Opinião

Opinião: Samba e o capitalismo para o povo

18 set 2018, 15:01 - atualizado em 18 set 2018, 15:19
(Reprodução/Internet)

Por João Ricardo Costa Filho, Professor do Ibmec-SP, do Mestrado Profissional da EESP-FGV e da FAAP

Em meio à um show da banda Tabuleiro do Ary, em um palco tradicional do samba paulistano, além de desfrutar do talento dos músicos, eu acabei ficando intelectualmente “incomodado” com um fenômeno relatado pelos artistas.

Classifiquemos as casas de shows em dois tipos: um primeiro, no qual espaços mais “abertos”, aonde a música encontra abrigo não apenas nos ouvidos e corações daqueles que foram lá para prestigiar o espetáculo, mas também é livre para ganhar a rua e entreter aqueles que, caprichosamente, passam por perto. O segundo tipo é composto por locais mais fechados, aonde a música é reservada apenas para aqueles que, para aprecia-la, estejam dentro dos estabelecimentos. Os músicos relataram certo movimento no qual estabelecimentos do primeiro tipo têm fechado, e os remanescentes “especializam-se” no segundo tipo. Qual será o motivo?

Uma resposta simples poderia ser: queda na demanda. Como não parece ser um movimento conjuntural (mas, obviamente, a lenta e frágil recuperação da depressão que a economia brasileira experimentou no período 2014-2016 ajuda a amplificar o problema), nem regional (afinal, não temos observado isso apenas em São Paulo que, longe de ser o túmulo do samba, possui uma produção musical bem ativa, mas também no próprio Rio de Janeiro, por exemplo, onde alguns estabelecimentos tradicionais encerraram as suas atividades), é possível que exista uma alteração estrutural no consumo de entretenimento, mais especificamente, em produtos relacionados ao samba.

Tenho minhas dúvidas sobre a verossimilhança dessa hipótese. Será que o brasileiro decidiu consumir menos samba? (O itálico aqui faz às vezes da generalização que estou fazendo, dado que existe uma infinidade de maneiras de “consumir samba”). Pode ser, mas considero essa explicação simples demais para uma situação que, ao meu ver, tem raízes em um problema mais profundo.

Vou levantar uma hipótese alternativa. O teorema de Alchian-Allen (1967) pode ser adaptado para auxiliar análise e relacionar a mudança de espaços mais abertos para aqueles mais fechados, com o aumento dos preços dos imóveis e a estrutura da economia brasileira. No trabalho original, os autores gostariam de entender o motivo pelo qual algumas regiões especializam-se em produtos de maior valor agregado e outras regiões produzem produtos de menor qualidade. A conclusão é que os custos de transporte (mais altos) induzem à especialização na direção do bem de maior valor.

Voltando ao samba. Com o aumento nos preços dos imóveis, os estabelecimentos que oferecem esse tipo de entretenimento possuem, grosseiramente, duas opções: aumentar os preços ou mudar a atividade. Na primeira opção, a não ser que a demanda seja relativamente inelástica, a consequência seria queda na receita bem no momento em que os custos aumentam. Na segunda opção, as portas se fecham, seja para encerrar as atividades do local, ou para abrigar a música num novo formato (aquele mais reservado, em função dos maiores custos fixos). O que fazer?

Primeira opção: nada. Afinal, essa é uma alteração na alocação em resposta aos movimentos de preços produzidos pelo mercado que, em geral, é a melhor forma de organizar a atividade econômica.

Segunda opção: proteger os espaços abertos. Uma intervenção nesse mercado poderia assegurar a opção para os consumidores de formatos distintos, sem penalizar os estabelecimentos e os artistas, que teriam menos locais para tocar.

Mas, distorcer o mercado seria e melhor solução? Acredito que não.

Curiosamente, para não deixarmos o samba morrer, a saída parece ser uma terceira opção. Embora não devamos desconsiderar as possibilidades de disputas socias, parece que caminhar na direção de um capitalismo de verdade, um capitalismo para o povo, na expressão de Luigi Zingales, em que as instituições são desenhadas para estimular a competição e uma arquitetura pró-mercado e não beneficiar os amigos do rei e os donos do poder, num desenho pró-negócios, no qual o triunfante ampara-se numa estrutura de laços.

Nesse cenário, o poder de mercado proveniente da complicada economia política por traz da dinâmica oligopolista do mercado de imóveis seria diluído, levando à uma maior competição, o que ajudaria a conter os preços de alugueis e imóveis, diminuindo custos fixos e, assim, tornando mais fácil a oferta de diversas opções relacionadas não apenas ao samba, que deu origem à esta reflexão, mas à diversas outras atividades. O capitalismo para o povo pede passagem.

Leia mais sobre:
Giro da Semana

Receba as principais notícias e recomendações de investimento diretamente no seu e-mail. Tudo 100% gratuito. Inscreva-se no botão abaixo:

*Ao clicar no botão você autoriza o Money Times a utilizar os dados fornecidos para encaminhar conteúdos informativos e publicitários.