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O Uber vai continuar cancelando minhas corridas em 2022?

11 jan 2022, 8:00 - atualizado em 11 jan 2022, 18:20
Uber
A estratégia de selecionar corridas é o que muitas vezes faz com que os motoristas consigam tirar seu sustento na profissão (Imagem: Facebook/Uber)

Ao longo de 2021, o cenário dos aplicativos de transporte no Brasil mudou muito: para passageiros, o preço e o tempo de espera aumentaram, enquanto, para os motoristas, os custos operacionais da profissão começaram a pesar mais no bolso. Para Marcos Fernandes, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a expectativa de uma melhora já em 2022 ainda é arriscada.

O aumento no preço dos combustíveis é apontado como o principal culpado neste cenário. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os derivados de petróleo sofreram com uma inflação de aproximadamente 50% no ano passado.

Sobre isso, Fernandes ressalta que são dois os principais fatores que merecem atenção: a recuperação do mercado internacional pós-2020 e a desvalorização do real com relação ao dólar, já que o combustível no Brasil tem seu preço associado à moeda estrangeira. 

O economista acredita que, por mais que se possam traçar expectativas para o futuro do mercado internacional de petróleo, atualmente aquecido em meio a uma recuperação econômica mundial, a incerteza sobre a valorização do real faz com que não se possa saber ao certo qual o futuro do preço dos combustíveis no Brasil.

Ele afirma que a alta nos preços no mercado internacional é fruto de uma desorganização macroeconômica pontual, e tem chances consideráveis de ser temporária. “Quando você tem o início de uma recuperação, a demanda por petróleo e seus derivados começa a aumentar, e aí você tem uma pressão de preços no curto prazo. Não é algo que tende a prevalecer no futuro”, diz.

“Falta de governança”

Entretanto, Fernandes observa que não existe variável macroeconômica capaz de explicar sozinha a situação do real, somente mais desvalorizado do que a lira turca dentre o grupo de países de renda alta e média-alta. Fernandes acredita que o “efeito Bolsonaro” é o principal responsável por intensificar a desvalorização da moeda. “São incertezas geradas pela falta de governança.”

Ele ressalta que o quadro das contas externas do país é estável, e que a desvalorização excessiva da moeda e o consequente aumento do preço pago nos postos de gasolina estariam, portanto, atrelados ao cenário de instabilidade política e institucional.

Fica  então nebuloso o horizonte para empresas como Uber e 99, que atualmente enfrentam uma onda de reclamações por parte de usuários e a redução de sua frota de motoristas devido às condições de trabalho desfavoráveis.

Jair Bolsonaro discursa na ONU em setembro de 2021
Fernandes acredita que o “efeito Bolsonaro” é o principal responsável por intensificar a desvalorização da moeda (Imagem: Reprodução/ TV Brasil)

Cancelamentos

Para muitos passageiros, conseguir uma corrida virou uma verdadeira missão. O estudante universitário Gustavo Campanili, de 23 anos, relata que sofreu um assalto, na saída de um bar, enquanto esperava pela aceitação de uma corrida no aplicativo. “É aquela coisa de aceitarem e menos de vinte segundos depois já cancelarem.”

Após diversos cancelamentos por parte dos motoristas, Gustavo e o namorado foram abordados por um grupo de assaltantes. No extrato do cartão, é possível constatar os estornos da empresa decorrentes dos cancelamentos.

A estratégia de selecionar corridas, entretanto, é o que muitas vezes faz com que os motoristas consigam tirar seu sustento na profissão. A prática é comumente citada pelos trabalhadores como uma maneira de fazer com que o  emprego seja realmente rentável, já que corridas curtas não remuneram o suficiente para cobrir gastos com gasolina, manutenção do carro, entre outros. 

Murilo Silva trabalhou como motorista de aplicativos entre 2020 e 2021, tendo começado como forma de complementar sua renda. Com a pandemia, fechou o restaurante que administrava e, a partir de então, tornou-se motorista em período integral. 

