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Paulo Gala: Já é possível ver o ano de 2021

20 dez 2020, 17:03 - atualizado em 18 dez 2020, 19:39
Consumo Alimentos Inflação
Segundo Paulo Gala, a inflação não deve voltar com força, pois a crise no mercado de trabalho dificulta os repasses de preços do atacado para o varejo (Imagem: Reuters/Ricardo Moraes)

O que esperar de 2021?

A âncora da inflação no Brasil está no mercado de trabalho depauperado e nas reservas cambiais. O déficit público primário indo a quase R$ 1 trilhão neste ano não é novidade.

Gastamos em um ano praticamente o equivalente à economia de uma reforma da Previdência de uma década. Isso não fez a inflação disparar e o IPCA deve fechar 2020 na casa dos 3,5%. A aceleração recente dos índices de preços por atacado, com destaques para IGPs e INCC, se deve a uma combinação de desvalorização cambial no Brasil e no mundo emergente com a alta de preços no mercado mundial de commodities.

Parte da desvalorização cambial se deve ao movimento de aversão ao risco global, parte a temores fiscais no Brasil. A arroba do boi, a soja, o minério de ferro e tantas outras commodities estão perto de máximas, graças, principalmente, à demanda firme da China.

A correta coordenação econômica do governo chinês, usando regulação e instrumentos de mercado, tornou o país o destaque mundial na reposta à Covid-19. A China caminha a passos largos para se tornar a maior e mais relevante economia do mundo e as commodities brasileiras se beneficiam novamente de outra onda de crescimento do país.

A China produzia 50% das máscaras cirúrgicas mundiais até o início da pandemia. Com o surgimento do coronavírus, suas fábricas aumentaram a produção em 12 vezes. Estima-se que 10 mil empresas de bebidas, carros, fraldas e até satélites passaram a produzir produtos médicos. Tudo com apoio do Governo, que flexibilizou licenças, concedeu subsídios e garantiu que comprará os estoques remanescentes.

China não está sozinha: Taiwan, por exemplo, também implementou uma política industrial de emergência para máscaras cirúrgicas. O estado chinês está estimulando a reconversão industrial. Agora, com a epidemia sob controle na China, países que não produzem o suficiente destes produtos viraram grandes compradores.

No Brasil, a inflação não deve voltar com força, pois a crise no mercado de trabalho dificulta os repasses de preços do atacado para o varejo. Apesar do salto dos IGPs, devemos ver nos próximos meses um arrefecimento.

A forte alta de preços já disparou gatilhos de produção que estavam enferrujados. A oferta responderá à alta de demanda e os preços de commodities e insumos da construção civil devem parar de subir já nos próximos meses. Esse mecanismo está em operação tanto no mercado mundial quanto no doméstico.

Banco Central
“No front cambial, o BC tem muita munição que não está utilizando”, diz o colunista (Imagem: Leonardo Sá/Agência Senado)

No front cambial, o BC tem muita munição que não está utilizando. O grande boom de preços de commodities trará mais dólares ao país, tanto neste ano quanto no próximo ano. A moeda brasileira tem uma das piores performances do mundo, tornando todos os preços brasileiros baratos: ativos financeiros, bens e serviços. A trajetória mais provável para 2021 é de arrefecimento da pressão inflacionária apesar dos temores fiscais.

Os salários reais seguem deprimidos, o nível da produção industrial em mínimas históricas em termos de volumes, próxima ao patamar de 2007, o consumo e investimento agregados seguem ainda muito deprimidos.

A inflação irá convergir para a meta de 3,5% uma vez que hoje existe brutal capacidade ociosa na indústria, no setor imobiliário, no varejo em geral e no mercado de trabalho. Nesse cenário, o Comitê de Política Monetária deve seguir com taxa Selic na casa dos 2%, podendo ir a 3% para zerar os juros reais. Estamos no momento com juros reais negativos que podem incomodar a autoridade monetária.

O atual contexto é bastante distinto de 2012, quando o BC trouxe a Selic para suas mínimas históricas e acabou contribuindo para pressionar a inflação em um contexto de demanda forte e escassez de oferta no Brasil e no mundo.

Naquele momento, o Brasil estava em pleno emprego no mercado de trabalho, em franca expansão do crédito privado e público com taxas de variação da ordem de 20% ao ano. A inflação de serviços rodava a 8% ao ano.

No momento, a economia brasileira está parada e segue com dificuldades para recuperar o patamar de PIB de 2014. Os juros extremamente baixos deram algum fôlego de retomada ao setor de construção civil via crédito, mas sem aumento consistente de emprego e renda, o movimento não será sustentado.

O câmbio mais desvalorizado está ajudando a indústria, mas, sem um vigoroso impulso de demanda, esta também não irá longe. O investimento privado segue deprimido, em mínimas de quase uma década. Diante deste contexto apesar da forte alta dos juros longos, teremos ainda um bom tempo de SELIC muito baixa no Brasil.

CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR
Graduado em Economia pela FEA/USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi professor visitante nas Universidades de Cambridge UK em 2004 e Columbia NY em 2005. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR.
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Graduado em Economia pela FEA/USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi professor visitante nas Universidades de Cambridge UK em 2004 e Columbia NY em 2005. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR.
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