Sanções dos EUA podem causar caos em fazendas da América Latina dependentes de fertilizantes russos

Os agricultores latino-americanos enfrentarão dificuldades se os Estados Unidos aplicarem sanções secundárias aos compradores de produtos russos como os fertilizantes, essenciais para culturas comerciais que vão desde os abacates mexicanos até a soja e o milho plantados no Brasil.
Cerca de um terço da demanda do Brasil por fertilizantes foi atendida com US$ 3,7 bilhões em importações da Rússia no ano passado, e não há praticamente alternativas para preencher a lacuna se esses fluxos forem interrompidos, segundo especialistas e participantes do setor.
A eclosão da guerra na Ucrânia em 2022 desencadeou um acúmulo de fertilizantes russos na região. Os preços dispararam brevemente, mas o comércio já se normalizou. Os planos para aumentar a produção nacional de fertilizantes no México e no Brasil têm avançado lentamente diante das importações russas relativamente baratas.
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Os embarques de fertilizantes para o Brasil, o maior produtor mundial de soja, açúcar e café, aumentaram quase 30% no primeiro semestre deste ano, informou a Associação Russa de Produtores de Fertilizantes.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, destacou o Brasil entre um dos países que podem ser atingidos “muito duramente” por sanções por fazer negócios com a Rússia, como parte da nova iniciativa do presidente dos EUA, Donald Trump, para acabar com a guerra na Ucrânia.
Novas sanções contra importações de fertilizantes russos “praticamente inviabilizariam a produção de soja e milho no atual cenário”, disse Lucas Beber, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja Brasil).
O México também importou mais de US$580 milhões em fertilizantes no ano passado da Rússia, seu maior fornecedor, segundo dados do governo. Possíveis sanções dos EUA representariam um grande problema para os agricultores locais.
“Isso (sanções) afetaria as compras do México de diferentes fertilizantes da Rússia, especialmente ureia, que é o mais utilizado em culturas como milho, sorgo, trigo e até abacate”, disse Raul Urteaga, ex-diretor de relações internacionais do Ministério da Agricultura do México.
Urteaga alertou para uma queda na qualidade dos fertilizantes disponíveis se as importações russas desaparecerem. Isso poderia reduzir a produção de abacate e elevar os preços para os consumidores americanos. Os EUA respondem por mais de 80% das exportações totais de abacate do México, um mercado estimado em mais de US$3 bilhões no ano passado, segundo dados do governo norte-americano.
“O preço dos abacates aumentaria se os produtores tivessem que usar outras alternativas ou encontrar fertilizantes importados de outras fontes que não a Rússia”, disse Urteaga.
A Rússia também é o principal fornecedor de fertilizantes para a Colômbia, outro importante produtor de frutas, flores e café para os EUA. Dados do governo mostram que a Rússia fornece cerca de um quarto das importações de fertilizantes da país.
O Banco Mundial identificou os custos dos fertilizantes como um fator determinante da inflação dos alimentos na América Central, contribuindo para uma crise de custo de vida que impulsionou a migração para o norte.
Vendas atrasadas
Até mesmo as empresas de fertilizantes que já cortaram relações com fornecedores russos, como a Mosaic, sediada nos EUA, expressam temores de que novas interrupções no comércio envolvendo um dos três maiores produtores de fertilizantes do mundo poderiam alimentar a volatilidade.
“Possíveis discussões envolvendo retaliações contra países que operam com a Rússia… só acabam agravando ainda mais a situação em termos de precificação”, disse Eduardo Monteiro, country manager da Mosaic no Brasil, que contribui com 40% da receita global da empresa.
Ele disse que as tensões geopolíticas atrasaram as vendas aos agricultores brasileiros para a próxima safra, o que poderia comprometer o cronograma de entregas de fertilizantes para culturas como a soja, que os agricultores plantam a partir de setembro.
As grandes fabricantes privadas de fertilizantes Eurochem e Fertipar, que abastecem suas fábricas brasileiras com importações da Rússia, de acordo com dados comerciais, se recusaram ou não responderam a perguntas sobre possíveis sanções.
O Brasil tem anunciado planos para reduzir quase pela metade sua dependência de fertilizantes estrangeiros. O México pretende aumentar a produção doméstica de 33% para 80% da demanda local. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, têm pressionado as estatais Petrobras e Pemex a aumentar a produção de fertilizantes.
No entanto, o avanço tem sido lento. No caso do Brasil, os esforços foram prejudicados por fatores como falta de financiamento, recursos minerais potencialmente custosos e o alto preço do gás natural, essencial para a produção de fertilizantes nitrogenados.
O problema pode ser parcialmente mitigado depois que a Brazil Potash Corp começar a extrair potássio na Amazônia, o que só irá acontecer uma vez que a infraestrutura esteja pronta e todas as licenças forem emitidas.
No México, a Pemex tem lutado ao longo dos anos para tornar os fertilizantes um negócio lucrativo.
Sem se deixar abalar pela concorrência local, sanções dos EUA ou embargos europeus, os produtores russos de fertilizantes dizem que esperam aumentar sua participação no mercado global para 25% até 2030, confiando principalmente nas vendas para os países em desenvolvimento do Brics, incluindo Brasil, Índia e China.