ONU completa 80 anos entre idealismo diplomático e realismo financeiro

A 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas começou nesta semana em Nova York, reunindo dezenas de líderes globais sob o lema “Melhor Juntos”. O slogan transmite uma mensagem conciliadora, mas a agenda promete ser marcada por embates diplomáticos e pela exposição das tensões que moldam o cenário internacional atual.
O momento é especialmente simbólico: a ONU celebra oito décadas desde que, em 1945, cinquenta e um países assinaram sua Carta de fundação com o objetivo de impedir que as futuras gerações vivessem novamente sob a sombra devastadora da guerra. O contraste entre esse ideal e a realidade contemporânea é inevitável e, em certo sentido, perturbador.
Apesar dos avanços institucionais obtidos ao longo das últimas décadas, o mundo segue atravessado por conflitos persistentes e de difícil solução: guerras na África, como na República Democrática do Congo e no Sudão; a escalada contínua em Gaza e Israel, no Oriente Médio; a tragédia prolongada da Ucrânia, no Leste Europeu; as tensões crescentes no Estreito de Taiwan, no Sudeste Asiático; e a instabilidade crônica do Haiti, na América Central.
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O pano de fundo é dramático: estima-se que 123 milhões de pessoas estejam deslocadas de suas casas por conta de guerras e crises humanitárias. Para uma organização concebida com a missão de preservar a paz, a ONU enfrenta hoje o desafio existencial de continuar relevante em um ambiente onde as instituições multilaterais perdem prestígio e eficácia.
Nesse cenário, os discursos da semana ganharam relevância adicional. Como dita a tradição, o Brasil abriu os trabalhos com a fala do presidente Lula, seguido por Donald Trump. Já nesta sexta-feira, coube ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, assumir o púlpito, em meio ao agravamento do conflito no Oriente Médio. Tanto Trump quanto Netanyahu acabaram por dominar as manchetes, elevando a temperatura de um encontro que, ao celebrar os 80 anos da ONU, evidencia de forma incontornável o abismo entre a promessa original da organização e os dilemas de um mundo cada vez mais fragmentado.
Ao mesmo tempo, a organização enfrenta talvez a mais profunda crise de legitimidade e recursos de sua história: cortes de financiamento impostos pelo governo Trump, somados a atrasos sistemáticos de contribuições por parte da China e de outros quarenta membros, abriram um déficit orçamentário próximo de US$ 1 bilhão — um símbolo eloquente das limitações práticas de uma instituição concebida para ser universal, mas cada vez mais pressionada por disputas geopolíticas e falta de meios para cumprir sua missão.
A escassez de recursos levou o secretário-geral António Guterres a lançar a iniciativa UN80, cujo objetivo é racionalizar operações, cortar burocracia e enfrentar a dura realidade de que a ONU tem sido cada vez mais chamada a fazer mais com menos. O subfinanciamento crônico, somado a atrasos sistemáticos nos repasses e à retração das contribuições voluntárias, se combina ao acúmulo de mandatos e atribuições, empurrando a organização para um abismo institucional em um momento de proliferação de crises globais.
O desafio, portanto, é duplo: de um lado, a limitação estrutural de recursos; de outro, a crescente percepção de que a ONU se tornou obsoleta, pouco representativa e incapaz de responder às transformações profundas do mundo contemporâneo. Reformar o Conselho de Segurança aparece com frequência como proposta inicial, mas sua viabilidade é quase nula — e, mesmo que viesse a se concretizar, dificilmente enfrentaria os dilemas estruturais que corroem a instituição.
Permanecem, assim, as questões centrais: é possível restaurar a confiança no multilateralismo? O Conselho de Segurança conseguirá preservar relevância diante do confronto cada vez mais explícito entre grandes potências? E as economias emergentes da África, Ásia e América Latina terão, enfim, o espaço de voz e decisão que reivindicam há décadas na definição das regras globais?
Enquanto isso, o tom da Assembleia tende a repetir o roteiro de sempre: discursos carregados de idealismo, líderes buscando se posicionar, desafiar adversários e testar novas alianças. Em um mundo no qual a “cooperação” tornou-se artigo escasso, até compromissos modestos em áreas como ajuda humanitária, clima ou financiamento social serão tratados como conquistas.
O pano de fundo, porém, é mais sombrio: assistimos à erosão da ordem liberal internacional construída após 1945, sem clareza sobre o que poderá surgir em seu lugar.
Para o investidor, a mensagem é clara. A incerteza geopolítica, combinada ao enfraquecimento das instituições multilaterais, tende a reforçar a busca por ativos de proteção clássicos. Nesse contexto, o ouro continua desempenhando papel central em estratégias prudentes de diversificação.
Mais do que uma reserva, mantém-se como referência universal de valor em períodos de instabilidade, funcionando como porto seguro quando outros instrumentos falham. Naturalmente, sua inclusão deve ser feita com disciplina: respeitando o dimensionamento adequado, em linha com o perfil de risco de cada investidor, e integrada a uma carteira verdadeiramente diversificada, capaz de equilibrar proteção e potencial de retorno.