Os perdedores da guerra comercial dos EUA

O início de abril foi marcado pelo “Dia da Libertação”, data do anúncio da imposição de tarifas comerciais por parte dos EUA sobre grande parte do mundo.
Desde então, os mercados globais têm sofrido as consequências do anúncio que, mesmo com recuos, elevou significativamente o nível de incerteza global. Passado um mês do anúncio, o consenso entre analistas de mercado e acadêmicos é de que a guerra comercial, com pouquíssimas exceções, será negativa para todos.
Tarifas maiores não levam necessariamente a menos crescimento. A imposição de barreiras comerciais, tarifárias ou não, costuma reduzir a eficiência econômica, assim como elevar o custo de vida. O impacto negativo da atual política americana advém da velocidade e da escala da medida. Ainda que no passado a economia americana já tenha observado tarifas efetivas de importação superiores às anunciadas, nunca o aumento foi tão significativo e rápido.
É difícil encontrar analogia histórica ao que estamos vivendo. Mudanças radicais de política são típicas respostas a eventos econômicos importantes, como a crise financeira de 2008 ou a pandemia recente. A guerra comercial, no entanto, não encontra um evento correspondente. A economia americana crescia em ritmo elevado, com mercado de trabalho superaquecido e inflação relativamente controlada.
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Neste contexto, o anúncio do início deste mês se traduziu em um salto no nível de incertezas econômicas, que atingiu patamares similares ao do período da pandemia. Além dos impactos diretos das tarifas sobre as empresas e cadeias globais de produção, os efeitos indiretos desse ambiente são certamente negativos para a confiança e o investimento.
Na sua última avaliação de cenários, o FMI reduziu as projeções de crescimento global para este ano de 3,3% para 2,8%. Os EUA seriam um dos países mais afetados, com redução de 2,7% para 1,8%. O mesmo comportamento tem sido observado na mediana das projeções dos analistas do mercado.
Os efeitos negativos sobre a economia no curto prazo se dão através de três canais principais. Primeiro, o aperto das condições financeiras provocado pelo ambiente altamente volátil e perspectivas de piora do cenário econômico. Em segundo lugar, o aumento de tarifas reduz a renda real e pressiona o consumo. Por último, o elevado nível de incertezas leva à postergação das decisões de investimento por parte das empresas.
Estudos acadêmicos recentes também evidenciam a resultante negativa da guerra comercial. Um trabalho recente de Sebnem Kalemli-Özcan e outros colaboradores, por exemplo, utiliza um modelo abrangente que incorpora redes globais de produção, formação de preços setoriais e respostas da política monetária. Nele, é estimado que o pacote tarifário dos EUA poderia reduzir o PIB americano em até 1,6% e elevar a inflação em 0,8 ponto percentual.
Outra pesquisa, conduzida por Ignatenko e seus coautores, demonstra que em qualquer cenário de retaliação proporcional, os EUA perdem em termos de bem-estar, ou seja, iriam precisar de um aumento substancial de renda real para compensar as perdas com as tarifas. Da mesma forma, o estudo de Pujolàs e Rossbach aponta que eventuais ganhos desaparecem em um contexto de retaliações generalizadas, incerteza política e cadeias produtivas interdependentes.
A evidência microeconômica também corrobora o efeito em cadeia das tarifas. Uma análise feita por Cavallo, Llamas e Vazquez examinou mais de 198 mil preços diários de produtos vendidos por grandes varejistas nos EUA, antes e depois da implementação das tarifas. Observou-se que os preços de bens importados subiram após os anúncios, mas que bens domésticos também registraram aumentos semelhantes, mesmo em categorias não diretamente tarifadas, refletindo o impacto de insumos importados, expectativas e estratégias de precificação.
As tarifas anunciadas pelos EUA impõem custos ocultos ao consumidor, distorcem preços e impactam negativamente o crescimento — mesmo antes de serem implementadas plenamente. Ainda que as reações de mercado e consequências econômicas provoquem recuos adicionais nesta guerra comercial, o ambiente de incertezas econômicas e geopolíticas ainda deve ser uma constante neste e no próximo ano, com impactos negativos sobre o crescimento global.
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