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Rodolfo Amstalden: A história do fim da história

10 set 2020, 12:25 - atualizado em 10 set 2020, 12:25
Rodolfo Amstalden
“Hoje, mais pessoas no mundo morrem de obesidade do que de desnutrição”, diz o colunista (Imagem: Murilo Constantino/Empiricus)

Em 1989, à medida que o muro de Berlim decretava a queda do modelo soviético, o cientista político Francis Fukuyama se inspirava a escrever um artigo que teria ficado para a história, se ainda houvesse história para contar.

Pois, justamente, a tese de Fukuyama era a de que estávamos experimentando ali o fim da história.

O fim da história como a conhecíamos até o século 20.

“Esse é o ponto final da evolução humana baseada em ideologias, dando lugar à universalização da democracia liberal do ocidente como a forma definitiva de governo.”

No caso, a alusão liberal de Fukuyama toma como referência Adam Smith, que definia o liberalismo clássico como um combo de: (i) equidade de oportunidades sociais; (ii) economia de mercado; (iii) liberdade de costumes; e (iv) justiça legal.

Vinte e seis anos depois, em 2015, o professor Yuval Harari pegou carona em Fukuyama para qualificar melhor seu próprio fim da história.

No livro Homo Deus, Harari olhou também para trás e constatou que a humanidade havia vencido seus três algozes mais temerosos: a fome, as doenças e as guerras.

Pode parecer estranho à primeira vista, mas fome, doenças e guerras deixaram de ser manifestações imponderáveis para se tornarem desafios gerenciáveis.

Hoje, mais pessoas no mundo morrem de obesidade do que de desnutrição. Mais pessoas morrem de velhice do que de doenças contagiosas. E mais pessoas cometem suicídio do que são mortas por soldados, terroristas ou criminosos.

Ultimamente, porém, Fukuyama e Harari têm sido duramente questionados pela realidade empírica.

Guerra Luta
“Pode parecer estranho à primeira vista, mas fome, doenças e guerras deixaram de ser manifestações imponderáveis para se tornarem desafios gerenciáveis”, afirma Rodolfo Amstalden (Imagem: Unsplash/@stijnswinnen)

Governos populistas ganham votos perigosos por todo o mundo, e o coronavírus se nega a admitir a hegemonia da ciência sobre patógenos ainda incógnitos.

Sim, isso tudo é verdade, o tipo de verdade que presenciamos em 2020.

Mas é verdade também que a história se move de forma não linear, repleta de solavancos. Não é uma trajetória monotônica crescente.

O erro de Fukuyama está em tratar seu fim da história como um ponto final. Esse fim é um processo. Vamos, voltamos e então vamos novamente, um pouco mais adiante.

Veja o quanto estamos aprendendo com a Covid-19 — essa que pode ter sido a nossa grande vacina pandêmica, aquela que permitiu evitarmos o pior com futuros contágios infinitamente mais letais.

O fim da história, do ponto de vista financeiro, é marcado pelo fim das taxas de juros de curto prazo, o fim da inflação, o fim do value investing contábil, o fim das estimativas de growth, o fim do monopólio dos bancos e o fim do estereótipo da Bolsa como coisa de rico.

Talvez o fim do ouro como hedge tradicional? O fim do dólar como moeda forte? Trocaremos as bolhas de tecnologia pela tecnologia das bolhas? ETFs plain vanilla já serão ESG vindos de fábrica?

O mundo está mudando, e sua carteira precisa mudar também.

Eu sei, é difícil de acreditar por enquanto, nem sei se o mundo está mudando para melhor, mas sei que ele está mudando para sobreviver.

Sócio-fundador da Empiricus
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.
Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.
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