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Tragédia no Rio Grande do Sul e os planos de adaptação às mudanças climáticas

25 maio 2024, 10:00 - atualizado em 25 maio 2024, 10:09
rio grande do sul mudanças climáticas
Para professor da FGV, a catástrofe do Rio Grande do Sul não foi imprevisível na perspectiva regulatória (Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil)

Dada a catástrofe ocorrida nos últimos dias no Rio Grande do Sul, fica evidente a força dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas. Nesse sentido, é de se pensar como minimizar ou até evitar esses desastres.

Para isso, precisa-se observar o instrumento dos Planos de Adaptação. Esses são compromissos de governos em atingir capacidade de adaptação ao clima, levando em consideração a proteção humana, da natureza e da economia, segundo a realidade de cada país.

Esses planos devem ter como foco principal os setores de: água/saneamento; comida/agricultura; ecossistemas; infraestrutura; saúde, cultura e sustento da população.

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O compromisso de Planos de Adaptação está presente tanto no Direito Internacional, como no ordenamento nacional.

Escopo Internacional para adaptação às mudanças climáticas

O Acordo de Paris (internalizado no ordenamento nacional pelo Decreto 9.073/2017), dentro do escopo da UNFCCC prevê os planos de adaptação. No artigo 7 e seus incisos, o texto do acordo prevê que as Partes tracem objetivos de capacidade de adaptação às mudanças climáticas – o Global Goal on Adaptation, o que deve ser feito por meio dos planos de adaptação (National Adaptation Plans – NAPs).

Para isso, na última COP 28 em dezembro de 2023 (CMA 05), as Partes criaram o UAE Framework on Global Climate Resilience, sendo a primeira declaração internacional sobre a necessidade e prioridade de adaptação climática. Esta declaração também tem como meta, guiar o progresso e desenvolvimento das medidas de adaptação.

A despeito dessas iniciativas dentro do Acordo de Paris, o tema de adaptação climática não é novo. Esse tópico já estava presente desde 2001, com o Grupo de países menos desenvolvidos, bem como, com a criação do Comitê de Adaptação criado em 2010 (5 anos antes do acordo de Paris).

Igualmente, a ideia de planos de adaptação já havia sido contemplada na Cancun Adaptation Framework, também em 2010. Portanto, a noção de se criar metas de adaptação às mudanças climáticas já existiam e somente foram reforçadas no Acordo de Paris em 2015.

Com relação à elaboração e desenvolvimento dos planos de adaptação, exigidos no Acordo de Paris desde 2015, na última COP em 2023, as Partes aprovaram o texto do Global Stocktake.

Esse texto foi inédito não somente por contemplar a transição energética gradual para o fim do uso dos combustíveis fósseis, mas também por relatar o estado de cumprimento dos planos de adaptação sendo realizado pelos países signatários. Conforme o Global Stocktake, 140 países estão em processo de elaborar os seus respectivos NAPs, sendo que somente 47 já submeteram e/ou comunicaram os seus NAPs.

No Global Stocktake também ficou estabelecido os prazos de: (i) 2025 para submissão dos NAPs e (ii) até 2030 para iniciar a implementação desses.

Portanto, o tema e a necessidade de endereçar adaptação climática existe há pelo menos uma década no escopo da UNFCCC, sendo repaginada em 2015 e ainda sendo discutida, sem efetiva implementação de NAPs pelas Partes signatárias.

Escopo Nacional e Estadual

Esfera federal

O Brasil submeteu seu Plano Nacional de Adaptação (PNA) em 2016, o qual foi instituído pela Portaria 150 do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Essa obrigação de criar planos nacionais de adaptação está prevista na Política Nacional de Mudanças Climáticas, desde 2009 (Lei Federal 12.187).

O PNA considera 11 setores prioritários, praticamente os mesmos já previstos no Acordo de Paris, mas detalhando melhor a parte de recursos naturais, com menção à biodiversidade, indústria de mineração, e Zonas Costeiras. Importante destacar que o PNA aborda de forma geral o uso de desenvolvimento de políticas públicas.

Apesar do Brasil ter submetido seu Plano Nacional de Adaptação em 2016, este somente teve um relatório de monitoramento da sua implementação em 2017. O PNA não teve nenhuma atualização ou monitoramento desde então.

Mesmo com o Brasil já tendo submetido um PNA para o Secretariado do Acordo de Paris em 2016, atualmente o Congresso Nacional vem debatendo o Projeto de Lei (PL) 4.129/2021, com o propósito de criar um novo plano nacional de adaptação. Esse PL iniciou-se na Câmara dos Deputados (já aprovado na casa) e agora acabou se ser aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado (i.e., 02/2024).

No seu texto atual, se pretende criar um plano nacional com a participação de estados e municípios, bem como com a participação da sociedade civil – haveria governança federativa para metodologias e monitoramento.

Sobre a tramitação de um PL para substituir o PNA atual, deve-se indagar se é necessário. A NDC brasileira não passou por processo legislativo e o próprio Acordo de Paris foi internalizado por um decreto. O processo legislativo pode ser uma via complexa e morosa para um instrumento técnico, como um plano nacional de adaptação.

Dados os prazos do Global Stocktake de 2025 (submissão) e 2030, (implementação) e necessidade de minimizar eventos extremos, seria mais diligente e eficaz efetuar a atualização do plano atual por meio de outro instrumento normativo, como um decreto ou nova portaria do MMA.

