Regulamentação da lei de bioinsumos: O que esperar?

Em 2024, foi sancionada a Lei Federal nº15.070, estabelecendo as regras para produção e comercialização de bioinsumos no Brasil.
Os bioinsumos têm potencial enorme de aumentar a sustentabilidade no campo, diminuindo a dependência de defensivos químicos. Consequentemente, até diminuindo as emissões de gases de efeito estufa de defensivos nitrogenados.
Porém, apesar de positiva, a lei precisa de regulamentação infralegal, inclusive alguns de seus dispositivos hoje sofrem de insegurança jurídica.
Produção on farm
A lei prevê a produção on farm de bioinsumos, ou seja, a produção para uso próprio dentro das fazendas (sem caráter comercial). Para isso, o produtor deverá ser cadastrado e seguir um manual de boas práticas, não há exigência de registro. No entanto, até o momento a lei não explica como esse cadastro simplificado será efetuado e validado. A lei também permite que o cadastro seja dispensado a critério do órgão federal.
A lei aloca a fiscalização da produção on farm para os estados (tendo como base o cadastro simplificado em nível federal, sem o processo de validação evidente ou até dispensado). Isso pode comprometer capacidade de atestar segurança e eficácia do produto, dependendo somente de informações autodeclaratórias.
A figura do cadastro simplificado sem verificação, não configuraria ato administrativo completo – o instrumento do cadastro, sem a validação dos dados se baseia somente na presunção de veracidade do agente, deixando a fiscalização das atividades impossível.
A fiscalização por parte dos estados também pode apresentar problemas, uma vez que não necessariamente estarão preparados para este tipo de infraestrutura administrativa (know-how e pessoal).
Por consequência, a ausência de validação dos cadastros e fiscalização comprometerá a aplicação das punições presentes no próprio texto da lei. Nesse sentido, a regulamentação infralegal da Lei Federal nº15.070/2024 será essencial para detalhar tais lacunas.
Direito Comparado
Analisando normas internacionais sobre os bioinsumos, alguns padrões são identificados. Nenhum país tem uma lei específica para bioinsumos como ocorre no Brasil. Esta tecnologia ou é tratada como os demais defensivo agrícolas químicos, ou está dentro do escopo das normas de agricultura e produção orgânica.
Na União Europeia, a regulação do uso de bioinsumos on farm faz parte da norma de orgânicos. O Regulamento 2018/848 dispõe que os produtos orgânicos podem ser feitos com biodefensivos e biofertilizantes, não precisando de registro, porém exige documentação do produto vendido, como tipo de insumo utilizado, descrição da sua natureza, quantidade e rastreabilidade dos insumos acessados (e.g., artigo 34 e Anexo II, 1.9).
Esses requisitos são reproduzidos nas legislações dos países do bloco, principalmente Alemanha e Áustria, onde há grande incentivo para a produção de orgânicos. Nesses países há iniciativas privadas para auxílio e transferência de conhecimento de produção on farm e existe controle no escopo regulatório para sua produção orgânica.
Em suma, a produção on farm na maioria desses países não se exige registro, como no Brasil, havendo diferenciação da produção on farm da comercial. Entretanto, o uso de bioinsumos faz parte de produção de orgânicos, essa, sim, com certificação e uso de documentos e de fiscalização – não há somente manual de boas práticas, sem documentação e monitoramento estatal, como presente na lei brasileira hoje.
O Brasil precisa regulamentar sua lei, esclarecendo o cadastro simplificado de produtores de bioinsumos on farm, a validação dos dados e monitoramento por parte do poder público. No caso dos estados, qual infraestrutura de governança será adotada por cada órgão de agricultura estadual. Sem isso, teremos uma lei sem controle que ateste segurança e eficácia da produção on farm.
Essa lacuna pode levantar questionamentos sanitários no contexto internacional, já que outros países fazem monitoramento/controle e, em tempos de protecionismo, qualquer motivo poder ser utilizado para barreiras.
Dúvidas sobre produção comercial de bioinsumos
Para o registro do bioinsumo de uso comercial a lei prevê aprovação perante Ministério da Agricultura (MAPA), com os ministérios da Saúde (i.e., ANVISA) e Meio Ambiente (MMA) somente em caráter consultivo. Esta estrutura de governança já ocorre nova lei de agrotóxicos (Lei Federal nº14.785/2023).
Deve-se destacar que o fim da competência tripartite (i.e., registro efetuado de forma conjunta MAPA, MMA e ANVISA) é um dos principais argumentos acerca da constitucionalidade da lei dos agrotóxicos, já em trâmite no Supremo Tribunal Federal, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7701.
Os autores da ação (e.g., PSOL, Rede e PT) argumentam que a falta da autoridade do MMA e Ministério da Saúde na realização do registro de novos produtos, dificulta a verificação da segurança do agrotóxico para a saúde humana e o meio ambiente. Também, afirmam que a lei de defensivos revogada (Lei Federal nº7.802/1989) continha a competência tripartite, portanto havendo suposta diminuição de segurança no processo de aprovação de produtos novos.
A despeito dos bioinsumos não serem tratados como agrotóxico pela lei nova, o fato do registro para uso comercial compartilhar desse mesmo dispositivo da lei de agrotóxicos, poderia levantar o questionamento jurídico que já ocorre no STF com a ADI 7701?
A regulamentação deve deixar evidente que as prerrogativas do MMA e da ANVISA, mesmo que consultivas, possam aprovar, em conjunto com o MAPA, produtos seguros para meio ambiente e para saúde humana, em especial dos bioinsumos microbiológicos de ação sistêmica. Uma possível judicialização da lei só irá atrasar a implementação de uma tecnologia, que a princípio pode ser benéfica para o país.
Ponto de atenção
O Brasil ao permitir produção on farm de bioinsumos por meio de um cadastro, sem validação e controle claros, pode ter questionamentos sanitários e jurídicos. Também, o manual de boas práticas deve orientar produtores de como produzir um bioinsumo funcional, o que exige infraestrutura e investimento.
Caso contrário, produtores podem ter despesas desnecessárias e até prejudicar safras, se o produto desenvolvido não funcionar. O produtor deve ter consciência total do trabalho e custos a serem dispendidos para conseguir bioinsumos de qualidade.
Importante esclarecer que esses pontos a serem feitos na regulamentação infralegal em nenhum momento confrontam o texto legal aprovado. A Lei Federal nº15.070/2024 já estabeleceu o instrumento do cadastro on farm, menciona fiscalização das atividades e lista punições no caso de não cumprimento. Assim, nada mais adequado que detalhar como essas diretivas da lei serão realizadas
É essencial que a regulamentação dessa lei, a ser feita em 2025/2026, não só garanta segurança jurídica, mas também verifique de forma inquestionável bioinsumos apropriados para saúde humana e meio ambiente, evitando que uma agenda potencialmente positiva se torne negativa para o país.