Economia

Renato Meirelles: “A escolha eleitoral não é muito diferente do que poderia ser a escolha de um CEO”

05 fev 2022, 10:00 - atualizado em 04 fev 2022, 18:36
Favela de Paraisópolis
(Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Com a chegada da pandemia da Covid-19, muitos dos problemas já presentes no cotidiano da classe trabalhadora no Brasil se tornaram ainda maiores. Desemprego, inflação e a falta de oportunidades foram somente algumas das mazelas que se agravaram nos últimos dois anos.

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Dados da PNAD Contínua divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o país tinha 12,4 milhões de desempregados até novembro de 2021. Além disso, o rendimento real habitual (R$ 2.444) da população caiu 4,5% frente ao trimestre anterior, encerrado em agosto. Foi o menor da série histórica, iniciada em 2012.

Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) teve uma variação acumulada de 10,06% ao longo de 2021, atingindo dois dígitos pela primeira vez desde 2015.

Em entrevista ao Money Times, Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, afirmou que o brasileiro médio está mais interessado na sua cesta de compras no mercado do que em indicadores macroeconômicos anunciados pelo governo.

O Instituto realiza diversas pesquisas de mercado que contemplam, dentre outras coisas, o comportamento econômico e social dos brasileiros.

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Segundo Meirelles, as mais recentes pesquisas apontam que a descrença nas instituições e a falta de oportunidades tornaram o trabalhador mais cético com relação a políticas sociais e adepto do uso de novas tecnologias para complementar sua renda.

Quando questionado sobre as eleições de 2022, Meirelles diz acreditar que o mercado financeiro terá dificuldade para entender o voto do cidadão comum caso não encare a corrida eleitoral com pragmatismo e com um olhar sensível para questões socioeconômicas, que se acentuaram por conta da pandemia.

Veja a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Money Times.

MT: A baixa capacidade produtiva é apontada como um dos principais problemas no mercado de trabalho do Brasil. Como isso afeta as classes de média e baixa renda?

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Meirelles: Essa dificuldade de alçar trabalhos mais qualificados tem a ver com um problema de formação. E é algo muito mais presente na baixa renda.

Nós precisamos ampliar o investimento em educação para melhorar a qualificação profissional dessas pessoas. Ter um investimento em curso técnico e especializações de uma forma muito mais forte do que o que nós temos hoje, ter um trabalho grande de imersão em novas tecnologias.

As pessoas mais velhas provavelmente começaram suas carreiras em profissões que nem existem mais. Se, antes, o inglês era um diferencial, hoje, é saber codificar.

Exatamente por isso que, em momentos de crise econômica, como o que nós vivemos, a última linha de corte de orçamento tem que ser o investimento na educação. E o que nós vemos é que muitos especialistas e empresários reclamam da produtividade, mas são os que mais defendem o corte de verbas na educação para equilibrar as contas.

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MT: E o que mudou para essa parte da população com a chegada da pandemia?

Meirelles: A pandemia jogou luz para uma desigualdade que sempre existiu no país, que acabou ganhando contornos trágicos. Uma das primeiras fake news que as nossas pesquisas desmontaram durante a pandemia foi de que [o coronavírus] era um vírus democrático, um vírus que atingia da mesma forma pobres e ricos.

O coronavírus pode até matar pobres e ricos da mesma forma, mas os anticorpos sociais de um país desigual como o nosso são muito diferentes.

Temos uma realidade nas favelas de que 46% dos lares não têm água encanada. Nós tínhamos 5,4 milhões pessoas das classes D e E que eram elegíveis ao auxílio emergencial e não tinham nem conta em banco nem acesso à internet.

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A pandemia trouxe uma aceleração nos processos de digitalização para geração de renda. O Brasil ganhou no último ano 11 milhões e 700 mil pessoas que passaram a receber renda por aplicativo, a maioria das classes C, D e E.

Dessas pessoas, dois terços recebem metade ou mais da sua renda através do aplicativo. Era a boleira que passou a vender pelo iFood, um cara que confecciona camiseta que criou uma loja no Mercado Livre, um faz tudo que passou a ter muito mais clientes quando se cadastrou no GetNinjas, etc.

Esse acesso às novas tecnologias geraram uma nova economia e um novo processo de geração de renda para essa camada mais pobre que, no passado, mais perdeu renda.

MT: Você acredita que a iniciativa privada e o terceiro setor também são capazes de cooperar para tentar mitigar esses problemas?

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Meirelles: A pandemia mostrou força do terceiro setor, que em outros momentos foi estigmatizada e era sinônimo de bagunça. Pessoas não morreram de fome por causa dessas ONGs, como Gerando Falcões e a Central Única das Favelas (CUFA), por exemplo.

Enquanto o governo estava procurando os 30 milhões invisíveis, eles estavam fazendo o cadastramento dos moradores da favela por reconhecimento de biometria facial. O grande CEO da pandemia foi o Celso Athayde, [fundador] da CUFA.

As empresas por sua vez entenderam que tinham que se reconectar muito com os consumidores e também serem plataformas para a geração de renda.

Nisso elas foram fundamentais, o setor privado foi fundamental não só para doação mas também para a criação de estratégias de logística, para criar novos modelos de renda, como é o caso dos aplicativos, que foram fundamentais para nossa crise não ser ainda maior.

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Acontece que, quando se fala de política pública, a dimensão financeira é outra.

As empresas podem doar milhões, como muitas doaram. Itaú doou bilhão, a JBS doou bilhão, mas isso não é suficiente para de fato fazer diferença num país que é tão desigual como o nosso.

