Coluna
Thinking outside the box

ONU completa 80 anos entre idealismo diplomático e realismo financeiro

26 set 2025, 17:00 - atualizado em 26 set 2025, 16:20
ONU
Enquanto tenta reafirmar sua relevância global, a ONU atravessa talvez a mais grave crise de legitimidade e financiamento de sua trajetória. (Imagem: REUTERS/Carlo Allegri)

A 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas começou nesta semana em Nova York, reunindo dezenas de líderes globais sob o lema “Melhor Juntos”. O slogan transmite uma mensagem conciliadora, mas a agenda promete ser marcada por embates diplomáticos e pela exposição das tensões que moldam o cenário internacional atual.

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O momento é especialmente simbólico: a ONU celebra oito décadas desde que, em 1945, cinquenta e um países assinaram sua Carta de fundação com o objetivo de impedir que as futuras gerações vivessem novamente sob a sombra devastadora da guerra. O contraste entre esse ideal e a realidade contemporânea é inevitável e, em certo sentido, perturbador.

Apesar dos avanços institucionais obtidos ao longo das últimas décadas, o mundo segue atravessado por conflitos persistentes e de difícil solução: guerras na África, como na República Democrática do Congo e no Sudão; a escalada contínua em Gaza e Israel, no Oriente Médio; a tragédia prolongada da Ucrânia, no Leste Europeu; as tensões crescentes no Estreito de Taiwan, no Sudeste Asiático; e a instabilidade crônica do Haiti, na América Central.

O pano de fundo é dramático: estima-se que 123 milhões de pessoas estejam deslocadas de suas casas por conta de guerras e crises humanitárias. Para uma organização concebida com a missão de preservar a paz, a ONU enfrenta hoje o desafio existencial de continuar relevante em um ambiente onde as instituições multilaterais perdem prestígio e eficácia.

Nesse cenário, os discursos da semana ganharam relevância adicional. Como dita a tradição, o Brasil abriu os trabalhos com a fala do presidente Lula, seguido por Donald Trump. Já nesta sexta-feira, coube ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, assumir o púlpito, em meio ao agravamento do conflito no Oriente Médio. Tanto Trump quanto Netanyahu acabaram por dominar as manchetes, elevando a temperatura de um encontro que, ao celebrar os 80 anos da ONU, evidencia de forma incontornável o abismo entre a promessa original da organização e os dilemas de um mundo cada vez mais fragmentado.

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Ao mesmo tempo, a organização enfrenta talvez a mais profunda crise de legitimidade e recursos de sua história: cortes de financiamento impostos pelo governo Trump, somados a atrasos sistemáticos de contribuições por parte da China e de outros quarenta membros, abriram um déficit orçamentário próximo de US$ 1 bilhão — um símbolo eloquente das limitações práticas de uma instituição concebida para ser universal, mas cada vez mais pressionada por disputas geopolíticas e falta de meios para cumprir sua missão.

A escassez de recursos levou o secretário-geral António Guterres a lançar a iniciativa UN80, cujo objetivo é racionalizar operações, cortar burocracia e enfrentar a dura realidade de que a ONU tem sido cada vez mais chamada a fazer mais com menos. O subfinanciamento crônico, somado a atrasos sistemáticos nos repasses e à retração das contribuições voluntárias, se combina ao acúmulo de mandatos e atribuições, empurrando a organização para um abismo institucional em um momento de proliferação de crises globais.

O desafio, portanto, é duplo: de um lado, a limitação estrutural de recursos; de outro, a crescente percepção de que a ONU se tornou obsoleta, pouco representativa e incapaz de responder às transformações profundas do mundo contemporâneo. Reformar o Conselho de Segurança aparece com frequência como proposta inicial, mas sua viabilidade é quase nula — e, mesmo que viesse a se concretizar, dificilmente enfrentaria os dilemas estruturais que corroem a instituição.

Permanecem, assim, as questões centrais: é possível restaurar a confiança no multilateralismo? O Conselho de Segurança conseguirá preservar relevância diante do confronto cada vez mais explícito entre grandes potências? E as economias emergentes da África, Ásia e América Latina terão, enfim, o espaço de voz e decisão que reivindicam há décadas na definição das regras globais?

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Enquanto isso, o tom da Assembleia tende a repetir o roteiro de sempre: discursos carregados de idealismo, líderes buscando se posicionar, desafiar adversários e testar novas alianças. Em um mundo no qual a “cooperação” tornou-se artigo escasso, até compromissos modestos em áreas como ajuda humanitária, clima ou financiamento social serão tratados como conquistas.

O pano de fundo, porém, é mais sombrio: assistimos à erosão da ordem liberal internacional construída após 1945, sem clareza sobre o que poderá surgir em seu lugar.

Para o investidor, a mensagem é clara. A incerteza geopolítica, combinada ao enfraquecimento das instituições multilaterais, tende a reforçar a busca por ativos de proteção clássicos. Nesse contexto, o ouro continua desempenhando papel central em estratégias prudentes de diversificação.

Mais do que uma reserva, mantém-se como referência universal de valor em períodos de instabilidade, funcionando como porto seguro quando outros instrumentos falham. Naturalmente, sua inclusão deve ser feita com disciplina: respeitando o dimensionamento adequado, em linha com o perfil de risco de cada investidor, e integrada a uma carteira verdadeiramente diversificada, capaz de equilibrar proteção e potencial de retorno.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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