Selic é ‘ponto nevrálgico’ para a Motiva, diz CFO sobre impacto nos projetos de infraestrutura

O último trimestre foi um período de mudanças para a antiga CCR, a começar pelo nome: Motiva (MOTV3). A adoção da nova marca também representa um ponto de inflexão na estratégia da companhia, que desde 2023 passa por uma ampla reestruturação para concentrar esforços em ativos considerados mais estratégicos.
A meta é ambiciosa: levantar até R$ 10 bilhões nos próximos anos com a venda de 20 aeroportos na América Latina, até 2026, e cinco projetos de mobilidade urbana no Brasil, incluindo metrôs, ferrovias e balsas.
Com sede em São Paulo, a empresa contratou quatro instituições financeiras para conduzir as negociações: Lazard e Itaú Unibanco, no caso dos aeroportos, e Goldman Sachs e BTG Pactual para os ativos de mobilidade. O movimento faz parte da reorganização de portfólio liderada pelo CEO Miguel Setas, que assumiu o comando em março de 2023, com foco também na gestão do endividamento — uma preocupação crescente diante do ciclo de alta dos juros iniciado em 2021.
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O objetivo é destravar valor das plataformas e ampliar a capacidade financeira da Motiva para disputar novos leilões. Além disso, a Motiva projeta aproximadamente R$ 46 bilhões em aportes nos próximos anos.
No entanto, a Selic é uma “ponto nevrálgico”, segundo o CFO Waldo Perez. O setor de infraestrutura é sensível aos juros elevados porque os projetos demandam muito capital e têm retorno de longo prazo, o que os torna mais caros com financiamento mais alto. Além disso, o ambiente de aperto monetário aumenta a incerteza e compromete a previsibilidade dos fluxos de caixa.
“A taxa de juros impacta diretamente a rentabilidade dos nossos projetos e o custo de capital. Com a alta dos juros, o retorno exigido nos projetos também aumenta. Por isso, os projetos recentes já vieram com uma rentabilidade maior para atrair o interesse privado nos leilões”, afirma o executivo em entrevista ao Money Times.
Segundo ele, atualmente as receitas da Motiva são indexadas ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que ajuda a mitigar os impactos da taxa de juros e da diferença entre indexadores.
Confira a entrevista completa com Waldo Perez, CFO da Motiva
Money Times: Como está a empresa hoje?
Waldo Perez: A gente está em um momento muito interessante. A Motiva já tem uma história de 25 anos e com a chegada dos novos acionistas e da nova diretoria, redefinimos a estratégia, estabelecemos uma nova estrutura organizacional e atualizamos a cultura da companhia para que ela esteja 100% alinhada com as nossas ambições estratégicas.
Mais recentemente, isso culminou na mudança da marca. A marca anterior era muito boa, mas já não refletia mais nossa nova estratégia e ambições. O nome antigo remetia apenas a rodovias, e hoje somos uma companhia que atua em três plataformas diferentes.
Nos últimos 12 meses, conquistamos três novas concessões, que somam R$ 25 bilhões em investimentos. Ao todo, temos um plano de R$ 59 bilhões em investimentos para o grupo. Ou seja, há muito trabalho pela frente.
MT: Como você avalia os resultados do último trimestre?
WP: A cada trimestre temos evoluído na rentabilidade do grupo. O primeiro trimestre deste ano foi o nosso recorde histórico. Tivemos uma receita de R$ 4 bilhões — 7% acima do mesmo trimestre do ano anterior —, um EBITDA ajustado de R$ 2,5 bilhões (14% acima do 1T23) e um lucro líquido ajustado de R$ 539 milhões (20% superior ao do ano anterior).
Esses resultados foram impulsionados por uma demanda resiliente e por nosso plano de eficiência, que é central na nossa estratégia. A gente acompanha muito um indicador chamado OPEX Caixa sobre Receita Líquida [mede a eficiência operacional de uma empresa; quanto menor o percentual, melhor a eficiência] e buscamos chegar a 38% até o fim de 2026. Saímos de mais de 42% há alguns anos, e neste trimestre atingimos 40,3%, uma melhora de 0,4 ponto percentual em relação ao ano passado. Com esse avanço, estamos avaliando a possibilidade de antecipar essa meta para o final de 2025.
MT: Sei que você não pode adiantar detalhes, mas o que espera do balanço do segundo trimestre?
WP: A demanda continua crescendo num ritmo parecido com o do primeiro trimestre. No segmento de rodovias, o setor agrícola começou a performar melhor a partir de abril, então esperamos melhora em algumas das nossas rodovias.
Também continuamos firmes no plano de eficiência de custos, o que deve permitir uma redução ainda maior do OPEX. A taxa de juros continua sendo um desafio, mas ainda buscamos crescimento no lucro líquido.
