Presidente decorativo

19 maio 2017, 10:34 - atualizado em 05 nov 2017, 14:03

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Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.

O susto dos mercados domésticos logo na abertura do pregão de ontem – que levou ao acionamento do dispositivo que interrompe as negociações (circuit breaker) em meio à oscilação máxima permitida – foi só o começo do reflexo das incertezas políticas nos negócios locais na sequência dos eventos envolvendo a JBS. A resistência do presidente Michel Temer em seguir no cargo, prolongado as dúvidas em relação ao futuro do país, tende a manter o estresse nos ativos brasileiros hoje, sem arriscar uma recuperação.

Como sobreviver à crise sem renunciar aos seus investimentos?

A questão é que, por mais que, à primeira impressão, o diálogo não cause exatamente o impacto esperado, o estrago já foi feito e a governabilidade de Temer, bem como sua articulação política, foram colocadas à prova. Portanto, se a conversa é apontada como inconclusiva, o efeito do escândalo já está fora de controle, seja na base aliada, seja nas ruas, com a oposição ou ainda no lado econômico.

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Não se trata mais da queda de um presidente, mas da dificuldade em avançar com as reformas estruturais, que seria a grande realização desse governo de transição, dando caminho ao candidato que assumiria o país no ano que vem por mais quatro ou, quiçá, oito anos. A agenda das medidas para mudar as leis trabalhistas e as regras da aposentadoria já não cabem mais e vai ser preciso passar essa crise para que a pauta volte ao Congresso.  

Com os investidores vivendo um dia após o outro, as especulações, conjecturas e apostas ainda pairam no ar. Ao não renunciar, Temer fez do Brasil um nação com um governo que não governa e um Parlamento que não legisla. Nesse caso, a regra é reduzir o risco, desovando posições no real, nas ações e nos contratos de juros futuros (DIs).

Assim, a Bovespa, que caminhava em busca dos 70 mil pontos e ontem ainda permaneceu no nível dos 60 mil pontos, com uma queda ao redor de 9%, na mínima desde janeiro, pode ficar estagnada nessa marca psicológica, em uma zona de indefinição. O dólar, por sua vez, respeitou a faixa de R$ 3,40 na véspera e vai depender de muito munição do Banco Central para não ultrapassar esse patamar hoje.

Ontem, a autoridade monetária fez uma oferta adicional de contratos no mercado futuro para conter a volatilidade da moeda norte-americana. Ainda assim, o dólar fechou no maior nível desde dezembro de 2016 e na maior alta desde janeiro de 1999, quando foi liberada a banda e o regime cambial no Brasil passou a ser de livre flutuação.

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O Tesouro também anunciou novos leilões de compra e venda de títulos para hoje e para os próximos dias, mas as taxas tendem a avançar ao novo limite de alta do dia, recompondo boa parte dos prêmios retirados recentemente. Os investidores, que chegaram a apostar 70% de chance de queda maior da taxa básica de juros neste mês, anularam ontem essa possibilidade, com o placar ficando dividido entre 80% de chance de redução de apenas 0,50 ponto e o restante em uma dose ainda mais tímida, de 0,25.

Essas movimentos nos mercados domésticos refletem a sensação de que tudo o que está ruim pode piorar mais. Ainda mais após a quebra do sigilo da delação dos empresários, com a revelação dos áudios e imagens do material coletado pelos irmãos Batista.

Na gravação feita por Joesley, o presidente Michel Temer incentiva o empresário a manter um bom relacionamento com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, mesmo após a prisão do deputado cassado. Na passagem da célebre frase, Batista afirma que a forma que encontrou para se defender das citações envolvendo irregularidades na JBS é ficar “bem com o Eduardo”. Temer, então, diz: “Tem que manter isso, viu?”. E Joesley continua: “Todo mês. Também. Estou segurando as pontas, estou indo”.

O áudio mostra ainda que o presidente sabia que o grupo J&F havia infiltrado um procurador da República nas investigações da força-tarefa da Operação Lava Jato para atuar em favor das empresas controladas. Em um momento da conversa, Joesley afirma que está “segurando” dois juízes responsáveis por um processo do qual é alvo. “Eu consegui colar um no grupo. Agora eu tô tentando trocar…”, disse o empresário.

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A gravação divulgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) também foi entregue a Temer. Ontem à tarde, em pronunciamento ainda antes de conhecer o conteúdo do material coletado pela Polícia Federal (PF) o presidente disse “saber da correção dos atos” cometidos por ele e, à noite, garantiu que “vai sair dessa mais rápido do que se pensa”, mostrando que não tem “nenhum envolvimento com tais fatos”.

