Coluna do Hsia Hua Sheng

Os chips ajudarão o Renminbi da China a virar o “dólar” do século XXI; prepare-se

13 set 2023, 19:51 - atualizado em 13 set 2023, 19:51
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Divisor de águas: smartphone Huawei Mate 60 utiliza um processador Kirin 9000s, totalmente desenvolvido na China, o que indica que o país conseguiu superar as barreiras impostas pelas sanções comerciais dos EUA (Imagem: Divulgação/ Huawei)

No passado, os petrodólares ajudaram na internacionalização do dólar, a moeda dos Estados Unidos. Agora, temos os “chips Renminbi” (RMB ou Yuan Chinês), que farão a mesma coisa pelo Renminbi chinês no futuro próximo.

Há evidências de que a China já rompeu a barreira das sanções tecnológicas nas áreas relacionadas a semicondutores impostas pelo Estados Unidos. As empresas de semicondutores chinesas ampliam gradualmente sua autonomia e seu domínio para produzir não só o chip avançado, mas também as máquinas e componentes críticos para o chip.

Sob a tensão geopolítica, disputa tecnológica e remodelagem comercial no mundo, a China não teve escolha. O país precisava desenvolver tecnologias próprias para escapar do apagão de crescimento nas duas maiores empresas de telecomunicações de 5G (Huawei e ZTE), quando os Estados Unidos baniram o acesso dessas duas companhias ao mercado de 5G e à cadeia de suprimentos relacionados com chips avançados.

Na verdade, em 1991, as empresas japonesas de semicondutores também sofreram as mesmas sanções e foram banidas pelos Estados Unidos, quando os japoneses começaram a dominar o mercado de telecomunicações e a área computacional, ameaçando a lideranças das companhias americanas.

Diferentemente das empresas japonesas, que desistiram da disputa por depender do mercado americano para exportação, as chinesas foram à luta, pois têm seu enorme mercado doméstico para consumir seus produtos tecnológicos de inteligência artificial.

Essa segurança de contar com o próprio mercado interno garante que essas empresas chinesas se juntem com as fabricantes também chinesas de semicondutores, como a SMIC, para assumir os riscos financeiros, investindo e desenvolvendo a cadeia completa e integrada de produção de máquinas e componentes de alta precisão que fabricam chips.

Essa condição não seria economicamente viável para seus concorrentes mais próximos, como a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) e a Samsung, pois também não possuem um mercado interno grande.

A indústria de semicondutores da China superou as sanções americanas?

A sinalização positiva dessa superação na área de semicondutores está nos novos lançamentos de celulares premium da Huawei no início de setembro. Um deles é o modelo Mate 60 Pro Plus com a conexão via satélite e com novo sistema HarmonyOS, que permite a internet das coisas com aplicação de inteligência artificial. Uma semana depois, a Huawei lançou mais um celular dobrável, o Mate X5.

De acordo com a imprensa especializada, a versão anterior, Huawei Mate 40, usava o processador Kirin 9000, produzido pela TSMC com equipamento de EUV (Litografia Ultravioleta Extrema, na sigla em inglês), capaz de fabricar chips com tecnologia de 5nm (nanômetros).

Já o Huawei Mate 60 utiliza um processador Kirin 9000s, fabricado com outra tecnologia, a DUV (Litografia Ultravioleta Profunda, na sigla em inglês). Trata-se de um equipamento de geração anterior de DUV, capaz de produzir chips de 7nm. Esse chip, feito totalmente pelas empresas chinesas, permitiu que o novo celular da Huawei processe mais rapidamente que um celular de 5G. Segundo os especialistas de semicondutores, o Huawei Mate 60 Pro Plus corresponderia a um celular de 5,5 G.

As empresas concorrentes globais estão surpresas com preço alto (cerca de US$ 1.000 na China) desse modelo e com o volume elevado de vendas. Originalmente, esperavam-se vendas de 5 milhões de aparelhos só em 2023. Agora, essa estimativa foi ajustada para 14 milhões de celulares. Até final de 2024, a estimativa aponta para 100 milhões de aparelhos vendidos.