MT: Como a alta da Selic afeta os custos da empresa?
WP: Esse é um ponto nevrálgico. A taxa de juros impacta diretamente a rentabilidade dos nossos projetos e o custo de capital. Com a alta dos juros, o retorno exigido nos projetos também aumenta. Por isso, os projetos recentes já vieram com uma rentabilidade maior para atrair o interesse privado nos leilões.
A Motiva, por sua escala, estrutura de serviços compartilhados e tecnologia, consegue ser mais competitiva em relação a outros participantes. Também trabalhamos fortemente no nosso balanço: no ano passado, fizemos um programa de liability management [gestão de passivos] de R$ 5,9 bilhões e reduzimos o custo da dívida, gerando um VPL [Valor Presente Líquido] de R$ 260 milhões.
Além disso, estamos fazendo novas operações neste ano, aproveitando o momento positivo do mercado e sempre buscando que o custo da nossa dívida seja o menor possível. Isso nos ajuda a ter rating AAA em duas das agências de crédito, o que facilita o acesso ao mercado de capitais.
Hoje, apenas 39% da nossa dívida está atrelada ao CDI — há dois ou três anos, eram 68%. Todas as nossas receitas são indexadas ao IPCA, o que nos protege da variação entre os indexadores e é uma forma que temos usado para mitigar o impacto da taxa de juros. Também estendemos o prazo médio da dívida de três anos para entre cinco e seis anos — não é fácil ter esse nível de duration no Brasil. Metade dos vencimentos agora ocorre após 2032, o que nos dá uma estrutura de capital robusta e com pouco risco de refinanciamento.
MT: Como você avalia o atual ambiente de concessões no Brasil?
WP: O setor de infraestrutura e o modelo de concessões no Brasil têm evoluído muito, especialmente no âmbito federal e em alguns estados. Hoje, os contratos são extremamente robustos e, quando há divergências, os reequilíbrios têm acontecido — o que demonstra respeito aos contratos e maturidade institucional. Nos últimos 12 a 18 meses, inclusive, o Poder Concedente atualizou sua metodologia para considerar diferentes retornos conforme os riscos dos projetos, o que representa um avanço importante na relação risco-retorno.
Vivemos um momento muito positivo, com maior transparência regulatória e um super ciclo de investimentos. No nosso escopo, por exemplo, há mais de R$ 200 bilhões em CAPEX previstos em trilhos e rodovias. Como não temos capacidade para atender todas essas oportunidades, temos observado a entrada de novos concorrentes. Então, isso tem criado um ambiente de muito interesse, dada a amplitude de oportunidades, o regulatório que tem sido resiliente e robusto, além dos retornos das concessões também tem melhorado.
Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), os investimentos em infraestrutura devem atingir R$ 290 bilhões em 2025, o maior valor da história do país. Esse volume vem crescendo desde a pandemia, mas ainda é insuficiente diante do histórico de sub investimento. O Brasil investe cerca de 2% do PIB em infraestrutura, enquanto países desenvolvidos aplicam de 4% a 8%. O resultado é um gap estimado de US$ 100 bilhões por ano, pela próxima década. Isso explica o ambiente aquecido e o número crescente de oportunidades no setor.
MT: Vocês pretendem participar de novos leilões?
WP: Ano passado foram 14 leilões e vencemos três, que eram justamente os mais estratégicos para nós. Todos com sinergias com nossas operações ou com histórico de operação anterior. Então, estamos focados na execução desses projetos agora.
Mas, dito isso, estamos sempre atentos a todas as oportunidades que estiverem alinhadas à nossa estratégia, tenham sinergias com os nossos ativos e que nos parecerem as mais rentáveis.
Também existe a oportunidade de algumas extensões de concessões já existentes que geram valor para nós, para o Poder Concedente e para o cliente final. Por exemplo, há negociações em andamento com o Governo de São Paulo para extensões nas Linhas 4 e 5 do metrô, através de uma parceria pública-privada. Esses investimentos podem gerar valor para as duas concessões.
MT: Como a Motiva está lidando com a digitalização dos serviços, como pedágios sem cancela e novas tecnologias para mobilidade?
WP: A tecnologia é central na nossa estratégia, porque isso viabiliza um crescimento rentável e um portifólio otimizado. Por isso, no ano passado, fizemos uma reorganização do time de tecnologia, com equipes mais próximas dos negócios. Trouxemos especialistas em Big Data, Analytics, arquitetura de sistemas.
Com isso, já realizamos projetos importantes, como os teste na BR-101 — a primeira rodovia free flow do Brasil. O hardware não é nosso, mas toda a inteligência e tecnologia do software e da identificação de placas é nossa.