Esfera Estadual

O PL 4.129/2021 prevê que haverá a criação dos planos estaduais de adaptação, com seus respectivos prazos de implementação. No que diz respeito aos planos estaduais, alguns estados já elaboraram ou estão em processo de elaboração com seus respectivos planos. São Paulo, por exemplo, vem desenvolvendo o seu Plano Estadual de Resiliência Climática (PEARC), sendo objeto de reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente em 25/10/2023, porém ainda nada concreto.

O Rio Grande do Sul, com base na sua lei estadual de mudanças climáticas (Lei Estadual 13.594/2010), tem o seu plano estratégico de adaptação – Agenda Pró Clima 2050. Essa agenda traça um mapa estratégico para o período 2023-2026, de forma a reduzir as emissões de carbono em 50% até 2030 e enfrentamento das mudanças climáticas.

A Agenda Pró Clima possui 4 eixos centrais: transição energética; redução de emissões; educação ambiental e adaptação e resiliência. É importante destacar que nos três primeiros eixos, o governo gaúcho cita programas estaduais de políticas públicas já existentes (e.g., ABC RS), mas no eixo de adaptação e resiliências climáticas somente menciona que deve ocorrer de “forma transversal e intersetorial”, bem como só informa que o estado “tem capacidade de resposta” para desastres climáticos – não há nada específico para obras preventivas e/ou de contenção para eventos climáticos extremos.

Na esfera federal, também há ausência de um plano de obras de prevenção, emergenciais e/ou de contenção para desastres climáticos, tanto no plano atual de adaptação climática do governo federal, como no PL 4129/2021 atualmente em trâmite no Congresso Nacional – O PNA e PL focam em redução de emissões por meio de políticas e programas públicos, sem contemplar obras de adaptação para eventos climáticos.

Nesse ponto, ao pensar em obras de grande porte, há a figura do licenciamento ambiental. O licenciamento ambiental é um processo administrativo realizado pelos órgãos ambientais competentes (e.g., federal, estaduais e municipais) para instalação, ampliação e operações de empreendimentos que utilizem recursos naturais.

Geralmente, grandes obras públicas também devem passar pelo licenciamento ambiental, especialmente barragens, diques, transposição de bacias hidrográficas, canais para drenagem, embocaduras e canais – obras necessárias para evitar alagamentos e secas, eventos esperados para o futuro. Mas, há exceções com a dispensa do licenciamento ambiental, fundamentada no interesse público e calamidade pública.

A despeito da previsão legal para dispensa de licenciamento em casos de interesse público e obras por calamidade, tal fato não se reflete totalmente na realidade. Hoje, ocorre judicialização de obras públicas para evitar eventos de calamidade, devido falta de estudos e licenciamento ambiental.

Por exemplo, o caso do Projeto de Defesa Litorânea da Praia 13 de Julho em Aracajú, para obras emergências de contenção devido alta das ondas na praia, foi judicializado pelo Ministério Público por não concordar com a Prefeitura de Aracajú da dispensa de licenciamento das obras emergenciais – previsto em lei.

Esse caso teve início no Tribunal Federal da 5 Região em 2016, ainda em aberto, e evidencia insegurança jurídica na dispensa de licenciamento ambiental para obras urgentes e falta de sincronia dos poderes executivos locais com os membros do Ministério Público.

Em um futuro de aumento de eventos climáticos extremos, demandando obras emergenciais rápidas, isso pode ser prejudicial para a segurança pública. Certamente o estado do Rio Grande do Sul irá demandar maior infraestrutura hídrica e obras em grande escala para evitar futuros alagamentos e um cenário de insegurança jurídica acerca da realização dessas obras não é positivo.

Conclusões

No que se refere aos planos nacionais de adaptação climáticos no escopo internacional, fica evidente que já se perseguia a prioridade da elaboração desses planos desde a década passada, sendo um assunto repaginado ao longo do tempo (em especial na COP21), sem grande evolução.

A novidade hoje é o texto do Global Stocktake com a COP 28, em colocar prazo para as Partes do Acordo de Paris submeterem seus planos até 2025, com implementação iniciada até 2030. No escopo nacional, o Brasil submeteu o seu PNA em 2016, com um único monitoramento feito em 2017, não dando continuidade.

Adicionalmente a essa iniciativa, o Congresso Nacional vem discutindo criar um Plano Nacional de Adaptação por lei, com um processo legislativo. Mas, dados os prazos do Acordo de Paris e urgência de medidas de adaptação, essa sobreposição de planos de adaptação, com descontinuidade de iniciativas antigas, parece contraproducente.

Em nível estadual, a agenda dos planos de adaptação está ainda mais atrasada. Vários estados ainda não desenvolverem seus planos, muito menos implementaram medidas efetivas.

O Rio Grande do Sul, em especial, não comtempla obras de contenção, drenagem e etc. apenas menciona que o Rio Grande do Sul tem “capacidade de resposta” no caso de desastres – não contempla evitá-los.

Por fim, no quesito de realizar grandes obras de adaptação climática, o Brasil padece de segurança jurídica. Apesar de previsto em lei, não fica clara a possibilidade real de dispensa de licenciamento ambiental para esses casos, podendo levar a judicialização, bem como desincentivando obras por parte das prefeituras.

Infelizmente, na perspectiva regulatória, a catástrofe do Rio Grande do Sul não foi imprevisível e o Brasil precisa tomar ações concretas normativas e de segurança jurídica para implementar medidas de adaptação e aumento da sua infraestrutura hídrica e hidráulica.

Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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