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Quando a parceria público-privada funciona para as universidades: o caso do Porto Digital

26 jul 2020, 13:00 - atualizado em 26 jul 2020, 13:00
Educação
Já em 2019, o congelamento de recursos defendido pelo MEC levou uma série de manifestantes para as ruas, sendo a maioria deles estudantes preocupados com o modo o qual essas medidas afetariam as universidades federais (Imagem: Marcello Casal jr/Agência Brasil)

Em 2016 foi criada a PEC 241, ou “teto de gastos”, pelo governo Temer, a qual objetivava uma melhora na responsabilidade fiscal.

Para muitos críticos, porém, essa proposta de emenda constitucional iria prejudicar o desenvolvimento de políticas públicas, como as ligadas à educação.

Já em 2019, o congelamento de recursos defendido pelo MEC levou uma série de manifestantes para as ruas, sendo a maioria deles estudantes preocupados com o modo o qual essas medidas afetariam as universidades federais.

Esses fatos foram relevantes para reacender um debate que, distanciando-se de questões político-ideológicas, é importante para pensar o futuro da educação do Brasil: a capacidade de sobrevivência das universidades públicas e seu papel para além da pura produção acadêmica. Logo, para analisar a possibilidade de parcerias com a iniciativa privada, podemos estudar o caso do Porto Digital na cidade do Recife.

O Porto Digital é um parque tecnológico urbano criado no ano de 2000, mas sua existência só foi possível graças a mudanças de políticas públicas no final do século XX que incentivaram a indústria de softwares e criação desse tipo de cluster. Uma dessas medidas foi o pacto 21, o qual é antecessor desse projeto.

Ele surge em um momento no qual a economia de Pernambuco perde relevância na conjuntura brasileira, caindo sua participação no PIB regional de 24,6% em 1970, para 17% em 1995.

Esse cenário de desaceleração econômica gerou, mesmo com a instauração das já citadas políticas, o fechamento de empresas de software na cidade do Recife e um aumento na fuga de cérebros.

A criação desse parque, portanto, foi uma iniciativa de interesse do Governo, o qual aportou nele cerca de 30 milhões.

Entretanto, como o dinamismo e a inovação que o setor de tecnologia necessita eram conflitantes com a burocracia do Estado, a gestão dele não poderia ser governamental.

Logo, foi criado o “Núcleo de Gestão do Porto Digital”, uma associação Social civil, privada e sem fins lucrativos, através do Decreto Estadual nº 23.212/2001 e que ficou responsável pela sua gerência.

Vale ressaltar, então, que a sua criação desde o berço foi um esforço conjunto da Secretaria de Ciências e Tecnologia do Estado, da iniciativa privada de empresas do ramo de software que se instalariam no cluster e da Universidade Federal de Pernambuco, principalmente através do Centro de Informática (CIn). Este último que foi o seu  maior idealizador.

O projeto funciona então como um “triângulo de Sábato”, teoria defendida por Jorge Sábato sobre o desenvolvimento da indústria de tecnologia na América Latina.

Segundo ele, os três pilares, ou vértices, para o sucesso desse tipo de iniciativa seriam o governo; a estrutura produtiva (empresas); e a infraestrutura científica e tecnológica (academia e instituições de pesquisa).

Entretanto, aqui vamos levar em consideração somente a relação empresas-universidades, por dois motivos: primeiramente, o fato da participação do governo ser mínima na gerência do Porto é um dos principais fatores do seu sucesso, de acordo com o consultor do projeto e ex-secretário de ciência e tecnologia do estado de Pernambuco, Cláudio Marinho.

Além disso, tem-se que incluindo o Governo na discussão surgem outros debates que não são interessantes no momento em que o enfoque do artigo é entender os benefícios que a universidade pode levar às empresas e vice-versa, como a questão de isenções fiscais.

Saúde Ciência
Segundo Jorge Sábato, os três pilares, ou vértices, para o sucesso desse tipo de iniciativa seriam o governo; a estrutura produtiva (empresas); e a infraestrutura científica e tecnológica (academia e instituições de pesquisa) (Imagem: REUTERS/Axel Schmidt)

Assim, podemos dizer que o sucesso do Porto Digital foi notório e em 2012 ele faturou 1 bilhão pela primeira vez. Já em 2013 expandiu seu projeto para englobar a economia criativa, através do Portomídia.

Entre 2012 e 2014 criou estruturas de suporte para startups através do Jump Brasil, na qual a atuação da UFPE aumentou, promovendo medidas de inovação e empreendedorismo junto às novas empresas.

Também em 2014 começou um processo de expansão para cidades de médio porte no interior do estado, por meio dos armazéns de criatividade. Além disso, em 2016, o faturamento chegou à casa dos 1,5 Bilhões.

Tal parceria deu tão certo, que o reconhecimento do Porto Digital foi vasto. Em 2007, 2011 e 2015 foi eleito o melhor parque tecnológico de inovação do Brasil pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec).

Em 2008 o projeto foi reconhecido como referência global pela International Association of Science Parks and Areas of Innovation (IASP), ao lado de clusters como o de Manchester no Reino Unido.

Além disso, em 2016 empregava nove mil pessoas através de suas 304 empresas sediadas. Ainda de acordo com o IASP, somente 15% desse tipo de parque ao redor do mundo empregavam mais de três mil pessoas.

Outro interessante impacto do Porto é referente à sua localização. Ele está instalado no centro histórico e comercial do Recife que, à primeira vista, é uma escolha não fazia sentido econômico.

Isso porque, para empresas de software, proximidade com os centros de demanda muitas vezes é irrelevante, já que a comercialização é predominantemente digital.

Quanto aos insumos, a variação no preço de transporte deles é mínima caso o Porto fosse sediado em outra região, como dentro do campus da UFPE, por exemplo.

Além disso, uma cidade forma uma zona integrada de mão de obra, portanto não há razão para que os salários variem de um bairro para outro, quando analisados os mesmos trabalhos.

Na verdade, a escolha do centro poderia até trazer malefícios para o projeto, através de externalidades negativas, como o intenso trânsito para chegar ao local nos horários de pico.

Porém, o que aconteceu com a instalação dele no Bairro do Recife foi benéfico para toda a cidade. Essa região, que nos anos 90 sofria com a desvalorização e abandono social, começou a ser revitalizada com a chegada dessa iniciativa (que inclusive funciona em prédios históricos).

Tal mudança no que hoje é o maior centro cultural da cidade continuou nos anos seguintes, em parte pela presença do Porto Digital, em parte por outras políticas públicas.

Evidência dessa transformação é que o metro quadrado no bairro sofreu uma valorização de 189,76% entre 2001 e 2017, segundo a pesquisa Fernandes e Lacerda publicada no XVIII ENANPUR.

Em suma, é impossível dizer que o impacto desse projeto não foi relevante para o estado de Pernambuco, tanto pelo lado econômico, quanto pelo social e urbanístico.

Além disso, é inegável o papel de protagonista que a UFPE teve na iniciativa, possibilitando desde a criação do projeto ao fornecimento de mão de obra qualificada para a indústria de software, a mais relevante dentro do Porto Digital.

Isso ficou constatado em uma pesquisa interna feita pela Datamétrica, a qual revelou que 2,3 é o número médio de professores universitários no quadro de sócios das empresas do cluster, além de 39% destas concordarem que o ambiente universitário foi fundamental para alavancar o início do seu negócio.

Portanto, em um momento que a educação brasileira clama por iniciativas que possam ajudá-la, vale a pena procurar exemplos, como esse, que não só deram certo, como também geraram grande impacto no seu meio.

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terraco.economico@moneytimes.com.br
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