Suprema Corte não vai barrar tarifas de Trump. “Aguentem”, dizem autoridades
A fabricante norte-americana de equipamentos industriais OTC Industrial Technologies há muito tempo utiliza países de baixo custo para fornecer componentes, primeiro a China e depois a Índia, mas a ofensiva de tarifas do presidente Donald Trump contra vários parceiros comerciais abalou toda a lógica da cadeia de suprimentos, segundo o CEO Bill Canady.
“Tiramos as coisas da China e fomos para alguns desses outros países, mas agora as tarifas sobre eles estão tão ruins ou piores”, disse Canady à Reuters. “Só temos que aguentar e encontrar um jeito de atravessar isso sem quebrar no curto prazo”.
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É um dilema que começa a pesar sobre empresas, ministérios de comércio exterior, advogados especializados e economistas, enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos analisa a legalidade das tarifas globais de Trump, com argumentos marcados para quarta-feira (5). Sob uma base legal ou outra, espera-se que as tarifas de Trump permaneçam em vigor por muito tempo.
Tribunais inferiores decidem contra trump
A Corte, cuja maioria conservadora de 6 a 3 tem apoiado Trump em várias decisões importantes neste ano, está analisando o recurso de sua administração após tribunais inferiores decidirem que o ex-presidente republicano extrapolou sua autoridade ao impor tarifas abrangentes com base em uma lei federal destinada a emergências.
Uma decisão que derrube o uso que Trump fez da Lei Internacional de Poderes Econômicos de Emergência de 1977 (IEEPA, na sigla em inglês) para impor rapidamente tarifas globais amplas também eliminaria uma de suas ferramentas favoritas para punir países que o irritam em questões políticas não comerciais, que vão desde o processo judicial contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro até as compras indianas de petróleo russo que ajudam a financiar a guerra da Rússia na Ucrânia.
“Por décadas, nosso país tem sido saqueado, pilhado, violentado e explorado por nações próximas e distantes, amigas e inimigas igualmente”, disse Trump ao anunciar, em abril, tarifas recíprocas abrangentes com base nessa lei.
“Recíprocas — isso significa que eles fazem conosco e nós fazemos com eles”, acrescentou Trump.
Trump é o primeiro presidente a invocar essa lei — geralmente usada para aplicar sanções econômicas punitivas a adversários — para impor tarifas. A lei concede ao presidente ampla autoridade para regular vários tipos de transações econômicas quando é declarada uma emergência nacional.
Neste caso, Trump declarou que o déficit comercial de bens dos EUA de US$ 1,2 trilhão em 2024 era uma emergência nacional — embora os Estados Unidos tenham déficits comerciais anuais desde 1975 — e também citou o aumento das overdoses do analgésico fentanil como justificativa.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse esperar que a Suprema Corte mantenha as tarifas baseadas na IEEPA. Mas, se elas forem derrubadas, afirmou em entrevista, a administração simplesmente recorrerá a outras bases legais, como a Seção 122 da Lei de Comércio de 1974, que permite tarifas amplas de até 15% por 150 dias para corrigir desequilíbrios comerciais.
Bessent disse que Trump também pode invocar a Seção 338 da Lei Tarifária de 1930, que autoriza tarifas de até 50% sobre países que discriminam o comércio norte-americano.
“Devem presumir que elas vieram para ficar”, disse Bessent sobre as tarifas de Trump.
“Os países que negociaram acordos de redução tarifária com Trump devem honrar seus compromissos. Aqueles que conseguiram um bom acordo devem mantê-lo”, acrescentou.
Trump já vem usando outras autoridades legais para certas tarifas. Ele vem impondo medidas sob a Seção 232 da Lei de Expansão Comercial de 1962, que envolve preocupações de segurança nacional para proteger setores estratégicos, como automóveis, cobre, semicondutores, farmacêuticos, robótica e aeronaves, bem como sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que trata de práticas comerciais desleais.
“Esta administração considera as tarifas um pilar central da política econômica e empresas e indústrias devem planejar-se de acordo”, disse Tim Brightbill, copresidente da área de direito comercial do escritório Wiley Rein, em Washington.
Poder de negociação
Autoridades do governo Trump destacam as tarifas como instrumento de pressão sobre grandes parceiros comerciais, como o Japão e a União Europeia, para negociar concessões significativas que ajudariam a reduzir o déficit comercial dos EUA, argumentando que essas concessões sobreviverão a qualquer decisão da Suprema Corte.
