Opinião: Como fica a Lei Geral do Licenciamento Ambiental após a derrubada de vetos pelo Congresso
A derrubada de 52 vetos presidenciais ao projeto que instituiu a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025) alterou sensivelmente o panorama regulatório brasileiro. A decisão do Congresso Nacional, tomada no fim de novembro, restabeleceu dispositivos originalmente aprovados pelos parlamentares e reacendeu debates estruturais sobre segurança jurídica, autonomia federativa e proteção ambiental.
A votação, registrada nos documentos oficiais do Senado, devolveu ao texto legal mecanismos que haviam sido suprimidos pelo Executivo sob alegações de inconstitucionalidade e risco ambiental.
Licenciamento no Agro
No setor rural, a mudança mais imediata decorre da retomada da dispensa de licenciamento para atividades agrossilvipastoris extensivas e semi-intensivas com base apenas na apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), independentemente da homologação do registro. O veto presidencial condicionava essa dispensa à adesão ao Programa de Regularização Ambiental, o que, na prática, exigia a validação prévia do CAR pelo órgão ambiental estadual.
Como a validação do cadastro avança de forma muito lenta em grande parte do país — com taxas inferiores a 20% em Estados como Bahia, Mato Grosso, Pará e Goiás, segundo levantamentos consolidados em avaliações federativas do Código Florestal —, essa exigência colocaria um número expressivo de produtores em uma situação de indefinição regulatória prolongada. Em vários Estados, menos de 10% dos imóveis rurais tiveram sua análise finalizada, e alguns sequer iniciaram ciclos de validação em escala.
Nesse contexto, a aplicação do veto criaria um descompasso entre a Legislação federal e a realidade administrativa dos Estados, impedindo produtores em conformidade ambiental de acessar uma dispensa legal devido exclusivamente à morosidade estatal. A derrubada do veto corrige esse desalinhamento e restabelece previsibilidade mínima ao setor, sobretudo para atividades consolidadas de baixo e médio porte ambiental, que tradicionalmente operam sob regime simplificado de controle.
É importante ressaltar que essa dispensa não alcança a pecuária intensiva, como confinamentos e sistemas equivalentes. Para essas atividades, que possuem maior potencial poluidor e maior complexidade operacional, o licenciamento ambiental completo permanece obrigatório, incluindo avaliação prévia e acompanhamento técnico formal.
Assim, a mudança aprovada pelo Congresso não altera a lógica de gradação de impacto já consolidada no direito ambiental brasileiro; ela apenas impede que atividades extensivas e semi-intensivas, de menor complexidade ambiental, sejam submetidas a exigências administrativas inviáveis diante do baixo ritmo de análise dos cadastros pelos estados.
Licença por Adesão e Compromisso
Outro ponto central envolve a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), instrumento autodeclaratório de licenciamento ambiental. Os vetos presidenciais suprimiam praticamente toda a descrição da LAC na lei, o que deixaria o texto sancionado sem parâmetros normativos para sua utilização, gerando insegurança jurídica mesmo para atividades de baixo impacto. A decisão do Congresso restaura a modalidade com sua redação completa e permite expressamente sua aplicação a empreendimentos de pequeno e médio impacto ambiental.
Entretanto, essa escolha legislativa contrasta com padrões internacionais e nacionais. Em países como França e Portugal, o licenciamento simplificado é restrito a atividades de baixo impacto. No Brasil, a maior parte dos Estados adota abordagem semelhante, limitando o licenciamento autodeclaratório a situações de risco reduzido; São Paulo é um exemplo claro dessa prática.
A extensão da LAC para o médio impacto pode gerar disputas sobre enquadramento e compatibilidade da autodeclaração com o princípio da precaução, aumentando a probabilidade de judicialização.
Mata Atlântica
A proteção da Mata Atlântica também foi alterada com a derrubada dos vetos. O Executivo havia mantido a obrigatoriedade de anuência prévia do Ibama para a supressão de vegetação secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, mas o Congresso restaurou a redação que elimina essa exigência — não necessariamente uma autorização de supressão está dentro de um contexto de licenciamento ambiental.
Sua retirada transfere maior responsabilidade para os Estados, reduz o papel da União em um bioma constitucionalmente protegido e tende a gerar debates sobre a manutenção do caráter especial da Lei da Mata Atlântica. Como o Supremo Tribunal Federal já reforçou em diversas oportunidades que essa Legislação deve ser interpretada de modo complementar ao Código Florestal, a mudança poderá gerar questionamentos sobre coerência normativa. Na prática, a centralização das decisões nos órgãos estaduais pode resultar em critérios distintos de supressão, aumentando o risco de conflitos administrativos e judiciais relacionados a Lei nº 15.190/2025
Além disso, a derrubada dos vetos fortalece a descentralização da política ambiental, conferindo maior autonomia a Estados para definir tipologias, porte e potencial poluidor, bem como para disciplinar procedimentos de licenciamento.
Manifestações de órgãos como Funai, Fundação Palmares e gestores de unidades de conservação retornam ao caráter opinativo, o que reduz sobreposições institucionais e tende a acelerar processos, mas também pode gerar desafios de coordenação federativa, especialmente em regiões com sensibilidade socioambiental elevada.
Conclusões
A derrubada dos vetos encerra a etapa legislativa, mas a aplicação prática da nova lei ainda dependerá de como cada Estado regulamentará suas próprias tipologias, critérios de porte, potencial poluidor e modalidades de licenciamento. Como o país possui realidades ambientais distintas e estruturas administrativas desiguais, é esperado que haja diferenças na forma como a LAC, a dispensa baseada no CAR e as regras de supressão na Mata Atlântica serão implementadas.
Além disso, pontos sensíveis da lei — especialmente a LAC para médio impacto e a retirada da anuência federal na Mata Atlântica — poderão ser questionados no Judiciário, que terá papel importante na definição dos limites e na harmonização das interpretações. Assim, embora a decisão do Congresso aumente a agilidade administrativa, a consolidação da segurança jurídica dependerá das regulamentações estaduais e da evolução das decisões judiciais nos próximos anos.