As concorrentes globais gostariam de saber como a Huawei e a SMIC conseguiram produzir esses produtos com tecnologia de 7 nm em larga escala em tão pouco espaço de tempo, mesmo com várias restrições comerciais, de outsourcing, tecnológicas e de investimentos impostas pelos Estados Unidos e seus países aliados desde 2020.

Essa conquista da indústria chinesa está gerando uma onda de desmontagem desses celulares. Os especialistas verificaram que 90% dos componentes utilizados nesses aparelhos são componentes genuinamente produzidos pela cadeia de suprimento próprio das empresas chinesas.

Além disso, vários componentes desse celular foram redesenhados para acomodar inovações introduzidas e maximizar a eficiência operacional conjunta com novo chip Kirin 9000s totalmente nacional. Por exemplo, o sistema de resfriamento do celular para conservar mais energia.

Qual seria impacto do avanço da China na indústria global de semicondutores e celulares?

A queda do preço das ações das concorrentes globais da SMIC e da Huawei pode ser um primeiro impacto. Isso acaba afetando negativamente também valor de mercado de todos os fornecedores da cadeia produtiva dessas concorrentes.

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“Os especialistas verificaram que 90% dos componentes utilizados nesses aparelhos são componentes genuinamente produzidos pela cadeia de suprimento próprio das empresas chinesas” (Imagem: Divulgação/ Huawei)

Com novos produtos e serviços com preços extremamente competitivos, a SMIC e a Huawei geram mais lucros e caixa, recuperando gradualmente sua participação de mercado e reduzindo a participação de seus rivais. Por exemplo, as ações da Apple tiveram uma queda significativa de 6% na primeira semana de lançamento do Huawei 60 Mate Pro Plus. É importante lembrar também que o mercado da China é segundo maior mercado para o iPhone da Apple.

A questão não é se a China está produzindo o chip mais avançado do mundo. Essas concorrentes estão surpresas com a capacidade manufatureira da equipe de engenheiros de montar uma cadeia produtiva nacional inteira de semicondutores suficientemente avançados. Elas também estão impressionadas com essa rapidez de aplicar comercialmente os chips com tecnologias de inteligência artificial nos produtos eletrônicos.

Essa redução de tempo do ciclo de Pesquisa & Desenvolvimento na área de chips e de comercialização em larga escala permitirão que os novos produtos, não só da Huawei, mas também de outras fabricantes chinesas, sejam desenvolvidos rapidamente.

Além dessa força de sua própria indústria nacional, atualmente, a China é o único hub tecnológico do mundo para produção internacional com custo baixo e logística eficiente. Essas condições favorecem crescimentos sustentáveis e competitivos das empresas instaladas na China. Sua produção vai reduzir significativamente os preços finais de celulares 5G ou 6G, beneficiando os consumidores de todo mundo.

Portanto, a indústria chinesa de alta tecnologia está fazendo melhor e mais eficiente do que as concorrentes globais pensam. Mesmo que ainda tenha um longo caminho para China alcançar o estado de arte dos chips, essas superações graduais dos gargalos tecnológicos na área de semicondutores já mostram que a China está alocando seus recursos de forma correta.

A autonomia de fabricação de chips avançados pode não só reduzir drasticamente o gasto com seu segundo maior item na pauta de importação atual, mas também aumentar a exportação de todos os tipos de chips totalmente chineses para o mundo no futuro próximo. Quem sabe? E já cotados e exportados em Renminbi (RMB).

*As análises e opiniões são de responsabilidade exclusiva do autor e não representam uma visão das instituições da qual o autor pertence.

Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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Hsia Hua Sheng é vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A. e professor associado de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV- EAESP). Ele é economista pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV – EAESP). Foi pesquisador visitante na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). É especialista em finanças internacionais com foco em mercados emergentes, com larga experiência profissional em multinacionais e possui várias publicações em revistas acadêmicas e profissionais de excelências internacionais e nacionais.
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