Os parceiros comerciais dos EUA, porém, não estão esperando a decisão. O Escritório do Representante de Comércio dos EUA anunciou acordos-marco finalizados com Vietnã, Malásia, Tailândia e Camboja, fixando tarifas entre 19% e 20%. A Coreia do Sul concordou com um plano de investimento de US$ 350 bilhões, que garantiu uma tarifa reduzida de 15% sobre carros e outros produtos.
As negociações com a China têm sido mais difíceis, devido à disposição de Pequim em retaliar os EUA e cortar o fornecimento de minerais e ímãs de terras raras, essenciais para a fabricação norte-americana de alta tecnologia, de automóveis a semicondutores.
Em vez de grandes concessões, o governo Trump teve de aceitar uma trégua delicada, com reduções mútuas de tarifas para manter o fluxo desses materiais.
Na Coreia do Sul, na última quinta-feira, Trump concordou, em conversas com o presidente chinês Xi Jinping, em reduzir pela metade as tarifas sobre produtos chineses ligados ao fentanil, para 10%, e adiar por um ano o endurecimento dos controles de exportação de tecnologia, em troca de uma pausa de um ano da China em suas exigências rigorosas de licenciamento para exportações globais de terras raras.
Xi também aceitou retomar as compras de soja americana, suspensas havia meses, enquanto Trump adiou novas taxas portuárias sobre navios ligados à China por um ano.
Receita e investimentos em jogo
Alguns investidores alertam que os mercados financeiros, já acostumados ao status quo das tarifas de Trump, podem entrar em turbulência se a Suprema Corte derrubar as tarifas baseadas na IEEPA.
Um grande motivo de preocupação, especialmente no mercado de dívida do Tesouro, é o risco de ter de devolver mais de US$ 100 bilhões em tarifas arrecadadas sob a IEEPA, além de abrir mão de centenas de bilhões em receita anual.
As tarifas baseadas na IEEPA já representam a maior parte do aumento de US$ 118 bilhões na arrecadação líquida de tarifas no ano fiscal de 2025, encerrado em 30 de setembro. Essa receita ajudou a compensar os crescentes gastos com saúde, Previdência Social, juros e defesa, reduzindo ligeiramente o déficit dos EUA para US$ 1,715 trilhão.
“É um risco significativo de economia política o fato de nos tornarmos viciados na receita tarifária”, disse Ernie Tedeschi, pesquisador sênior do Yale University Budget Lab, acrescentando que isso torna mais difícil para qualquer futura administração reduzir as tarifas.
Recuperar o dinheiro também seria complicado, já que uma reversão tarifária “sem precedentes nessa escala” seria um desafio para o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, afirmou Angela Lewis, chefe global de alfândega da Flexport, empresa de transporte e desembaraço aduaneiro.
A responsabilidade poderia recair sobre os próprios importadores, que teriam de solicitar “correções pós-resumo” junto à agência, um processo confuso que pode levar anos e não valer a pena para empresas menores. Para aquelas que conseguirem reembolso, os contribuintes norte-americanos arcariam com juros anuais de 6%, compostos diariamente.
Inflação e custos
O maior dilema é administrar os custos. Segundo estudos acadêmicos e relatos de executivos, a maioria dos importadores tem absorvido as tarifas, reduzindo margens de lucro, mas evitando repassar os aumentos aos consumidores, o que ajuda a conter os preços e manter a participação de mercado.
Embora isso tenha atenuado o impacto inflacionário até agora, o repasse de custos começa a se ampliar em roupas e outros bens, segundo a Oxford Economics, que estimou que as tarifas adicionaram 0,4 ponto percentual ao Índice de Preços ao Consumidor (CPI) de setembro, que subiu 3,0% em relação ao ano anterior, mantendo a inflação acima da meta do Federal Reserve.
Os lucros corporativos sofreram o maior impacto e empresas globais já contabilizaram mais de US$ 35 bilhões em custos relacionados a tarifas no período que antecede a temporada de resultados do terceiro trimestre.
A OTC, sediada em Ohio, projeta e constrói linhas de produção e sistemas de automação. Em breve, segundo Canady, empresas como a sua terão de “fazer suas apostas” sobre onde transferir a produção para garantir uma base de custos mais sustentável, possivelmente de volta aos EUA para produtos de alto valor e para o México no caso de componentes mais simples.
“Acho que o novo normal será de 15%”, disse Canady sobre as tarifas de Trump, independentemente da base legal usada. “Eles vão chamá-las do que for necessário para que não possam ser contestadas”.