O agora ex-motorista conta que, com o tempo, o aumento do preço da gasolina, as taxas cobradas pelas empresas e o aumento do valor do aluguel do carro que usava para trabalhar tornaram o cenário inviável, mesmo fazendo jornadas de até 15 horas por dia. “Muitas vezes, no final do mês, está te sobrando R$ 50, R$ 60.”

Além da variação do preço do combustível, o IBGE também aponta os seguintes aumentos de preço ao longo de 2021: óleo lubrificante, 17,92%; pneus, 25,29%; veículos usados, 14,57%; veículos novos, 14,05%; e, o aluguel de veículos, 7%.

Políticas de incentivo

As empresas de aplicativos investiram, em 2021, em políticas de incentivo que ajudassem os motoristas a fechar a conta sem prejudicar o usuário. Em outras palavras, subsidiaram parte do valor dos pagamentos para que os motoristas recebessem mais dinheiro sem que as corridas se tornassem mais caras.

Em nota, a Uber afirmou ao Money Times que vem “implementando uma série de iniciativas que buscam promover o reequilíbrio do mercado no curto e no longo prazo”.

A empresa detalhou campanhas e parcerias que promovem descontos nos combustíveis, ganhos por indicações de novos motoristas, sorteios de vouchers e produtos, valores adicionais para corridas específicas, além de descontos e benefícios em serviços parceiros no ramo de educação e saúde.

A 99 também emitiu nota, pontuando que “está dedicando esforços da companhia para retomar o equilíbrio do marketplace, de maneira a continuar garantindo renda aos motoristas parceiros sem onerar financeiramente o usuário, mantendo assim o nível de demanda na plataforma”.

Além de iniciativas para incrementar ganhos dos motoristas, a 99 disse estar avaliando caminhos para a sustentabilidade do negócio por meio da tecnologia. Tendo como base seu algoritmo, a empresa diz estar rodando no momento mais de mil testes em diferentes cidades brasileiras.

Entretanto, mesmo com empresas como a Uber e a 99 afirmando que o valor final para o consumidor não tenha sido afetado pelas políticas de incentivo, os mesmos dados do IBGE nos mostram que as corridas por aplicativo encareceram quase 20% ao longo de 2021.

Fernandes, da FGV, afirma que isso foi ocasionado por um desequilíbrio entre a frota de carros disponível (diminuída, com  a saída dos motoristas que não mais conseguiam se sustentar) e o número de pedidos realizados.

Etanol Gasolina Combustíveis
As empresas de aplicativos investiram, em 2021, em políticas de incentivo que ajudassem os motoristas a fechar a conta (Imagem: Money Times/ Gustavo Kahil)

“Insuficientes”

O presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (AMASP), Eduardo Lima, afirmou ao Money Times que as políticas implementadas foram insuficientes para resolver o problema enfrentado pelos motoristas

“Eles deram um aumento de 10% no valor da corrida. Porém, só no ano passado, a gente teve um aumento de 50% só no valor do combustível […] é um jogo de enganação,” Lima se refere à revisão nas taxas proporcionadas pelas empresas no final de 2021. Enquanto a Uber se comprometeu a um reajuste de até 35%, a 99 divulgou uma revisão que iria variar de 10% a 25%.

Lima ainda revelou, com exclusividade, que a AMASP recentemente se associou à empresa de mobilidade Me Busca para o lançamento de uma parceria por meio da plataforma. A fusão pretende avançar no mercado dos aplicativos de maneira competitiva, oferecendo aos motoristas condições de trabalho mais favoráveis, ao mesmo tempo que remunerando-os melhor.

“Nosso diferencial vai ser fazer aquilo que as empresas tradicionais não fazem pelos motoristas.”

Lima comunicou que a parceria trará como pontos fortes uma série de incentivos aos motoristas, como pontos de apoio, ferramentas de segurança, proteção veicular inclusa e o limite de até 750 reais por mês destinados à empresa por parte dos motoristas. Ao ultrapassar este valor, todas as corridas vão diretamente ao bolso do trabalhador.

Ele disse que o serviço tem previsão de começar a rodar a partir de fevereiro.

Atualização feita em 11/01/2022, às 18h17, com o posicionamento da empresa 99.

Estagiária
Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
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Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
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