Trump quer uma Coca-Cola “patriótica” — e o Brasil pode sair ganhando
Donald Trump quer uma Coca-Cola “mais americana”. Na prática, isso significa substituir o xarope de milho de alta frutose — adoçante preferido da indústria por ser mais barato e subsidiado — por açúcar de cana cultivado nos Estados Unidos.
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Mas a ideia, que parece simples no discurso, esbarra em um obstáculo que nenhum decreto presidencial resolve: os EUA não produzem cana-de-açúcar suficiente para abastecer o próprio mercado.
Enquanto o governo americano discute como elevar a produção doméstica, o Brasil mantém a posição de maior exportador de açúcar do mundo, respondendo por cerca de 40% das vendas globais, segundo dados recentes do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Se o novo plano da Coca-Cola sair do papel, é do Brasil que pode vir a matéria-prima para o “refrigerante patriótico” de Trump.
Açúcar, política e marketing
A história começou no início do ano, quando Trump afirmou em sua rede social, a Truth Social, ter “convencido” a Coca-Cola a produzir uma versão de sua bebida com açúcar de cana americano.
A companhia confirmou a iniciativa meses depois, prometendo lançar o novo produto ainda em 2025. Mas a proposta, que parecia simples, logo esbarrou em limitações práticas: a oferta de cana nos EUA é insuficiente.
Em entrevista à Bloomberg News, o diretor financeiro da Coca-Cola, John Murphy, reconheceu as restrições: “Será uma implementação comedida. Há apenas uma quantidade limitada de açúcar de cana disponível nos Estados Unidos.”
Ou seja: o refrigerante “à moda Trump” deve sair do papel, mas de forma gradual e restrita a alguns mercados regionais.
Entre o açúcar e o vidro
Murphy destacou dois gargalos principais: a oferta de açúcar e a capacidade de produção de garrafas de vidro.
Sim, vidro. A Coca-Cola quer replicar o sucesso da “Coca Mexicana”, adoçada com cana e vendida em garrafas de vidro — símbolo nostálgico de “qualidade superior”.

“Se você observar o sucesso da Coca mexicana nos Estados Unidos, verá que é uma combinação do produto e da embalagem. Queremos oferecer essa mesma experiência, mas com açúcar americano”, afirmou Murphy à Bloomberg.
O problema é que a linha de produção de vidro é limitada e diferente da utilizada para latas, enquanto a demanda global por esse tipo de embalagem cresce. Resultado: a Coca-Cola planeja lançar o novo produto em etapas e só depois — possivelmente em 2026 — expandir a distribuição.
O dilema industrial americano
Trump defende um refrigerante “100% americano”, mas o país não tem infraestrutura agrícola nem industrial para sustentar a promessa.
Produtores de milho, que dominam a cadeia de adoçantes nos EUA, já manifestaram preocupação: substituir o xarope por cana poderia reduzir a demanda e afetar um setor protegido por subsídios há décadas.
Enquanto isso, o Brasil observa de camarote. Para que toda a produção norte-americana de Coca-Cola seja adoçada com açúcar de cana, será preciso importar. E é nesse cenário que o agronegócio brasileiro pode sair ganhando.
Não seria a primeira vez que uma decisão política em Washington impulsionasse o setor agrícola do Brasil. Hoje, o país responde por cerca de 50% das exportações globais de açúcar, com clima favorável, tecnologia consolidada e escala industrial.
Na B3, empresas como Raízen (RAIZ4) e São Martinho (SMTO3) acompanham de perto o movimento. Um aumento da demanda internacional pode pressionar os preços da commodity e beneficiar as exportadoras brasileiras.
Em contrapartida, a sobretaxa de 50% imposta por Trump ao açúcar brasileiro continua sendo um entrave para essa equação fechar.
Contexto de mercado
Enquanto Trump fala em açúcar, o negócio da Coca-Cola segue em outra direção:
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As vendas da Coca Zero cresceram 14% globalmente no terceiro trimestre;
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A empresa amplia sua presença em bebidas consideradas mais saudáveis, como Smartwater e BodyArmor;
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As ações da Coca-Cola (KO) subiram mais de 3% após o último balanço, impulsionadas pelo desempenho do portfólio sem açúcar.
Ou seja, a empresa pode até seguir o jogo político de Trump — mas seu foco real está em capturar o consumidor que quer beber sem culpa.