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Reino Unido global de Johnson colide com realidade mundial

22 jul 2020, 14:54 - atualizado em 22 jul 2020, 14:54
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“O Reino Unido encontrará um mundo que é cada vez mais governado pelo mercantilismo e pelo poder”, disse Rob Davies, que foi ministro do Comércio e Indústria da África do Sul (Imagem: unsplash/@callmefred)

No início de fevereiro, logo após deixar a União Europeia e antes do Reino Unido ser tragado pelo coronavírus, o primeiro-ministro Boris Johnson declarou que o país estava pronto para deixar sua marca no mundo novamente.

O Reino Unido embarcava em uma “grande viagem” para defender o livre comércio, disse em discurso em Londres. Embora não desejasse exagerar a influência britânica, alertou contra subestimar “a ânsia de nossos amigos ao redor do mundo em ouvir mais uma vez nossa voz independente”.

Apenas seis meses depois, o livre comércio é vítima de protecionismo, enquanto a Covid-19 destrói economias e intensifica rivalidades geopolíticas.

O governo troca farpas com a China sobre Hong Kong e com a Rússia sobre suposta interferência nas eleições, enquanto confronta a UE sobre os termos de seus futuros laços.

Em um mundo que virou de cabeça para baixo, outras potências acreditam que o Reino Unido perdeu influência, sem a adesão à UE e agora economicamente vulnerável, de acordo com entrevistas com autoridades políticas do passado e do presente, entre aliados e rivais.

Da Índia ao Canadá, da Europa à China, a imagem fornecida é de ceticismo sobre a tentativa do Reino Unido de forjar uma política externa que é ao mesmo tempo uma projeção do país hoje e um reflexo de seu passado imperial.

O perigo é que o governo de Londres tenha uma visão inflada do que chama de Reino Unido Global, quando para o resto do mundo é apenas mais um país.

“O Reino Unido encontrará um mundo que é cada vez mais governado pelo mercantilismo e pelo poder”, disse Rob Davies, que foi ministro do Comércio e Indústria da África do Sul por uma década até sua aposentadoria em maio de 2019. “Não tenho certeza de que será uma viagem tão fácil.”

A era Covid já parece assustadora. O Reino Unido registrou taxa de mortalidade desproporcionalmente alta pelo vírus e enfrenta a recessão mais profunda em pelo menos um século.

No entanto, apesar de todas as falhas relacionadas à pandemia de coronavírus, é possível afirmar que o Reino Unido tem sido mais assertivo em suas posições de política externa nos últimos seis meses do que nos últimos seis anos.

Em Hong Kong, ofereceu um caminho para a cidadania para 3 milhões de residentes, enquanto a proibição da Huawei em suas redes 5G – mesmo que tenha sido motivada pela pressão dos EUA – desafia países europeus a seguirem o exemplo.

O Reino Unido liderou a acusação contra a Rússia sobre a invasão de hackers em pesquisas de possíveis vacinas para o vírus e é contra permitir que Vladimir Putin seja readmitido no Grupo dos Sete, como sugerido pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

A Índia, como um mercado de língua inglesa de 1,3 bilhão de pessoas, está interessada em fazer negócio com o Reino Unido, que vê positivamente em contraste com a postura de “pregação” moralizadora e “altamente burocrática e protecionista” da UE, disse Swapan Dasgupta, membro do Bharatiya Janata Party, partido do primeiro-ministro Narendra Modi.

“A Grã-Bretanha será fraca e vulnerável em muitos aspectos”, disse Dasgupta. “A vulnerabilidade deles pós-Brexit é precisamente a razão pela qual a Índia tem uma oportunidade de fortalecer os laços com a Grã-Bretanha. Especialmente com receios sobre a China, essa pode ser uma grande oportunidade para a Índia.”