Donald Trump

Opinião: Com Trump, o mundo já passa por reorganização geopolítica

30 jan 2017, 21:10 - atualizado em 11 set 2019, 16:39

André Galhardo Fernandes é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria

O republicano Donald Trump mal começou seu mandato como presidente da maior economia do mundo e já mostrou, ainda que de maneira simbólica, as suas pretensões econômicas ao tirar os Estados Unidos da Parceria Transpacífica. E quando se diz que o ato foi simbólico, é em decorrência de a aliança, à época da assinatura, ainda não estar em vigor. Trump apenas tirou das costas do parlamento estadunidense a deliberação sobre a matéria.

Mas esse movimento nos dá mostras de como poderá ser o governo Trump nos próximos quatro anos. Nos documentos produzidos recentemente pela Análise Econômica Consultoria e por outros colegas do meio econômico, foi destacada a imprecisão de algumas análises justamente por conta da incerteza sobre quem seria realmente o homem político e econômico por trás do bronzeado laranja.

Bem, Trump fez jus ao discurso nacionalista de campanha. Mesmo que seus atos estejam indo de encontro ao que se esperava – geração de empregos, recrudescimento da economia estadunidense, fortalecimento político etc. –, o que parece é que falta coerência entre o discurso e a prática. Enquanto age, de certo modo, coerentemente com o discurso de campanha, o presidente age de maneira divergente aos resultados que se deseja alcançar.

Com atitudes protecionistas, será difícil alçar voo na era das cadeias globais de valor. Defender-se do comércio internacional livre parece uma ruptura quase sem precedentes ao país que constrói déficits comerciais superiores a US$ 40 bilhões todos os meses.

Deixar alianças pode ter alguns efeitos relevantes sobre o balanço de pagamentos dos Estados Unidos. O primeiro deles, mas menos provável, seria um aumento do déficit comercial em decorrência do aumento das tarifas aduaneiras, que deixariam de ser especiais em face à não adesão norte-americana. Quanto a isso, a economia dos Estados Unidos está completamente amparada, uma vez que já financia vultosos déficits comerciais e orçamentários há décadas.

O segundo seria uma reversão/diminuição nos déficits comerciais. Com o protecionismo, os Estados Unidos passariam a importar um menor número ou quantidade de produtos do exterior, o que poderia trazer alguma melhora no saldo comercial da economia liderada por Trump.

Este segundo movimento tem implicações relevantes no comércio internacional. Primeiramente, em tese, diminuiriam as entradas de recursos em outras contas do balanço de pagamentos.

O déficit dos Estados Unidos é o superávit de outras economias. E esse superávit comercial, por sua vez, em muitos casos era canalizado aos próprios Estados Unidos.

Trata-se, basicamente, do seguinte: a maioria dos negócios internacionais é realizada em dólar, e as economias superavitárias na relação comercial com os EUA tinham caminho amplo e facilitado no investimento em títulos públicos norte-americanos. Sem esses superávits, os Estados Unidos podem ter dificuldades para financiar alguns dos déficits que estão enraizados em sua cultura econômica.

Com dificuldade em manter essa mobilidade de capital internacional, os norte-americanos terão uma nova variável relevante na tomada de decisão relativa à política monetária nacional: o déficit do balanço de pagamentos.

Para atrair os recursos, pode ser necessário então elevar os juros de maneira mais acintosa, pondo fim à era de juros ultrabaixos que vimos após os efeitos da crise do subprime e da crise da dívida soberana de membros da União Europeia.

A maior economia do planeta tem diversas ferramentas na mão, e o “conserto” da economia estadunidense não passará despercebido nos demais países. Com o aumento da taxa básica de juros, a Europa pode mergulhar, de novo, numa estagnação ainda mais elevada, já que a taxa básica em 0% ou abaixo disso, como já fazem Suíça, Suécia e outros, determinará o afluxo de capital para os títulos públicos norte-americanos em detrimento do investimento em solo europeu.

A situação forçará a Europa a aplicar medidas distintas das atuais para retomar a atividade econômica. A principal delas faz coçar a pele dos rentistas: um aumento da regulação de capitais, diminuindo a mobilidade de capital e reforçando o cunho nacionalista das políticas econômicas – mas, desta vez, pelo mercado financeiro. E isso pode trazer novos problemas para a economia dirigida por Trump.

Lembremos-nos do déficit no balanço de pagamentos. Este pode ser um problema, mesmo com o aumento da taxa básica de juros. E é uma questão na qual Trump vai esbarrar, mais cedo ou mais tarde.

Citando o título de um livro do economista Barry Eichengreen, os Estados Unidos dispõem de um privilégio exorbitante: o dólar. Isso, de fato, facilita muito as coisas. Mas, a economia, tal como a política e as nuvens, está em constante mudança.

