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Seguro Rural: Oportunidades e riscos do PL 2951/2024

08 jul 2025, 11:51 - atualizado em 08 jul 2025, 11:51
seguro rural agricultura tereza Cristina
(iStock.com/Stephen Barnes)

O seguro rural constitui um instrumento fundamental para a gestão de riscos no setor agropecuário, especialmente com a intensificação dos eventos climáticos extremos.

No entanto, o modelo brasileiro de seguro rural apresenta limitações, como a ausência de uma legislação que imponha a obrigatoriedade de contratação, a falta de padronização contratual plena e a fraca integração com instrumentos de política climática internacional.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 2.951/2024, de autoria da senadora Tereza Cristina (PP – MS), propõe a criação de um Fundo de Catástrofe para apoiar o seguro rural, em linha com diretrizes de adaptação discutidas nas conferências do clima da ONU, especialmente na COP26. O fundo visa ampliar a capacidade de cobertura das seguradoras diante de eventos catastróficos e generalizados, reduzindo os riscos para produtores e ampliando a oferta de seguros.

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Contudo, o PL 2.951/2024, em sua redação atual, pode não suprir as principais fragilidades do sistema atual. Embora exija a adesão das seguradoras ao Fundo como condição para acesso à subvenção pública, a contratação do seguro por parte dos produtores permaneceria facultativa.

Também, o projeto não prevê expressamente um contrato-padrão nacional para as apólices de seguro rural em Lei, o que compromete a uniformidade regulatória, a transparência e a eficiência do sistema. A multiplicidade de produtos e de cláusulas dificulta a comparação entre seguradoras, gera incerteza na liquidação de sinistros e reduz a confiança dos produtores.

Seguro Rural nos Estados Unidos: Lições a serem aprendidas

A título de Direito Comparado, o modelo americano oferece aprendizados relevantes. Nos Estados Unidos a cobertura de risco catastrófico (CAT coverage) é exigida para produtores que desejam participar de programas federais de apoio agrícola (condicional ao acesso do subsídio).

Embora essa exigência não decorra diretamente de Lei — nem no Federal Crop Insurance Act nem no Farm Bill — ela surge da aplicação conjunta de normas infralegais vinculativas (decretos, portarias etc.), como o formulário AD-1026 e as Basic Provisions da Risk Management Agency (RMA), que atuam como condições contratuais uniformes nacionalmente. Nos Estados Unidos há padronização do contrato de seguro rural.

Desde 1984, essa interpretação regulatória foi amparada pela jurisprudência Chevron v. NRDC, em que a Suprema Corte dos EUA concedia deferência interpretativa às agências federais, desde que suas interpretações legais fossem razoáveis – agências tinham maior discricionariedade em seus regulamentos, a despeito de dispositivos claros na Lei. Por consequência, essa decisão permitia que exigências como a CAT coverage fossem sustentadas exclusivamente por atos administrativos, sem previsão expressa em Lei.

Esse cenário mudou com a decisão da Suprema Corte no caso Loper Bright v. Raimondo em 2024, que revogou a jurisprudência do caso Chevron, abrindo caminho para que os tribunais revisem de forma mais incisiva os regulamentos administrativos. Embora os efeitos práticos da decisão ainda estejam acontecendo, é possível que exigências infralegais — como a obrigatoriedade do CAT coverage — se tornem mais vulneráveis a questionamentos judiciais, especialmente se não forem ancoradas em base legal explícita. Ainda assim, trata-se de uma hipótese que dependerá da atuação judicial concreta e não de um enfraquecimento automático da estrutura vigente.

Essa experiência americana oferece uma lição regulatória para o Brasil. A ausência de previsão legal expressa sobre a obrigatoriedade do seguro rural no PL 2.951/2024 deixa margem para que sua implementação futura dependa exclusivamente de normas infralegais. Essa necessidade de maior detalhamento regulatório futuro também traz o risco de insegurança jurídica decorrente da indefinição legal e da ausência de diretrizes mínimas sobre padronização regulatória e contratual.

Seguro rural no Brasil como instrumento da agenda do clima e expectativas

Por fim, é importante destacar que o seguro rural tem sido amplamente reconhecido como instrumento-chave das estratégias internacionais de adaptação climática. A UNFCCC e a Iniciativa InsuResilience recomendam sua expansão em países em desenvolvimento como mecanismo de resiliência agrícola e segurança alimentar.

Ao fortalecer seu marco legal, o Brasil não apenas reduz a vulnerabilidade do setor agropecuário, como também se alinha ao Acordo de Paris e amplia sua capacidade de acesso a fundos internacionais de financiamento climático, como o Fundo Verde para o Clima.

Nesse sentido, o PL 2.951/2024 representa um avanço relevante, mas ainda insuficiente. Para consolidar o seguro rural como política pública estruturante, será necessário que o legislador brasileiro adote uma abordagem mais robusta, ancorada em obrigações legais claras, em modelos contratuais padronizados e em uma regulação técnica bem fundamentada.

A experiência americana — inclusive com seus atuais desafios — oferece lições importantes sobre os limites e as potencialidades de uma política de seguros ancorada em segurança jurídica, previsibilidade regulatória e alinhamento climático internacional.

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Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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