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Sidnei Nehme: retomada em “U” poderá comprometer ambições do governo Bolsonaro!

20 jul 2020, 15:49 - atualizado em 20 jul 2020, 15:49
Paulo Guedes
Paulo Guedes tem sido enfático em apostar suas fichas e convicções de que a recuperação da atividade econômica se dará no conceito “V” (Imagem: Flickr/Ministério da Economia)

Por Sidnei Moura Nehme, economista e diretor executivo da NGO Associados Corretora de Câmbio

Embora ainda se conviva com a incerteza se efetivamente os sinais de retomada da atividade econômica são concretos ou simplesmente espasmos setoriais consequentes de ajustes de defasagens pontuais ocorridas, como se viu na atividade industrial e no varejo sem simetria com o relevante segmento “serviços”, que é o que tem maior peso no PIB, já estão no radar as discussões e considerações de como será “o depois da pandemia para a economia brasileira”.

O Ministro Paulo Guedes tem sido enfático em apostar suas fichas e convicções de que a recuperação da atividade econômica se dará no conceito “V”, e entendemos que para o governo seja vital que assim ocorra, mas a percepção com maior acuidade sinaliza que poderá ocorrer em “U” visto que o legado corrosivo da atividade econômica envolvendo emprego, renda, consumo e mudanças amplas de formatos das estruturas, em especial no segmento “serviços”, tende a provocar retração na geração de empregos, achatamento nos níveis salariais e maior seletividade no consumo, havendo uma postura defensiva que neutralizará a retomada mais forte, não havendo nenhuma expectativa de que “tudo será como antes”, muito pelo contrário, até porque o ritmo antecedente da atividade econômica não era entusiasmante e o desemprego já era expressivo.

O Presidente do BC, Campos Neto, já denotou ter percebido esta realidade tendo salientado não acreditar que a recuperação da economia será um “V” completo, apesar de ter começado nesse ritmo, uma forma discreta de não admitir que seja em “U” para não confrontar com o Ministro da Economia.

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Campos Neto já denotou ter percebido esta realidade tendo salientado não acreditar que a recuperação da economia será um “V” completo (Imagem: Flickr/Banco Central)

É natural que os membros do governo busquem propagar a retomada em “V” pois haveria alguma possibilidade de implementação de projetos ambicionados pelo governo Bolsonaro, o que num ambiente de retomada em “U”, que demandaria em torno de 2 anos, praticamente neutralizaria as ambições governamentais pelo resto de seu mandato.

Este é um aspecto que consideramos altamente relevante e que deve necessariamente merecer melhor consideração quando se discutir a retomada da atividade econômica no país.

Contudo, consideramos ainda a prevalência das incertezas sobre as eventuais certezas e isto no nosso entender distância a discussão com maior acuidade da retomada e a sua forma, embora consideremos que a mais provável seja mesmo em “U”, pois neste segundo semestre ainda está presente e crescente a crise da pandemia do coronavírus e o país tenta reordenar suas atividades dentro deste ambiente preocupante, havendo, portanto, alto risco de retrocesso e retardamento considerável de efetiva retomada das atividades.

Não se pode menosprezar a pandemia do coronavírus que representa um alto risco de frustrar as expectativas otimistas de recuperação da atividade econômica e promover sérias correções nas tendências que vislumbram e são propagadas, em especial no mercado financeiro.

Bolsas tem identidade umbilical com as economias e este quadro pode promover correções mais fortes que não estão no radar atualmente.

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Bolsas tem identidade umbilical com as economias e este quadro pode promover correções mais fortes que não estão no radar atualmente (Imagem: Flickr/ Rafael Matsunaga)

Oportuno destacar que há à margem do desempenho da Bovespa um ambiente de relativa descrença na sustentabilidade de seu desempenho e isto parte de analistas e até, mais recentemente, de importante banco atuante neste mercado pontuando de forma extremamente técnica que há um considerável distanciamento e descolamento da Bovespa com a economia real.

Destaca a análise técnica do Pactual que a “distância” entre a Bolsa e a “realidade” é medida pelo tamanho do desvio-padrão entre seu atual P/L e o seu P/L médio. Como a média histórica da Bolsa é de 12,7 vezes, os analistas afirmam que o patamar corrente está a mais de 3 desvios-padrão de distância da média histórica. O entendimento é que os investidores estão pagando mais caro pelos papéis, já que o P/L costuma ser interpretado como o tempo em que o investimento da ação demora em se pagar, com base apenas no lucro auferido.

O fato é que a mudança de patamar do juro no Brasil provocou mudança substantiva nas aplicações financeiras e grande parte das pessoas físicas que estavam no mercado de renda fixa deslocaram parte de seus recursos para o mercado de ações e isto pode ter ocasionado o movimento de alta nos preços distorcendo a natural sinergia entre a economia e a formação dos mesmos.

Por outro lado, se realmente a tendência tornar evidente retomada da atividade em “U” será natural um ajuste no mercado de ações compatibilizando a formação dos preços com recuperação da atividade econômica mais lenta.

Então, é recomendável que seja observada a dinâmica da retomada da atividade econômica, visto que poderá se tendente a “U” provocar um ajuste para baixo na Bovespa.

Aliás, a mudança do patamar de juro pelo noviciado no Brasil tem provocado mudanças relevantes. Os fundos de bônus sofreram grandes saques que foram deslocados para a poupança e um fato novo foi a intensificação de aplicações de investidores brasileiros no mercado financeiro externo, e isto tem acarretado alguns questionamentos sobre como o país financiará a Dívida Pública crescente com a pandemia com nível baixo de juro.

O juro baixo, embora o BC alegue que ainda não tem um diagnóstico sobre a volatilidade elevadíssima no câmbio, parece ser a causa do aumento substantivo da volatilidade visto que a política monetária estaria perto do “lower bound”, que poderia impor contenção na queda da SELIC, e sinalizando que o juro mais baixo fomenta movimento de corrida por hedge no Brasil e que promovem maior volume de trading de contratos de menor volume por parte de investidores menores.

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O BC alega que ainda não tem um diagnóstico sobre a volatilidade elevadíssima no câmbio (Imagem: Diana Cheng/Money Times)

Pelo que se percebe o juro baixo tem efeitos colaterais relevantes no mercado financeiro, nem sempre de fácil correção das disfuncionalidades.

O câmbio tende a ter uma estabilidade mais longa entre os parâmetros de R$ 5,00 a R$ 5,50, visto que não se aguarda grande pressão de demanda que poderia elevar o preço e, por outro lado, um preço abaixo de R$ 5,00 poderia contrariar os interesses do governo (“câmbio alto”) para tentar manter atratividade do país para investidores estrangeiros em infraestrutura e nos programas de privatizações. No nosso entender, a volatilidade decorre do fator juro como já discorremos acima.

A complexidade nos vetores de influência na dinâmica da retomada da atividade econômica pós pandemia, sem saber-se ainda quando serão efetivamente atenuados os efeitos nefastos ainda presentes da pandemia do coronavírus e o efetivo legado destrutivo da mesma, impõe muita precaução sobre as perspectivas em torno do Brasil, a sua forma de retomada da atividade econômica e, em especial, da Bovespa.

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