Mas não é bem assim. Os áudios gravados por Joesley Batista revelam que o presidente Temer ouviu, sem fazer objeção nem depois reportar aos órgãos competentes, um relato de um empresário – dono de um grupo que foi alvo de cinco operações da PF em menos de um ano – com detalhes sobre mecanismos usados para obstruir a Justiça.

Temer também escutou, sem repreender o interlocutor, declaração sobre pagamentos ilegais a Cunha. Se não foi exatamente um aval, ao dizer que “tem que manter isso”, o presidente estava, ao menos, estimulando Joesley a uma prática ilegal. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o conselho dá “anuência” ao pagamento de propina ao deputado preso.

Essa ideia, então, de que se criou “muito barulho” precisa ser combinada com as ruas, a oposição e até os aliados, que podem não se mostrar tão dispostos em seguir a orientação do presidente de “ir para o enfrentamento”. A classe política pode ocupar-se mais dos inevitáveis processos que serão abertos para que Temer continue governando como um presidente decorativo, já que a legitimidade do governo ficou em xeque.

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Nas ruas, o coro pedindo a saída de Temer do cargo ganha corpo. O ato ontem na Avenida Paulista pela renúncia e pela convocação de eleições diretas foi maior que o do dia anterior. Outras capitais, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Goiânia e Recife também registraram protestos.

Na capital federal, já foram protocolados oito pedidos de impeachment do presidente, mas a tendência é de que Rodrigo Maia não aceite nenhum, o que pode ameaçar a sua permanência na Presidência da Câmara. Na classe empresarial, executivos avaliam que o Brasil precisa agir rápido para que a tendência de recuperação não seja revertida pela nova crise política. Porém, uma solução ágil não é necessariamente a melhor.

Até semana passada, o Brasil estava indo pelo caminho certo, tinha um projeto de governo. Nesta véspera do fim de semana, porém, a história mudou, o que tende a redobrar a cautela, com os negócios locais ainda assimilando o choque de ontem. Lá fora, o movimento dos mercados em busca de uma estabilização também prevalece.

Os investidores elevam a postura defensiva ao final de um noticiário político turbulento também em Washington. Os índices futuros das bolsas de Nova York estão na linha d’água, mas com um ligeiro viés positivo, o que anima uma abertura das praças europeias no azul. Na Ásia, a sessão termina com ganhos laterais.

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O dólar perde terreno ante as moedas rivais e de países emergentes, o que embala o petróleo. A moeda norte-americana ainda reflete os movimentos controversos do presidente dos Estados Unidos Donald Trump nas relações com a Rússia e com o FBI.

A troca de informações secretadas com autoridades russas e o pedido feito ao ex-diretor James Comey para interromper investigações ameaçam a agenda pró-crescimento de Trump no Congresso, levantando dúvidas quanto às propostas de corte de impostos e aumento dos gastos em infraestrutura. Assim, tanto Wall Street quanto São Paulo ficaram mais sensíveis ao noticiário político.

Os fatos recentes elevaram a preocupação quanto à recuperação econômica, nos EUA e no Brasil, em meio ao processo de flexibilização das taxas de juros – para cima, lá fora, e para baixo, aqui. Nesse ambiente, é muito cedo para dizer que tais fatos preenchem apenas um dia de negócios, pois a situação política ainda tem potencial para alterar as avaliações de risco entre os investidores.

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Editora-chefe
Olívia Bulla é editora-chefe do Money Times, jornalista especializada em Economia e Mercado Financeiro, com mais de 15 anos de experiência. Tem passagem pelos principais veículos nacionais de cobertura de notícias em tempo real, como Agência Estado e Valor Econômico. Mestre em Comunicação e doutoranda em Economia Política Mundial, com fluência em inglês, espanhol e conhecimento avançado em mandarim.
olivia.bulla@moneytimes.com.br
Olívia Bulla é editora-chefe do Money Times, jornalista especializada em Economia e Mercado Financeiro, com mais de 15 anos de experiência. Tem passagem pelos principais veículos nacionais de cobertura de notícias em tempo real, como Agência Estado e Valor Econômico. Mestre em Comunicação e doutoranda em Economia Política Mundial, com fluência em inglês, espanhol e conhecimento avançado em mandarim.
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