Thinking outside the box

Por um debate ponderado, sério e técnico sobre as metas de inflação

10 fev 2023, 19:37 - atualizado em 10 fev 2023, 19:37
Lula, Americanas, Eike Batista, Lemann
“A volatilidade deve continuar até que pelo menos saibamos para onde caminhamos com o novo arcabouço fiscal, que deverá ser apresentado em abril, enquanto esperamos alguma trégua de Lula em relação às críticas”, diz o colunista (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

O mercado brasileiro voltou a ser palco de briga entre autoridades.

Agora, o presidente Lula parece bastante insatisfeito com uma realidade difícil de se lidar: a taxa de juro real da economia brasileira está bem elevada, o que inviabiliza a aguardada entrega de picanha, conforme prometido em caminha.

Infelizmente, falar grosso em entrevistas e em eventos, como o chefe de governo tem feito, pouco ajuda a reduzir essa taxa.

Aliás, muito pelo contrário, a atitude pode acabar ajudando a mantê-la elevada. Mas vamos por partes.
Afinal, qual o contexto da briga entre Lula e o presidente do Banco Central?

Veja bem, de dezembro de 2022 para cá, muitas coisas aconteceram.

As promessas de mais gastos públicos foram ganhando contornos cada vez mais elaborados, a começar com a PEC da Transição, que se trata da maior expansão fiscal desde a pandemia, em 2020, criando para um déficit neste ano – como já conversamos, nem o pacote fiscal do Haddad conseguiu animar, mesmo que busque reduzir o déficit de mais de 2% do PIB para menos de 1%.

Para piorar, várias declarações polêmicas do presidente e de ministros soaram negativamente ao longo de janeiro. O ambiente foi então contaminado por um receio do mercado de uma visão mais heterodoxa, menos mercadológica e afastada das reformas que o Brasil precisa, como as ideias que nortearam o governo Dilma ao desastre de 2015 e 2016 com a Nova Matriz Econômica.

A presença de outros nomes mais moderados no governo, como o de Simone Tebet, Marina Silva e Geraldo Alckmin, não foram o suficiente para auxiliar no processo de recomposição dos preços dos ativos.

Os bombeiros foram colocados para jogo, com a atuação de Rui Costa e Alexandre Padilha como moderadores dos ânimos, tentando apresentar um tom mais comedido.

Pouco adiantou, uma vez que o processo de perda de credibilidade foi se consolidando, deteriorando as expectativas dos agentes econômicos.

Como consequência, a curva de juros voltou a estressar e, não enxergando outra saída, o Comitê de Política Monetária (Copom) adotou um tom marginalmente mais duro na conclusão de sua reunião, apesar de manter os juros inalterados no elevado patamar de 13,75%.

A postura desagradou ao Palácio do Planalto, que começou a bradar críticas aos quatro ventos sobre postulados já estabelecidos, tais como a autonomia da autoridade monetária, o nível dos juros na atualidade e as metas de inflação.

As críticas são colocadas de uma maneira equivocada, no meu entendimento, e apresentadas fora dos mecanismos formais que o governo dispunha para indicar insatisfação da maneira correta. É um erro, portanto. Sem mais nem menos.

Em primeiro lugar, não há razão ou espaço para questionar a independência do BC. Se trata de um avanço institucional importante para o Brasil e qualquer revisionismo nesta frente seria um grande retrocesso.

Olhando para a frente, deveríamos debater como aprimorar e aprofundar a independência, nada diferente disso. Discussões política sobre o tema devem ser esquecidas, tendo em vista que é uma frente técnica relevante para a estabilidade nacional.

Pelo menos esses ataques mais parecem bravatas e retórica herdada das eleições, uma vez que não parece haver fadiga política para mudar a lei.

As próprias lideranças do Congresso, incluindo os presidentes das casas legislativas, já expressaram contentamento com a ideia de autonomia.

Sem falar que os bombeiros do governo, os quais citei anteriormente, também não mostraram disposição do governo em mudar nada. Falas ao vento, portanto.

Agora, sobre o segundo ponto colocado, de fato há um nível elevado no Brasil. Contudo, precisamos deixar claro que a manutenção do mesmo só se dá por conta, principalmente da incerteza fiscal, que desancora as expectativas de inflação.

Sabemos que a inflação distorce a alocação eficiente de recursos e reduz o crescimento ao elevar a volatilidade na economia, inibindo os investimentos. Adicionalmente, a inflação gera efeitos distributivos negativos para a sociedade, prejudicando especialmente as classes mais baixas.

Em outras palavras, a inflação descontrolada e desancorada precisa ser combatida a qualquer custo, para o bem do país no longo prazo.

Isso sem falar que taxas elevadas de inflação também podem gerar inércia e indexação, uma situação que o povo brasileiro tem muita experiência (vide histórico antes do Plano Real), aumentando o custo da desinflação, dado que leva mais tempo para você estabilizar a economia, demandando mais tempo de juros elevados.

O problema é que toda a vez que o governo reclama dos juros elevados, acaba pagando mais juros. Como muito bem afirmou Felipe Salto, ex-Secretário da Fazenda de São Paulo, o governo precisa entender que “o Banco Central é a solução e não o problema”.

