no mercado. A demanda tende a crescer muito no longo prazo, estimulada por reforma tributária monofásica do ICMS, novos investimentos em infraestrutura logísticas e de abastecimento e maior expectativa de consumo de etanol”.
Na visão do analista, é muito provável que haja uma tendência de um mix mais açucareiro por parte das usinas nos próximos anos, principalmente por conta dos investimentos já realizados pelas empresas em logística, seja para terminais locais e portuários.
“A cana vai tender para um mix mais açucareiro, algo normal no final das contas, e pensando num consumo que deve crescer nos próximos anos. A expectativa é de abertura de novos mercados. A África é um grande potencial para consumo de açúcar”.
Os efeitos para o mercado de carnes
O avanço do etanol de milho também tem impactos positivos diretos na cadeia de alimentação animal, já que a produção do combustível gera coprodutos de alto valor agregado, entre eles o DDG (Grãos Secos de Destilaria) e o DDGS (Grãos Secos de Destilaria com Solúveis), que contam com ainda mais proteína.
Durante evento do BTG Pactual em maio, o executive chairman e fundador da 3tentos (TTEN3), Luiz Dumoncel, traçou paralelos entre o rebanho do Brasil e EUA, ressaltando que temos muita ineficiência, mas que isso também se traduz em oportunidades.
“O Brasil conta com 220 milhões de cabeças de gado, temos o maior rebanho comercial do mundo, e produzimos a mesma quantidade de carne por ano que os EUA, que conta com 94 milhões de cabeças. E aí entra o farelo de soja e principalmente o DDG (grãos secos de destilaria), onde nós vamos realizar esse avanço para crescer em produção”, disse.
No novo ciclo de investimentos da 3tentos, anunciado em janeiro de 2024, está previsto a implementação de uma planta de etanol e DDG em Porto Alegre do Norte (MT)
Segundo a consultoria Datagro, o subproduto pode cobrir até 40% dos custos que as usinas têm com a compra de milho.
De acordo com Raphael Bulascoschi, analista de milho na StoneX, um dos maiores mercados de consumo do DDG é a China, qque, historicamente, sempre importou o produto dos EUA.
“Porém, em novembro de 2024 vimos uma sinalização, confirmada em maio deste ano, de uma autorização do governo chinês para a importação de DDG vindo do Brasil. A expectativa que o primeiro carregamento de DDG com destino à China aconteça nos próximos meses”.
O excesso de DDG e o grande espaço para exportação
A partir do crescimento do etanol de milho, e por consequência, de seus subprodutos, a expectativa é de um excesso de DDG no mercado doméstico brasileiro, o que pode ser até um fator de pressão de preços.
“O DDG compete com farelo de soja e a expectativa é de termos também um excesso do farelo por conta da lei do Combustível do Futuro. Com isso, é muito importante que o governo brasileiro busque novos mercados para exportação dos produtos. A abertura da China foi um movimento muito importante para o setor”, explica Bulascoschi.
Nos EUA, conforme o setor de milho foi se consolidando, o DDG deixou de ter uma forte correlação com o farelo de soja e passou a ter uma correlação maior com o preço do milho. “Podemos ver o mesmo movimento aqui”.
O analista da StoneX ressalta que o DDG tem uma aplicação limitada na dieta de diversos animais, com maior aplicação para bovinos.
“Os bovinos podem ter até 30% da sua alimentação baseada em DDG, um volume altíssimo. Frangos e suínos chegam até 15%, com 10% para galinhas poedeiras. Com isso, o mercado de ração animal vai continuar bastante concentrado em grãos, no milho, principalmente. Esse avanço do DDG não significa uma mudança significativa na dinâmica do mercado de carnes”.