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Pedro Serra: A saída da Ford do Brasil pode impactar seus investimentos?

14 jan 2021, 18:27 - atualizado em 14 jan 2021, 18:27
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“Essa cobertura alarmista da mídia pode fazer parecer que as demais montadoras que atuam no Brasil têm uma realidade parecida com a da Ford e não é bem assim”, escreve o colunista (Imagem: Divulgação/Ford)

Nesta semana, a Ford pegou todo mundo de surpresa ao anunciar o encerramento de suas atividades no Brasil e passou a ocupar as manchetes de jornais e revistas.

O interesse da mídia sobre o tema é natural, pois estamos falando de uma empresa muito tradicional e que chegou ao país há mais de 100 anos.

No entanto, quando falamos do ponto de vista dos investimentos, e mais especificamente das empresas do setor de automóveis que compõem o Ibovespa, temos que ter cuidado.

Essa cobertura alarmista da mídia pode fazer parecer que as demais montadoras que atuam no Brasil têm uma realidade parecida com a da Ford e não é bem assim.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que essa decisão não foi tomada da noite para o dia. A Ford, na verdade, passa por um plano de reestruturação global desde 2018.

Sendo assim, seria injusto colocar inteiramente na conta do “custo Brasil” a decisão da montadora, embora sejam reconhecidos os efeitos negativos do “custo Brasil” na cadeia produtiva brasileira, nos mais variados segmentos da economia.

Isto posto, faço a seguinte provocação: quanto a Ford e demais montadoras instaladas no país economizaram com a isenção de tributos e encargos concedidos pelos governos estaduais e federal, além dos juros subsidiados por bancos públicos como o BNDES?

Segundo levantamento publicado recentemente pelo jornal Folha de S. Paulo, de 2000 a 2021, somente a União disponibilizou R$ 69 bilhões em incentivos ao setor.

Em teoria, esses subsídios e renúncias fiscais devem vir acompanhados de contrapartidas por parte das empresas, como manutenção de empregos, investimentos diretos etc.

Sem dúvida, a notícia nos deixa com uma sensação de que esses benefícios todos não foram um bom negócio.

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“Em outras palavras, os investidores do setor de locação de veículos não precisam se preocupar com a saída da Ford”, afirma (Imagem: Wikimedia Commons)

E qual o impacto da saída da Ford no Ibovespa?

A relevância da Ford Brasil para o setor automotivo é indiscutível. No último dado divulgado pela Fenabrave, em dezembro, a montadora ocupava o 5º lugar no ranking de vendas totais de automóveis no Brasil em 2020, o que representa 7,06% das vendas totais de automóveis (sem contar caminhões e utilitários); posicionada à frente de empresas como Toyota, Renault, Jeep e Honda.

Com três fabricas no país e mais de 6 mil funcionários, o impacto humano certamente é inquestionável.

Todos os trabalhadores, a cadeia de fornecedores, os prestadores de serviço e as 285 concessionárias (que apesar da saída, estão protegidas por lei que prevê uma indenização nessas situações) sentirão com maior peso a saída da Ford.

Porém, ao olhar para as empresas que compõem o índice Ibovespa, a história é diferente, pois o impacto é bem limitado.

No setor de siderurgia, vamos usar a Usiminas (USIM5) como exemplo. Em números aproximados, pouco menos de 80% da receita total da companhia vem da atividade siderúrgica e 1/3 da receita de siderurgia vem das montadoras. Deste, em média, 7% vêm da Ford. Além disso, a Usiminas também exporta para a Ford Argentina.

No caso das locadoras de automóvel, podemos ter algum impacto no curto prazo, com uma oferta mais enxuta.

Porém, os dois modelos da Ford mais comuns nas frotas das locadoras, EcoSporte e Ka, possuem substitutos nas demais montadoras.

Em outras palavras, os investidores do setor de locação de veículos não precisam se preocupar com a saída da Ford.

Concorrentes deverão absorver parcela do mercado deixada pela Ford

Além disso, considerando que as montadoras estão com problemas de fornecimento de peças em sua cadeia produtiva, fato que tem contribuído para o aumento do prazo de entrega dos novos veículos, a continuidade ou o aumento do ritmo da demanda pode forçar as locadoras a reduzirem as vendas nos seminovos para que o tamanho da frota de aluguel seja condizente com a demanda.

Isso geraria um envelhecimento marginal e, consequentemente, uma depreciação maior de sua frota. Mas tudo isso seria um cenário bem pessimista.

O mais provável é que as demais montadoras assumam a parcela do mercado deixada pela Ford (pelo menos em parte, porque a Ford continuará importando da Argentina), diminuindo assim o
impacto no mercado, tendo em vista que haverá demanda, com ou sem a Ford.

A Fenabrave, por exemplo, projeta um crescimento de 15% nas vendas de automóveis no mercado interno. Sendo assim, possivelmente, tanto a Usiminas quanto as locadoras deverão contornar esse evento sem traumas relevantes.

Aliás, vale também lembrar que assim que o comunicado da Ford veio a público, as questões de competitividade foram levantadas, mas logo em seguida montadoras como GM, Toyota e Volkswagen reafirmaram os seus investimentos no país (ufa!).

Quem sabe a Mazda, única montadora entre as quinze maiores do mundo que não está presente no Brasil, não aparece por aqui?

Gerente de Research da Ativa Investimentos
Pedro Serra é gerente de Research da Ativa Investimentos e tem mais de dez anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pela Petros e Fundação Real Grandeza. É formado em Economia pela Universidade Candido Mendes, tem MBA pelo Ibmec e possui certificação CNPI.
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Pedro Serra é gerente de Research da Ativa Investimentos e tem mais de dez anos de experiência no mercado financeiro, com passagens pela Petros e Fundação Real Grandeza. É formado em Economia pela Universidade Candido Mendes, tem MBA pelo Ibmec e possui certificação CNPI.
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