Não há espaço fiscal para gastos adicionais e, me valendo das palavras de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, “o caminho para reduzir os juros não passa por desejo, mas por trabalho duro”.

Isso me faz chamar a atenção para o que é realmente importante.

Precisamos trabalhar em diferentes frentes para tentar estabilizar o orçamento público brasileiro, principalmente endereçando em 2023 o novo arcabouço fiscal. Apenas assim poderemos ancorar novamente as expectativas e possibilitar uma redução consistente da taxa de juros, conforme o governo tanto deseja.

Finalmente, em terceiro lugar, temos as metas de inflação. Talvez tenhamos aqui o único ponto com o qual eu possa concordar, considerando várias ressalvas, com algum tipo de debate saudável, contudo não da forma como foi colocado.

Além disso, não se trata de como mudá-las, como parece que o BC está disposto a fazer, mas, sim, sobre como estender o horizonte buscado.

Entendo que possa ser legítima uma conversão para uma meta mais saudável (já estamos em 3,25% ao ano, o que já seria destaque para o histórico brasileiro), mas a trajetória para isso chama a atenção.

É difícil convergir para 3% no ano que vem considerando o ambiente atual. Isto é, se nem antes conseguíamos ancorar as expectativas de inflação em 5% ao ano, porque teríamos sucesso, no mundo de hoje, em convergir para 3%. Não me parece fazer sentido.
Gostaria de pontuar três fatores sobre o tema:

O objetivo seria convergir para uma inflação semelhante à meta (ainda que implícita) dos países emergentes mais comprometidos com a estabilidade, o que resultaria em um prêmio frente aos 2% de meta informal de economias desenvolvidas, como a americana.

O problema é que, na nova realidade que vivemos, já se debate uma inflação nos EUA mais próxima de algo entre 3% e 4%. Ou seja, não me parece a melhor estratégia convergir para 3% no Brasil quando pode se tem 3% nos EUA;

Se a realidade mudou, não podemos trabalhar com as mesmas premissas. Quando começamos o debate para a convergência das metas de inflação para 3% ao ano, o mundo era diferente.

Vivíamos então com a ideia de “estagnação secular”, cujas consequências eram crescimento baixo, inflação baixa e juro baixo.

Isso mudou, sem falar nas questões geopolíticas, que prometem moldar novas cadeias de suprimentos (vetor inflacionário).

Em outras palavras, temos um novo equilíbrio macro dotado de menor produtividade, mais inflação e mais juros. Ao menos discutir metas de inflação não deveria ser algo proibitivo; e

Alternativamente, sim, é legítima a ideia de que precisamos fazer convergir a inflação brasileira à média emergente, por volta de 3% ao ano.

Contudo, se não for para mudar o objetivo, ao menos poderíamos discutir as consequências de se caminhar muito rapidamente para os 3% de inflação quando o mundo desenvolvido também enfrenta um problema de instabilidade nos preços semelhante.

Possivelmente, no ritmo atual de convergência para a trajetória desejada, jogaremos o país numa recessão bruta, com o risco de uma grave crise de crédito e efeito relacionados.

Uma discussão ponderada, séria e técnica é necessária. Todo mundo quer juros mais baixos, mas poucos estão dispostos a fazer o que é necessário para obtê-los. Por isso, acredito que seja saudável apenas discutir a ideia, mas pelos meios formais e com muitas ressalvas, completamente diferente do que temos visto no governo, que colocou a problemática da maneira mais equivocada possível.

Diante da briga entre o presidente da República e o presidente do BC, ficou difícil para que haja espaço dentro do Conselho Monetário Nacional (CMN) para um debate saudável – teremos novidades no dia 16 de fevereiro, provavelmente.

Dessa forma, do jeito que foi colocado, sou totalmente contrário ao revisionismo das metas, ainda que estenda validade do debate em termos técnicos.

Não podemos nos render ao radicalismo de algumas alas menos atualizadas do governo que desejam uma intervenção mais direta na autoridade monetária.

Seria um erro grosseiro e poderia acabar em desastre — ainda assim, não acredito que seja viável politicamente, com Arthur Lira forte na Câmara e a oposição marcando presença no Senado, inviabilizando a utilização de capital político do governo para temas polêmicos e menos prioritários.

Entendo que o governo não pode se valer da questão para fugir de suas próprias responsabilidades. Lembrem-se que a raiz do problema ainda é a política fiscal.

Declarações polêmicas apenas afetam a formação de expectativa e de nada ajudam na construção de um ambiente com custo de financiamento mais salutares. Resumidamente, vejo que a precificação dos ativos brasileiros passou a depender cada vez mais das questões políticas e macroeconômicas.

A volatilidade deve continuar até que pelo menos saibamos para onde caminhamos com o novo arcabouço fiscal, que deverá ser apresentado em abril, enquanto esperamos alguma trégua de Lula em relação às críticas que tem emitido (pelo menos parece que algo nessa linha está sendo desenhado pelas alas moderadas). Os próximos meses ainda serão recheados de ruídos.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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