Coluna
Governança Corporativa

Para além do imposto: por que pensar em legado e sucessão se tornou urgente no Brasil?

04 jun 2025, 12:40 - atualizado em 04 jun 2025, 12:43
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(Imagem: Pixabay/ Alexa)

A mesa de planejamento patrimonial e sucessório no Brasil nunca esteve tão movimentada. O que antes era frequentemente percebido como um tema distante, restrito às grandes fortunas ou uma mera manobra fiscal, hoje se impõe como uma necessidade estratégica e multidisciplinar para um universo crescente de famílias e empresas.

Sim, as recentes discussões e alterações em nosso regime tributário – como o potencial aumento do ITCMD, as novas regras para fundos exclusivos e estruturas offshore – atuaram como um potinho na urgência, mas o movimento que testemunhamos é mais profundo. É uma mudança estrutural de mentalidade. As pessoas estão, cada vez mais, percebendo que a organização e a perpetuação de um patrimônio exigem planejamento, governança e uma visão de longo prazo que transcende a próxima fatura de imposto.

Não se trata apenas de “economizar tributos” ou de reagir ao noticiário. O verdadeiro planejamento patrimonial e sucessório é uma engenharia complexa que se entrelaça com as dinâmicas familiares, os objetivos empresariais e, por vezes, até com os legados afetivos e os valores intangíveis. É uma busca legítima por harmonia, continuidade e segurança, visando reduzir o risco de litígios, desorganização ou, pior, a destruição de valor no processo sucessório.

A interdisciplinaridade é a marca de um planejamento sucessório verdadeiramente eficaz. Tomemos como exemplo a constituição de holdings patrimoniais. É uma ferramenta relevante, com potenciais ganhos em eficiência e organização.

Mas, como advogados que atuam na prática, sabemos que a simples criação de uma holding não é um passe de mágica, nem um “milagre da Terra” – como há quem tente defender. Sem a elaboração meticulosa de acordos de sócios robustos, regras claras de governança e protocolos familiares consistentes, o que poderia ser uma solução para otimizar a gestão e até mitigar impostos, pode se converter em um palco para atritos familiares ou até inviabilizar o próprio negócio. A “blindagem patrimonial” prometida sem propósito econômico legítimo, é uma ficção perigosa que só atrai problemas.

Outra estratégia comum é a antecipação de doações com reserva de usufruto. Juridicamente e fiscalmente, pode ser um movimento extremamente eficiente. No entanto, sua implementação exige uma sensibilidade apurada e clareza sobre os “porquês”.

É fundamental avaliar a maturidade dos herdeiros para lidar com a titularidade do patrimônio, garantir a sustentabilidade financeira do doador e prever, contratualmente, os limites à disposição dos bens. É um ato de confiança, que precisa ser moldado por um acompanhamento técnico – jurídico, contábil, financeiro e, por vezes, até psicológico – para evitar armadilhas.

No cenário internacional, as mudanças nas estruturas offshore e fundos exclusivos exigem uma revisão cirúrgica. Com o fim do diferimento de impostos e a adoção do regime de tributação por competência, muitas dessas estruturas perderam parte de sua atratividade puramente fiscal.

A questão para as famílias agora não é apenas “quanto imposto pagarei?”, mas “faz sentido para a minha estratégia global?”. A decisão de manter ou encerrar uma estrutura offshore vai além do custo tributário: envolve apetite ao risco, objetivos de liquidez, aspectos regulatórios de múltiplos países e, claro, a governança familiar de ativos espalhados pelo mundo. Sem assessoria especializada, essas decisões podem gerar impactos severos e irreversíveis.

O tempo é um ativo crucial no planejamento patrimonial. A cada nova discussão sobre legislação tributária, observamos uma “corrida contra o tempo” em busca de soluções. Mas um planejamento bem executado demanda meses – e, por vezes, anos – de análise documental, de escuta ativa das intenções e aspirações da família, de um desenho jurídico cuidadoso e de constante adequação ao contexto normativo.

Adiar decisões sob o pretexto de esperar por maior clareza legislativa pode ser um erro estratégico, pois a janela para certas otimizações pode se fechar. Da mesma forma, agir com pressa e recorrer a “soluções de prateleira” ou genéricas – apresentadas sem qualquer análise aprofundada da realidade familiar – é um risco desnecessário que ignora a complexidade de cada núcleo.

É essencial reafirmar: o planejamento patrimonial eficiente não é feito no improviso nem com base em modelos prontos. Ele é matéria essencialmente jurídica, e não pode ser mercantilizada como um produto simples. Requer conhecimento técnico apurado, experiência multidisciplinar e, sobretudo, ética. A linha entre a legítima economia fiscal e a evasão é tênue, e a responsabilidade do planejador em orientar seus clientes de forma transparente e aderente à lei é inegociável. Estruturas artificiais, “blindagens” genéricas ou simulações tendem à nulidade e a trazer uma situação muito pior que a original.

A crescente conscientização sobre a necessidade do planejamento patrimonial e sucessório – agora impulsionada, mas não definida, pela Reforma Tributária – reflete um amadurecimento do mercado. Profissionais liberais, empresários de médio porte e famílias multigeracionais estão despertando para a importância de um planejamento bem conduzido, com orientação profissional especializada, como forma de proteção não só do patrimônio, mas do próprio legado.

O que está em jogo não são apenas ativos, mas os valores e a visão que se quer transmitir às futuras gerações. O planejamento patrimonial e sucessório é, antes de tudo, uma ferramenta de continuidade, harmonia e visão de futuro. E, para que ele cumpra esse papel com segurança e eficácia, é imprescindível contar com assessoria qualificada, personalizada e comprometida com a legalidade e com os verdadeiros objetivos da família.

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Advogado especialista em direito empresarial e societário, sócio da Marcos Martins Advogados
gustavo.arbach@autor.www.moneytimes.com.br
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