Economia

Por que a produtividade da economia brasileira não aumentou nos últimos anos?

05 jan 2017, 11:57 - atualizado em 05 nov 2017, 14:08

Paulo Gala é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) e economista da Fator Administração de Recursos

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A resposta é simples. A grande maioria dos empregos gerados nos últimos anos foi em setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabelereiros, serviços médicos, call centers, telecom, etc…), serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões, pilotos de avião), entre outros. As comparações internacionais mostram que o grande diferencial de produtividade entre países está justamente no setor de bens transacionáveis, especialmente nos empregos industriais, longe dos chamados serviços não sofisticados. É bastante intuitivo entender que a produtividade de um garçom, de um motorista, de um piloto de avião ou de um vendedor de loja é praticamente igual na Europa, EUA, Ásia e Brasil.

O serviço prestado por um garçom, por exemplo, em NY, Sao Paulo ou Zurich e’ o mesmo. Nao importa se ele esta levando ouro, diamante ou areia para a mesa atendida, a produtividade do serviço não sofisticado garçom e’ medida por quantidade de pratos levados ate as mesas; do motorista de ônibus, táxi e avião, numero de passageiros transportados; dos lojistas do shopping center, numero de produtos vendidos por vendedor de loja, no prédio, numero de vezes que o porteiro abre o portão e no cabeleireiro gramas de cabelo removidas por pessoa por cada cabeleireiro. Tudo igual em Zurich, NY e Sao Paulo.

Até mesmo na construção civil, mesmo com auxílio de máquinas mais sofisticadas, a produtividade entre trabalhadores dos diversos países não é muito distinta. A altíssima produtividade dos países ricos ocorre então em outros setores que não esses, com destaque para os serviços sofisticados e indústria. A produtividade é em grande medida setor-específica e não trabalhador-específica. São ricos os países que cultivam seus setores de bens transacionáveis e de serviços sofisticados (EUA, Japão, Alemanha, nórdicos, sudeste asiático, etc). O boom de crédito, commodities e consumo observado no Brasil nos últimos anos estimulou justamente os setores com baixos ganhos potencias de produtividade e desestimulou os setores potencialmente ricos em economias de escala e retornos crescentes: as manufaturas.

Houve desindustrialização e reprimarização da pauta exportadora com avanço das commodities. Por isso nossa produtividade estagnou, se é que não cairá no futuro. Até mesmo os serviços sofisticados (marketing, financeiro, jurídico, consultoria, etc) estão regredindo, pois são altamente dependentes das manufaturas ou da agroindústria. O agronegócio per se também precisa se sofisticar para gerar produtividade. O processamento de commodities, o maquinário e mecanização da produção agrícola contribuem obviamente para o aumento de produtividade dos trabalhadores. Mas a geração de empregos aqui tem sido e continuará sendo muito baixa. Ou seja, de maneira resumida, o Brasil trilhou nos últimos anos um caminho de regressão tecnológica e diminuição da sofisticação de seu tecido produtivo, que acabou por resultar em importante estagnação da produtividade geral da economia. O setor de serviços como um todo passou de 60% do PIB para 70% do PIB nos últimos 10 anos.

A partir dessa perspectiva a dinâmica de produtividade de uma economia depende de sua configuração setorial. Não se trata então apenas de educar mais ou até mesmo capacitar mais os trabalhadores; se trata de estimular e desenvolver os setores corretos. O padrão de especialização produtiva de uma economia é chave para entender o processo de aumento de produtividade. Ser produtivo significa dominar tecnologias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais nos setores corretos. Produzir castanhas de caju ou chips de computador, carros ou sapatos, bananas ou computadores faz diferença. Ou seja, o processo de aumento de produtividade de uma economia não é setor-neutro (depende da composição agricultura, serviços e indústria do PIB) e depende do tipo de produto que um país é capaz de produzir.

A produtividade da economia não depende dos indivíduos, é algo sistêmico. Trabalhadores inseridos em setores tecnologicamente sofisticados serão produtivos devido às características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores.Como mostra o importante estudo da UnB, “Produtividade no Setor de Serviços” no Brasil, o setor concentra hoje 74% da força de trabalho no país e foi responsável por 83 em cada 100 novos postos formais de trabalho gerados nos últimos anos. Ou seja, junto com a destruição dos empregos industriais no país, surgiu uma ampla oferta de vagas nos setores de serviços, especialmente de baixa sofisticação, graças ao boom imobiliário e de consumo (varejo, shopping centers, etc…).

O resultado geral desse movimento somado ao pleno emprego no mercado de trabalho causou enorme aumento de salários, sem contrapartida de melhora na produtividade. O custo unitário de produção aumentou muito no país, pressionando a lucratividade da indústria, desestimulando produção e novos investimentos. Não bastasse tudo isso, o câmbio nominal (e real) se apreciou durante vários anos, agravando ainda mais nossa posição de competitividade externa. O resultado final desse processo já é conhecido por todos: grande déficit em conta corrente, queda de investimentos e estagnação do PIB. Sem o retorno da indústria brasileira não haverá recuperação da produtividade.

A forte subida de salários por aqui sem o acompanhamento do aumento de produtividade provocou importante alta dos custos relativos do trabalho. As margens de lucro caíram. O crédito e consumo acompanharam essa onda. Nos anos de 2005 a 2011 tanto investimento agregado quanto consumo agregado subiam graças a expansão de salários. O aumento de preços de commodities também ajudou, constituindo pilar fundamental do modelo CCC (crédito, commodities e consumo). Entretanto esse modelo se esgotou. Os preços das commodities estão cedendo, o crédito se expande a taxas bem menores e o consumo perdeu o vigor.

Sobraram os altos custos trabalhistas em reais e em dólares. Como resolver esse problema nos próximos anos? Dado que os salários nominais não vão cair, só existem dois caminhos: desvalorização cambial e aumento de produtividade. A desvalorização já está ocorrendo pela via de mercado. O aumento de produtividade poderá vir pelo aumento do investimento em infraestrutura e pela sofisticação tecnológica do tecido produtivo brasileiro (aumento da complexidade econômica): novos mercados e novos produtos, especialmente de natureza industrial. Num mundo ultra competitivo como o atual não será tarefa fácil. Talvez com uma onda de pesados investimentos em infraestrutura e câmbio bem mais desvalorizado seja possível. Sem esse caminho o crescimento deve ficar estagnado por aqui.

ver paper empirico de Rodrik sobre o temaConstruindo complexidadeServiços sofisticados dependem de uma estrutura produtiva complexaCusto unitário do trabalho no BrasilSobre o papel da educação no desenvolvimento econômicoQuadro do emprego industrial no BrasilO fim do Boom brasileiroa preocupante regressao tecnologica da economia brasileira

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CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR
Graduado em Economia pela FEA/USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi professor visitante nas Universidades de Cambridge UK em 2004 e Columbia NY em 2005. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR.
paulo.gala@moneytimes.com.br
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Graduado em Economia pela FEA/USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi professor visitante nas Universidades de Cambridge UK em 2004 e Columbia NY em 2005. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. CEO/Economista da Fator Administração de Recursos FAR.
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