Reformas, mudanças estruturais e demográficas podem explicar resiliência do emprego

Por falta de uma justificativa clara para a resiliência do mercado de trabalho no Brasil mesmo com uma taxa de juros restritiva, analistas consultados pelo Estadão/Broadcast apontam mudanças estruturais, fim do bônus demográfico e efeitos das reformas trabalhista e previdenciária como possíveis explicações.
O economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, afirma que a força no emprego vem, na verdade, de apenas alguns setores, enquanto os demais já começam a sentir a desaceleração da economia.
Segundo ele, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o emprego ligado ao setor de saúde cresceu em todos os anos no pós-pandemia. O mesmo ocorre em atividades ligadas à Tecnologia da Informação (TI) e entre motociclistas por aplicativos de entrega.
“Quando separamos saúde, entregador de moto e emprego no setor de TI, os outros tipos já estão mostrando desaceleração no crescimento. Contudo, mesmo sem o crescimento dessas vagas, a taxa de desemprego no Brasil ainda estaria baixa, próxima de 8%”, ressalta o economista, acrescentando que ela deve permanecer nesse patamar. “Esse governo deve terminar com desemprego na casa dos 7%, abaixo de 7,5%”, prevê.
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A diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, Solange Srour, destaca que a pandemia provocou queda acentuada na taxa de participação — a parcela da população ativa que trabalha ou procura emprego. O efeito se dissipou com a recuperação econômica, mas ainda há resistência de parte da população em retornar ao mercado de trabalho, o que limita a oferta de mão de obra.
“Desde o segundo semestre de 2020, a forte elevação das transferências de renda — tanto em volume quanto em valor real — passou a exercer pressão baixista sobre a participação”, diz Solange. Ela acrescenta que a relação entre o benefício médio e o salário mínimo se intensificou desde o fim da pandemia, reduzindo o incentivo econômico à busca imediata por emprego, especialmente entre pessoas de menor renda e qualificação.
Para Mansueto, há dúvidas sobre a abrangência desse efeito. Ele menciona um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que aponta que o crescimento dos programas sociais teve impacto, mas limitado, sobre a redução da oferta de trabalho de um grupo específico: mulheres em famílias com crianças pequenas.
“A mãe, como recebe um programa social, acaba ficando em casa para cuidar dos filhos, o que não é necessariamente ruim. O estudo do FMI mostra que talvez o efeito não tenha sido tão grande”, acrescenta.
As dúvidas também se estendem à interpretação dos dados de emprego. O economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, observa que há questões sobre a classificação das atividades informais na Pnad Contínua. “É difícil fazer uma análise clara dessas categorias, mas vemos que elas ganharam espaço no conjunto, com crescimento muito forte nos últimos anos”, pondera.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse em evento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em 11 de agosto, que enfrenta dificuldades para explicar a outros banqueiros centrais a resiliência do emprego no Brasil.
Segundo ele, a renda do trabalhador autônomo cresce historicamente mais que a renda formal, possivelmente ligada a regras de reajustes e indexação do mercado de trabalho. “Como a economia cresceu acima do projetado, vemos a população com desejo de trabalhar nessa modalidade [informal]”, diagnosticou.
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Mudança demográfica
Na avaliação do head de macroeconomia da Kínitro Capital, João Savignon, parte do baixo desemprego atual se deve não apenas à criação de vagas, mas também à menor pressão de pessoas procurando trabalho. “A taxa de participação caiu significativamente na pandemia e, embora tenha se recuperado, ainda está abaixo do nível pré-pandemia”, disse.
“A queda na taxa de participação pós-pandemia é um fenômeno complexo, estudado pelo BC, FGV e Ipea, envolvendo fatores cíclicos, estruturais (demografia) e de políticas públicas, como programas de transferência de renda”, observou Savignon.
Segundo Margato, a mudança no perfil do trabalhador reflete projeções do IBGE para as próximas décadas: desaceleração do número de nascimentos e envelhecimento da população. Ele destaca que a idade média do trabalhador, que era cerca de 25 anos há algumas décadas, agora se aproxima dos 40 anos.
Reformas
Para Solange Srour, do UBS Global Wealth Management, “reformas estruturais, como a trabalhista de 2017 — que flexibilizou contratações e ampliou a formalização — e a previdenciária de 2019 — que incentivou a permanência de trabalhadores mais experientes na ativa —, contribuíram para reduzir o desemprego estrutural”.
Andrea Damico, sócia e economista da Buysidebrazil, considera que a reforma trabalhista tornou o mercado mais dinâmico. “Isso pode ter colaborado para essa resiliência estrutural. Outro ponto é um efeito global pós-pandemia: o trabalho híbrido aumentou a produtividade e também impulsionou uma espécie de ‘explosão’ salarial”, avalia.
O economista Bruno Imaizumi, da 4intelligence, cita efeitos da reforma trabalhista de 2017, mudanças demográficas e tecnológicas em curso no Brasil como fatores que ajudam a manter o desemprego baixo. “Todos esses fatores contribuem para uma taxa de desemprego menor, e parte deles não entra no cálculo do hiato do produto ou da Nairu [taxa de desemprego neutra]”, observa.
Mansueto destaca que a referência para a Nairu pode ter mudado. “Talvez essa taxa natural de desemprego hoje seja menor. A mudança de composição em setores intensivos em mão de obra, como entregas de comida por motociclistas, aumentou bastante pós-pandemia.”