Sobre a vantagem dos Estados Unidos com relação ao dólar, não podemos nos esquecer da China com o Yuan. Recentemente aceito para compor a cesta de moedas do Fundo Monetário Internacional (direito especial de saque – SDR), o Yuan é uma força poderosa a serviço da segunda maior economia do planeta.  A China já percebeu há alguns anos que o modelo de crescimento via comércio internacional está se esgotando. Essa percepção pode ficar ainda mais latente com a política nacionalista de Trump.

Em função disso, há algum tempo, a China vem se preocupando com a inserção da sua economia de maneira mais institucionalizada. Uma prova é o esforço fortíssimo do país para compor a SDR do FMI. Outro sinal deste esforço foi a presença do presidente chinês, Xi Jinping, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

No evento, ele disse que o caminho é a abertura comercial – discurso completamente contrário ao do presidente Donald Trump. Não que Jinping tenha um coração grande e queira somente o bem da economia mundial, mas ele e seus correligionários entendem que, apesar dos seus esforços recentes, a economia chinesa ainda é refém do comércio internacional.

A China será a grande voz dissonante de Trump nos próximos anos, situação que irá alçá-la a voos mais altos com parcerias que virão da Europa, África e América Latina, uma vez que, economicamente, os Estados Unidos estão virando as costas para boa parte dos integrantes destes continentes. Com essa mudança de rumo na economia mundial, está pavimentado o novo caminho para a China.

O fortalecimento da moeda da China, aliado aos discursos que aderem à lógica ocidental por parte das autoridades chinesas, deve cristalizar o país como porto seguro financeiro. O processo não é simples, lógico e tampouco certo, mas a potência asiática deve trilhar esse caminho em que o déficit comercial pode ser um rumo, especialmente caso haja afluxo suficiente de capital de investimento em ativo fixo e de investimento em carteira (ativos financeiros). Para isso, aliás, o país tem se preparado há algum tempo.

Realinhamento

Nesse quebra-cabeça geopolítico, a China tem um importante aliado: a Rússia. O presidente do país, Vladimir Putin, tem relações amigáveis não apenas com Jinping, mas também com Trump, com o Irã, com parte da Europa e com países e instituições latino americanas.

O maior produtor de petróleo e gás do mundo tem importantes cartas na manga. Entre elas, podemos destacar a proximidade com os Estados Unidos. Ser o maior produtor de petróleo do planeta torna a Rússia um importante aliado para enfraquecer a Arábia Saudita e outros produtores de petróleo sunitas.

Cabe lembrar que a Rússia já disponibilizou linhas de crédito para a modernização de poços de petróleo no Irã. Isso, certamente, desagradou ao maior produtor de petróleo da Organization of the Petroleum Exporting Coutries (OPEC), a Arábia Saudita, que vem liderando há algum tempo a tentativa de implantar um corte na produção de petróleo.

Esse desgaste entre membros da OPEC acaba por minar as tentativas de corte na produção de petróleo, o que favorece indiretamente os produtores de petróleo e gás de xisto nos Estados Unidos.
Ao final de 2015, as reservas comprovadas de gás de xisto nos Estados Unidos ultrapassavam 175,6 trilhões de pés cúbicos. Apenas a título de comparação, as reservas comprovadas de gás natural no Brasil são de 13,12 trilhões de pés cúbicos.

Com a produção de hidrocarbonetos proveniente das fraturas hidráulicas do xisto, os Estados Unidos, maior consumidor mundial de petróleo (mais de 21% do total do planeta), podem fazer a substituição e alterar, como já tem sido feito, a matriz energética. A medida chega ao ponto de incutir um descasamento expressivo entre oferta e demanda de petróleo, jogando os preços internacionais novamente para baixo e dando um impulso retroalimentar para as empresas que extraem gás de xisto nos EUA.

O mundo passará por uma nova rodada de alinhamento de parcerias. O Brasil, tal como Rússia, Índia, Indonésia, México e outros países emergentes, terá que estar atento aos movimentos, para que as práticas políticas, comerciais e até armamentícias sejam capazes de transigir conforme as alterações do ordenamento geopolítico global.

A Europa, conforme citado anteriormente, passará pela dura tarefa de provar – ou tentar provar – que o Euro é algo bom. O Reino Unido vem mostrando dados bons de sua economia, o que pode encorajar alguns países da Zona do Euro a se tornarem dissidentes. França, Itália, Grécia e Espanha são os mais proeminentes neste quesito.

A Alemanha pode empreender políticas sociais e econômicas convergentes com as políticas adotadas pelo Reino Unido. Isso significa um estado mais interventor no médio prazo – no sentido de se fazer sentir nos gastos e investimentos.

O Brasil, seguindo o curso da história, terá de estar atento aos movimentos geopolíticos globais, servindo como coadjuvante de luxo dos atores principais da trama.

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