Então o papel da iniciativa privada é colocar toda a cadeia para funcionar, mas é também pressionar o poder público, porque todos nós queremos o crescimento da economia. E só existe crescimento da economia com o consumo.

MT: Você acredita que os trabalhadores de aplicativos como Ifood, Rappi, Uber e 99 se orgulham, de alguma forma, de serem os “próprios patrões”? Ou estão em tais empregos por falta de opção no mercado formal? 

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Meirelles: A gente já fez várias pesquisas sobre aplicativos, e o que vemos é que, em uma situação de fome, de emergência, as pessoas não querem saber se [o emprego] não vai ter futuro, ou se não tem aposentadoria.

A nossa pesquisa mostrou que a maioria absoluta não voltaria a ter um emprego com carteira assinada, o que é um dado que os políticos com os quais eu converso ainda se assustam, porque eles ainda vivem no século passado.

Por isso que caminhos para a regulamentação, que não é seu modelo CLT, mas é garantir um mínimo de proteção social e de estrutura para esses trabalhadores, faz muito sentido.

MT: Como você acha que isso se manifestará nas urnas?

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Meirelles: O que a gente tem visto é que o negócio de não depender do governo menos tem a ver com autonomia ou com pensamento liberal: tem muito mais a ver com o descrédito das instituições.

As pesquisas apontam que, nesse ambiente em que o cara cansou de acreditar nos políticos, cansou de apresentar os economistas e cansou de acreditar nos próprios empresários, ele acredita no seu próprio trabalho e esforço.

Tanto que quando a gente pega as pesquisas sobre o otimismo para melhora na economia do Brasil, o brasileiro está muito pessimista. Mas quando você pergunta sobre sua economia pessoal e sua renda pessoal, todos acham que vão melhorar sua renda. É como se: o Brasil não vai, mas eu vou.

Eu não tenho dúvida nenhuma que a economia será a pauta da eleição. Mas não a economia dos macro indicadores econômicos, como Paulo Guedes adora falar.

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Estou falando da microeconomia, da dona Maria, do Seu João. A economia daquela pessoa que olha num carrinho de supermercado esse mês e vê se ele está mais vazio ou mais cheio com os 200 reais que ele tem para comprar todo mês. Esse é o indicador de inflação dela.

MT: Você sente que os candidatos também estão fazendo esta leitura?

Meirelles: Claramente estão tentando fazer essa leitura, e não é à toa que o Bolsonaro passou a defender e quis trocar o nome do Bolsa Família.

Ele sabe o impacto eleitoral que isso tem o, impacto eleitoral que seria muito maior se o adversário dele não fosse o Lula.

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Só que a população reconhece que foi no governo do ex-presidente Lula que boa parte dessas ações de distribuição de renda ganharam dimensão.

É como se a candidatura do Lula fosse mais impermeável a essas tentativas do governo Bolsonaro, no ano de eleição.

MT: A possível escolha de Geraldo Alckmin como vice pode ser uma sinalização a essa parcela da população que quer empreender?

Meirelles: A população não sente que não tem liberdade para empreender, o que ela sente é que ela precisa de oportunidades para o seu negócio crescer. E eu vejo que todas as candidaturas sem exceção estão enxergando isso.

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Esse debate será sobre economia, e não sobre a CLT. O brasileiro não quer  saber se o estado é grande ou pequeno, mas se é um Estado que funciona. Ele quer chegar ao posto de saúde e ser atendido. Tanto faz se esse posto de saúde é uma parceria público privada ou do próprio governo.

MT: E como você analisa a visão do mercado sobre os rumos da corrida eleitoral?

Meirelles: Acho que para entender a eleição nós precisamos de dois fatores. O primeiro é avaliar, no processo de escolha do presidente, algo que nós gostaríamos para nossa empresa ou para a empresa que nós investimos.

Se o histórico do profissional que você vai contratar tem nepotismo ou não tem nepotismo, isso influencia no seu processo de contratação?

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Qual foi a performance desse funcionário do seu último emprego? Como se deu o compliance? Os negócios cresceram ou diminuíram? Qual foi a capacidade de liderança que esse CEO ou que esse executivo teve no seu último emprego?

Ele ainda acredita nos números e acredita nos dados ou ele acredita só no que ouviu falar? Ele está antenado com os temas de ESG, tão importantes para o mercado financeiro hoje, ou ele está desconectado?

A escolha eleitoral não é muito diferente do que poderia ser a escolha de um CEO, com as candidaturas que estão sendo postas. E talvez o mercado financeiro possa dar uma grande contribuição para o processo eleitoral questionando os candidatos sobre esses pontos.

A outra questão é uma provocação: para Dona Maria, esse tal de mercado é um Carrefour e um Pão de Açúcar. E se o mercado financeiro não entender isso, ele não vai entender nada sobre o voto nesta próxima eleição.

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Se os analistas não entenderem que, para dona Maria, o mercado é um Carrefour e o Pão de Açúcar, eles não vão entender nada do que será o processo eleitoral desse ano.

 

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Estagiária
Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
laura.intrieri@moneytimes.com.br
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Graduanda em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, com enfoque acadêmico em Finanças Públicas. Tem experiência em empreendedorismo e novos negócios, tendo atuado na aceleradora de startups FGV Ventures. Participou da produção de podcasts sobre políticas públicas e atualidades, como "Dos dois lados da rua", "Rádio EPEP" e "Impacto FGV EAESP Pesquisa". Atuou como repórter na revista estudantil Gazeta Vargas.
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