Agora, estamos trabalhando para entregar o sistema de pedagiamento dinâmico na Dutra, no trecho entre São Paulo e Arujá. Esse modelo está sendo desenvolvido internamente por meio da nossa própria tecnologia e ela será essencial para o sucesso das operações rodoviárias daqui para frente.
Também estamos aplicando tecnologia em trilhos. Recentemente, assinamos um reequilíbrio das linhas 8 e 9 para implantar um novo sistema de sinalização. Com isso, poderemos reduzir a distância entre trens, aumentando a capacidade da linha. Além disso, o sistema permitirá uma operação muito mais inteligente, com manutenção preditiva e maior disponibilidade de dados e informações.
Além disso, estamos avançando com o uso de inteligência artificial em áreas como jurídico, engenharia e supply para otimização de projetos, processos e redução de custos. Nosso foco inicial é na eficiência, mas no futuro vamos usar IA também em projeções e alocação de recursos.
MT: Como tem sido a aceitação dos usuários com essas novas tecnologias?
WP: É uma mudança cultural. Em outros países, o free flow já é algo normal; aqui, está começando agora. Começamos com 30% de adesão ao free flow na BR-101, e com campanhas educativas e melhorias tecnológicas, hoje a inadimplência está em torno de 7%, um número bem abaixo do que a gente imaginava. Claro que a meta é chegar a zero, mas esse já é um dado muito positivo.
Outro ponto importante dos novos contratos, que já preveem a obrigatoriedade do free flow, é que eles têm mecanismos de proteção para a concessionária. Ou seja, o risco da inadimplência não fica 100% com o poder concedente. Existe uma estrutura que cobre esse valor e a concessionária só assume uma parte pequena desse risco — algo em torno de 5%. Isso dá mais segurança.
E tem um dado interessante também: a nossa meta para 2026 é eliminar o pagamento em dinheiro nos pedágios. A gente vai continuar aceitando, claro, mas a ideia é que o percentual de uso seja zero ou próximo disso. Hoje, o pagamento em dinheiro nas nossas praças já está abaixo de 15%; há três anos, mais de 50% dos pagamentos eram em dinheiro. Implementamos o free flow, o pagamento por cartão e também o autoatendimento.
MT: E quanto às mudanças climáticas? Como vocês estão se preparando?
WP: No ano passado, definimos uma estratégia de resiliência climática, com o objetivo de, até o final deste ano, termos planos para 100% dos ativos críticos, aqueles que consideramos mais expostos aos impactos climáticos.
Como parte desse plano, estamos aprimorando nossas análises. Primeiro, identificamos e quantificamos os possíveis impactos climáticos. Depois, incorporamos esses dados aos nossos modelos de projeção, para simular cenários e entender, por exemplo, qual seria o impacto em receita, EBITDA, alavancagem, caso certos eventos climáticos se concretizem. E isso vale não só para os ativos atuais, mas também para novos projetos. Ou seja, hoje, ao avaliar uma nova concessão, já levamos em conta essa variável climática — o que é uma mudança importante na forma como operamos.
Com esses planos e simulações estruturados, passamos à gestão operacional do dia a dia, utilizando mapas hidrológicos e outras informações em tempo real. Isso nos permite prever eventos extremos e acionar protocolos pré-definidos com antecedência e com maior eficiência.
Também criamos protocolos específicos para lidar com eventos extremos. Um exemplo é o que fizemos após o deslizamento na Rio-Santos, ocorrido há dois ou três anos, logo após assumirmos a concessão. As chuvas fortes causaram danos significativos — algo que, na época, não estava mapeado. A partir disso, instituímos um protocolo de fechamento de rodovia com base em volume de chuva. Se o acumulado atinge, por exemplo, 100 mm, a rodovia é fechada preventivamente, para proteger vidas — tanto de usuários quanto de colaboradores — e preservar o ativo.
Esse protocolo já está sendo expandido para o Sul, onde nossas rodovias também sofreram com eventos extremos. Agora, ao identificar chuvas intensas, monitoramos e, se necessário, interrompemos a operação até que haja condições seguras de tráfego.
MT: E quais os planos para os próximos anos?
WP: No curto prazo, o nosso foco principal está na transição e no início da operação das três novas concessões: Sorocabana, PR Vias e MS Via. Juntas, elas somam R$ 25 bilhões em investimentos. Então, nosso foco total agora é na gestão desses CAPEX, para garantir a entrega conforme os planos de negócio.
Também queremos avançar no plano de eficiência, com a meta de atingir o índice de OPEX abaixo de 38%.
Outro pilar é a digitalização. Ainda estamos no começo dessa jornada e queremos aprofundá-la nos próximos 12 a 24 meses. Por fim, seguimos atentos a novas oportunidades de crescimento, seja por novas concessões ou por aditivos em concessões já existentes.