“Simplificação” da EUDR: Comissão Europeia pode ampliar a complexidade nas cadeias globais de exportação
A Comissão Europeia apresentou, em 21 de outubro de 2025, a proposta COM(2025) 652 final, que pretende alterar o Regulamento (UE) 2023/1115 — o EUDR (Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento). O objetivo declarado é simplificar o cumprimento das obrigações e reduzir a carga administrativa para micro e pequenas empresas, após pressões de Estados-Membros e do setor privado sobre o alto custo de implementação do sistema digital de diligência devida (EUDR-IS).
Na prática, a proposta cria novas categorias regulatórias, define prazos diferentes por porte empresarial e altera obrigações para traders e operadores a jusante (downstream operators). Embora apresentada como um avanço de eficiência regulatória, especialistas alertam para o risco de fragmentação logística, duplicidade de sistemas e maior insegurança jurídica nas cadeias de exportação.
A principal inovação é a criação da figura do micro e small primary operator, pequeno produtor estabelecido em país classificado como de baixo risco, que poderá substituir a due diligence statement por uma declaração simplificada única. Essa diferenciação (acompanhada de prazos de aplicação distintos) significa que grandes e médias empresas precisarão cumprir integralmente o EUDR um ano antes dos pequenos produtores, gerando cadeias com fluxos regulatórios paralelos.
- Quer investir no setor? O Agro Times montou um guia com tudo que você deve saber antes de investir no agronegócio
Comparativo de prazos e prorrogações da EUDR
| Categoria / Etapa | Prazos originais (Reg. 2023/1115) | Alteração de 2024 | Proposta COM(2025) 652 – nova prorrogação |
|---|---|---|---|
| Grandes e médias empresas | 30 dez 2024 | 30 dez 2025 | Mantido em 30/12/2025 |
| Micro e pequenas empresas | 30 Jun 2025 | 30 Jun 2026 | Prorrogado para 30/12/2026 |
| Autoridades competentes (fiscalização) | 30 Jun 2025 | 30 Jun 2026 | Mantido em 30/06/2026 |
| Revisão geral da EUDR | 30 Jun 2028 | — | Adiada para 30/06/2030 |
A definição de “pequeno produtor” (ou micro and small primary operator) introduzida pela proposta de alteração da EUDR não é clara nem aplicável de forma uniforme. Embora a Comissão Europeia remeta à Diretiva 2013/34/EU para definir o que constitui uma micro ou pequena empresa, essa referência é de natureza contábil e societária, e não se traduz automaticamente em uma definição funcional de produtor primário (diretiva contábil, não agrícola) — especialmente para produtores localizados fora da União Europeia, que não seguem o mesmo regime jurídico e contábil europeu.
Essa indefinição pode gerar incerteza jurídica e operacional durante o período de implementação, já que Estados-Membros e operadores privados poderão adotar interpretações distintas sobre quem se enquadra na categoria de pequeno produtor. Ao mesmo tempo, traders e indústrias, a princípio, terão de lidar com regimes de rastreabilidade paralelos, até que todos os fornecedores estejam sujeitos às mesmas obrigações. Isso tende a aumentar custos de adequação e risco de não conformidade, sobretudo em cadeias com mistura de lotes, como as de soja, café e cacau.
Igualmente, a proposta cria diferenciação entre pequenos produtores de países classificados como “low risk” e aqueles situados em países “standard risk”, como o Brasil, o que pode gerar custos de conformidade significativamente distintos. Pequenos produtores europeus e de países classificados como de baixo risco poderão utilizar o regime simplificado introduzido pelo novo artigo 4-A da proposta, que os dispensa de parte das obrigações de diligência, enquanto os de países de risco padrão continuarão sujeitos à declaração completa. Essa assimetria pode criar vantagem competitiva indevida e configurar discriminação de fato, segundo a jurisprudência da OMC.
Nesse precedente United States – Tuna II (Mexico) (WT/DS381), o Órgão de Apelação reconheceu que medidas ambientais aparentemente neutras podem violar o Acordo TBT quando impõem tratamentos/custos desiguais de conformidade sem base técnica objetiva. Aplicado à EUDR, o tratamento preferencial a países de baixo risco pode ser considerado arbitrário e potencialmente incompatível com o princípio da não discriminação previsto no Artigo 2.1 do Acordo TBT e no Artigo I do GATT 1994.
A proposta ainda será analisada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, seguindo o procedimento legislativo ordinário. Caso aprovada sem alterações substanciais, a proposta entrará em vigor automaticamente três dias após sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, consolidando a prorrogação das datas de aplicação do EUDR e a criação do novo regime simplificado para micro e pequenas empresas.