Coluna do Anderson Gurgel

O racismo contra Vini Jr. e o futebol que precisa se sentar no divã

26 maio 2023, 18:30 - atualizado em 26 maio 2023, 18:03
Futebol
Caso com Vini Jr. acende discussão acerca da responsabilidade do futebol (Imagem: Pixabay/Michal Jarmoluk)

A escalada de manifestações racistas contra o jogador brasileiro abriu um debate sobre a omissão da LaLiga e expôs uma realidade inevitável: o futebol precisa decidir se joga no time dos valores humanos (que são também criativos e inovadores) ou na gangue das ideias retrógradas e criminosas.

Injustiças acontecem o tempo todo e em todos os países. O racismo e tantos outros crimes de ódio misturam-se com fatos cotidianos em graus variados de repercussão e punição, sendo que muitos são até ignorados tragicamente.

Contudo, algo diferente aconteceu no mais recente caso de violência racista (sim, porque houve muitos outros!) sofrido pelo jogador brasileiro Vinicius Junior (Vini Jr.), do Real Madrid, no jogo contra o Valencia, no domingo, 21 de maio, pela LaLiga.

Para quem acompanha o futebol de alto nível – seja o nacional ou internacional – a ostensiva manifestação racista sofrida por Vini Jr. não é inédita, mas o episódio não deixa de ser escandaloso e revoltante ainda assim. Não se posicionar, individual ou institucionalmente sobre o caso, é uma forma de compactuar com tal barbárie.

Ao expor o jogador brasileiro a uma dor inimaginável para quem nunca passou ou passa pelo racismo cotidianamente, o episódio me lembrou o que um maravilhoso ensaio do pensador francês Roland Barthes, intitulado “O que é o esporte?”. Acredito que esse texto nos ajuda a pensar o fato e os desdobramentos que vivemos.

Futebol como potência máxima do esporte

Barthes nos incita a perceber que, em termos gerais, o futebol, como uma potência máxima do esporte, funciona na sociedade contemporânea como um dos principais espaços de representação dos grandes temas e embates sociais.

O pensador chega a chamar o esporte de uma forma atualizada do teatro criado na Grécia Antiga. Nesse espaço público, os atos humanos são representados e propostos ao debate público.

Em outras palavras, o palco central da LaLiga nos jogou no centro de um embate histórico sobre o racismo na sociedade e todo o processo histórico envolvido.

Quando os faróis da opinião pública e do agendamento midiático se encontraram no episódio em que Vini Jr. foi vítima, um fenômeno relevante surgiu e que pode contribuir para mudar padrões arraigados na estrutural social.

O ato racista vivido pelo jogador brasileiro, no sentido prático e até teatral, exposto à aldeia global que vivemos nos obriga a um posicionamento, gera debates e, pode contribuir para avanços nos direitos humanos.

O futebol está disposto a mudar?

A questão central é: está o mais importante esporte do mundo disposto a sentar no divã e discutir suas práticas e responsabilidades? A pergunta é pertinente porque, enquanto território de uma imensa paixão, o futebol não só atrai a beleza da emoção e do amor por esse jogo, mas também sentimentos de ódio em variadas e criminosas camadas igualmente passionais.

A lista de crimes cometidos nesse palco de emoções futebolísticas é tão grande que não seria oportuno adentrar nesse esgoto agora. Mas a gama de manifestações racistas, machistas, homofóbicas, xenofóbicas é imensa. E, para piorar, há muitos casos que vão para além de só xingamentos, há violência em uma escala assustadora.

Também cabe lembrar que o futebol é ator central na indústria do entretenimento e essa é um dos motores dos negócios criativos na sociedade atual. O paradigma que tenta se estabelecer nessa importante frente econômica é do conceito de economia criativa, ou seja, uma forma de atuação econômica-política-social que vai almejar resultados financeiros, mas com valores humanos e de responsabilidade social no centro do negócio.

Um valor central é a criatividade e nada é mais humano que isso. O que nos encanta no futebol é justamente a capacidade que as pessoas talentosas têm de nos encantar fazendo jogadas espetaculares somente com seu corpo e uma bola. Esse encantamento ganha a atenção e funciona como inspiração para bilhões de pessoas pelo mundo. Por consequência, gera consumo e dá lucro para muitos agentes nessa indústria.

Discurso em torno do caso Vini Jr.

Focando no caso do Vini Jr. e da LaLiga, o episódio racista recente escalou a um dos principais temas em discussão na opinião pública após o ocorrido e chegou a envolver lideranças políticas, celebridades e pessoas comuns em geral. O slogan que foi capa de até do jornal espanhol marca diz tudo: Não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas.

Como comentei no começo do texto, a LaLiga e todas as outras entidades centrais do esporte estão realmente dispostas a fazer a mea culpa sobre a omissão histórica que levou a tal momento e mudar as práticas para que novos atos não ocorram?

Com o aumento das pressões de opinião públicas, os riscos envolvem a ruptura com a reputação de ser um dos espaços expoentes do que se tem de melhor em termos de melhor e de manifestações populares humanas. No mundo dos negócios de hoje, o valor da marca é central e estar manchada com a pecha racista seria algo cancerígeno. A reboque disso, o aumento da pressão pode levar a perda de patrocínios e até de outras formas de entradas de recursos.

Se aceitarem ir ao divã, os grandes players do mundo do futebol perceberão algo óbvio: não basta declarações de rechaço ao racismo. Para ser um ambiente promotor da criatividade humana de forma respeitosa, o que o ser humano tem de mais rico, que é a diversidade, esses agentes terão de agir.

Punir quem cometer crimes e criar medidas para que eles não se repitam no futebol é fundamental para que essa paixão de bilhões seja o palco do melhor das emoções humanas e não do esgoto que alguns torcedores espanhóis apresentaram ao mundo naquele fatídico dia.

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Jornalista de economia, negócios e marketing, Anderson Gurgel também é professor universitário da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário belas Artes, além de pesquisador, consultor e produtor de conteúdo. Conectando todas essas várias frentes de ação estão os negócios criativos, do entretenimento e do esporte, segmentos que o profissional vem se dedicando ao longo dos quase 25 anos de vida profissional. É autor de livros, produtor de eventos e já ganhou alguns prêmios, sendo um destaque a Menção Honrosa em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pela atuação na área de inovação na educação.
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Jornalista de economia, negócios e marketing, Anderson Gurgel também é professor universitário da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário belas Artes, além de pesquisador, consultor e produtor de conteúdo. Conectando todas essas várias frentes de ação estão os negócios criativos, do entretenimento e do esporte, segmentos que o profissional vem se dedicando ao longo dos quase 25 anos de vida profissional. É autor de livros, produtor de eventos e já ganhou alguns prêmios, sendo um destaque a Menção Honrosa em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pela atuação na área de inovação na educação.
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