Reserva de bitcoin no Brasil: Inovação estratégica ou risco prematuro?

A proposta de criação de uma reserva soberana em bitcoin (BTC) no Brasil, por meio do Projeto de Lei 4501/2024, reacendeu um debate que vai muito além do mercado cripto.
O texto sugere que até 5% das reservas internacionais do país sejam convertidas em BTC, o que representaria aproximadamente US$ 16 bilhões sob responsabilidade do Banco Central e do Ministério da Fazenda, com mecanismos de custódia segura, relatórios periódicos ao Congresso e auditoria baseada em blockchain.
Se aprovada, a medida colocaria o Brasil em posição inédita entre as grandes economias do mundo, inaugurando uma nova fase na forma como lidamos com regulação e inovação financeira.
Não é segredo que o Brasil já desponta como referência global em regulação de criptoativos, com um marco regulatório considerado mais avançado do que o de muitos países desenvolvidos. A discussão sobre criar uma reserva em bitcoin, portanto, não surge do nada: ela se apoia em um ambiente regulatório que, embora ainda em evolução, já é mais maduro que o de outras jurisdições.
Para os defensores da ideia, isso reforça a imagem de modernização do país, pode atrair capital estrangeiro e contribui para a diversificação cambial. O bitcoin, afinal, possui características de reserva de valor digital que, em alguns aspectos, lembram o ouro.
Exemplos internacionais ajudam a contextualizar o debate. El Salvador tornou a moeda legal e segue acumulando BTC em caixa; o Butão investe silenciosamente no ativo; e até os Estados Unidos possuem centenas de milhares de bitcoins em custódia, em grande parte fruto de apreensões judiciais. Estima-se que governos de pelo menos sete países já detenham mais de 500 mil BTC, demonstrando que esse movimento não é isolado, ainda que em escala muito menor do que a proposta brasileira.
Por outro lado, os desafios não são poucos. A volatilidade do bitcoin continua significativa: em 2022, o ativo chegou a perder cerca de 70% do valor em relação ao pico anterior. Uma oscilação dessa magnitude, aplicada a uma fatia relevante das reservas brasileiras, poderia gerar pressões consideráveis. Além disso, ainda não há consenso sobre a melhor forma de custódia: quem seria responsável por gerir os ativos, quais protocolos de governança adotar e como evitar potenciais fragilidades operacionais ou políticas.
Talvez por isso, mesmo com a visibilidade do tema, o projeto de lei já foi retirado de pauta na Câmara em pelo menos uma ocasião, diante de pedidos de parlamentares por mais estudos técnicos, audiências públicas e até a possibilidade de se pensar em um projeto-piloto. O recado foi claro: inovação é importante, mas deve caminhar ao lado da prudência.
Minha avaliação é que o Brasil tem, sim, a chance de liderar esse debate e consolidar uma posição de vanguarda. No entanto, não parece adequado destinar de imediato 5% das reservas para um ativo ainda marcado por alta oscilação e incertezas operacionais.
Uma alternativa seria iniciar com um percentual reduzido, algo próximo de 0,5%, suficiente para testar modelos de custódia, integração com a política monetária e impactos fiscais. Assim, o país poderia acumular experiência prática sem comprometer a credibilidade construída ao longo de anos de responsabilidade fiscal e regulatória.
Discutir uma reserva de bitcoin é positivo e demonstra que o Brasil está atento às transformações globais. Mas transformar a discussão em política pública exige equilíbrio entre ousadia e cautela. Se bem estruturada, a iniciativa pode projetar o país como referência mundial; se conduzida de forma precipitada, pode gerar pressões que hoje não enfrentamos.