Internacional

Petróleo: Venezuela de Maduro pode mesmo (ou quer) suprir o mundo, após boicote à Rússia?

08 mar 2022, 18:37 - atualizado em 09 mar 2022, 12:38
Nicolás Maduro
A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo do mundo (Imagem: REUTERS/Leonardo Fernandez Viloria)

Em sua cruzada para retaliar a Rússia por conta da invasão da Ucrânia, os Estados Unidos estão prestes a fazer o impensável alguns meses atrás: pedir ajuda à Venezuela de Nicolás Maduro, um dos maiores desafetos políticos dos americanos e considerado um ditador por grande parte do Ocidente.

Apesar dos predicados desabonadores, Maduro está sentado sobre o que se crê ser a maior reserva petrolífera do mundo, estimada pela CIA, a famosa agência americana de inteligência, em 300 bilhões de barris.

Para se ter uma ideia, os xeiques da Arábia Saudita, que entraram para o imaginário popular como os grandes barões do setor, dispõem de 266 bilhões de barris de reserva.

Assim, não restou outra alternativa ao presidente americano, Joe Biden, além de tentar uma aproximação com Maduro. Restabelecer relações com a Venezuela tornou-se ainda mais premente, depois que Biden anunciou, na tarde desta terça-feira (8), a proibição às importações de petróleo e outras fontes de energia da Rússia, como mais uma forma de pressionar o Kremlin.

A Rússia é uma das maiores produtoras e exportadoras de petróleo e gás natural do mundo, bem como a Venezuela, que tem a exportação e o refino da commodity sua principal atividade econômica. Os venezuelanos produziram, só em dezembro do ano passado, cerca de 1 milhão de barris por dia, mesmo em meio às sanções dos Estados Unidos.

O barril do Brent já ultrapassou os US$ 100 desde o início da guerra. Após o anúncio de Biden, o preço disparou 6,5%, para US$ 131,27 dólares, por volta das 14h no horário de Brasília. O mercado de petróleo teve alta de 27% desde o início de março, à medida que a invasão se intensificou.

O lado da Venezuela

Placar de votação na ONU. (Reprodução/ONU)

A Venezuela foi uma das poucas nações que não votaram a resolução que repreendeu a invasão russa e cobrou que Moscou retirasse imediatamente todas as suas forças da Ucrânia, em um movimento que visou isolar diplomaticamente a Rússia.

A resolução foi aprovada ao final de uma rara sessão de emergência da Assembleia Geral convocada pelo Conselho de Segurança da ONU no último dia 2, no momento em que forças russas bombardeavam cidades da Ucrânia.

No mesmo dia, Maduro declarou que as sanções econômicas que impostas à Rússia seriam um “crime” e uma “loucura”.

Segundo informou a Reuters, o governo venezuelano recebeu uma delegação dos EUA no sábado (5) para discutir a flexibilização das sanções petrolíferas ao país sul-americano. Um encontro do tipo não acontecia há anos.

Fontes ouvidas pela agência de notícias disseram, no entanto, que ainda não houve progresso para se chegar a um acordo e Maduro tampouco ofereceu uma data para as próximas negociações.

O chavista chegou se manifestou sobre o encontro, dizendo ter sido muito cordial. “No último sábado à noite uma delegação do governo dos Estados Unidos da América chegou à Venezuela, eu a recebi aqui no palácio presidencial (…) Tivemos uma reunião, posso descrevê-la como respeitosa, cordial, muito diplomática”.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, pondera que todo o aumento de oferta de petróleo poderia ser benéfica para a queda de preços, mas ainda é difícil entender quais podem ser os parâmetros que vão definir essa retirada ou relaxamento de sanções.

“A solução que faz mais sentido é, literalmente, os EUA retomarem os pipelines de shale oil, o petróleo de xisto, e retomar a sua produção. Ficar recorrendo a esses soluções de curto prazo não vai adiantar muita coisa”.

Amigos?

Putin
Maduro criticou as sanções que estão sendo impostas à Rússia (Imagem: Sputnik/Evgeniy Paulin/Kremlin via Reuters)

O passo dado pelos Estados Unidos também seria um movimento para tentar isolar a Rússia ainda mais, afastando-a de um dos seus maiores aliados, a Venezuela.

Paulo Feldmann, professor de Economia da FEA-USP, concorda que a entrada da Venezuela e Irã na rota do petróleo poderia, de fato, diminuir o preço do barril.

Ele pondera, no entanto, que é improvável que Maduro acate um pedido dos Estados Unidos e, consequentemente, dê as costas a sua aliança com Putin.

“Venezuela e Irã são dois dos maiores produtores de petróleo do mundo. Mas pouquíssimos países do mundo são aliados da Rússia. Um deles é a Venezuela”.

“Acho pouco provável que a Venezuela atenda um pedido de Joe Biden neste momento, porque a relação com a Rússia não é de agora. O país tem tido um grande apoio da Rússia nos últimos anos e a Venezuela precisa desse apoio, que é de várias ordens: militar, político, financeiro etc.”.

Ainda que uma flexibilização nas sanções pudesse ser benéfica para o país latino americano, Feldmann avalia que o desgaste político gerado seria grande demais, e a Venezuela não estaria disposta a enfrentar esse tipo de conflito, ainda que os Estados Unidos oferecessem, por exemplo, um preço alto pelo barril.

“É um problema sério, [o petróleo do] Irã até poderia ser uma solução, mas existe toda uma relação muito ruim com os Estados Unidos, então acho que ninguém vai cogitar. Não acho que nenhuma das saídas [Venezuela e Irã] são factíveis neste momento”.

Ele pondera, no entanto, que talvez fosse o caso de Maduro aproveitar o ensejo para tentar negociar de alguma forma o fim do boicote ao petróleo venezuelano.

Foi o ex-presidente republicano Donald Trump que apertou o cerco contra a Venezuela em 2017 e depois nivelou as sanções ao setor petrolífero em 2019. Desde então, o país depende da China, Rússia e Irã para manter o setor.

Caso as sanções sejam flexibilizadas temporariamente, a ideia provável seria redirecionar as exportações da commodity com destino à China para as refinarias da Costa do Golfo.

“O boicote que os Estados Unidos faz à Venezuela é errado, não poderia ter acontecido. Essa questão da intervenção é algo abominável, tanto a Rússia quanto os Estados Unidos são errados neste sentido”.

Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores destaca, porém, Maduro não “ganha muita coisa” se ficar só na defesa do discurso — o que também vale para Putin.

“A Venezuela está precisando de dinheiro desesperadamente, porque o embargo promovido pelos Estados Unidos causou grandes impactos na indústria petrolífera do país. Se ele [Maduro] tiver juízo, ele vai evidentemente negociar com os americanos o fornecimento de petróleo. Se prender apenas à ideologia é um tiro no pé”.

“Quem precisa de petróleo é o maior mercado do mundo. Então acho que ele não vai ficar criando caso (…) É fundamental decidir vender para os EUA para conter a sangra, os prejuízos, a penúria que a economia venezuelana vem sofrendo”, diz.

*Com informações de Estadão Conteúdo e Reuters

Editora
Jornalista paulistana formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e editora do Money Times. Passou pelas redações da CNN Brasil e TV Globo como produtora, VOCÊ S/A e VOCÊ RH como repórter e Exame.com como redatora estagiária.
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