Thinking outside the box

Um ano de invasão russa: Para onde estamos indo?

24 fev 2023, 20:28 - atualizado em 27 fev 2023, 11:17
Ucrânia
Hoje, mais de 40% dos entrevistados, segundo a mesma pesquisa, creem que a guerra vai durar mais de um ano (Imagem: REUTERS/Marko Djurica)

O dia 24 de fevereiro marca um ano da invasão russa ao território ucraniano.

Para um conflito que todos pensavam já ter um ganhador claro, o trajeto até aqui se provou uma grande frustração para os russos, diante da resiliência dos ucranianos e da represália internacional.

Imaginava-se que seria fácil como na Crimeia, em 2014, mas as coisas nitidamente não foram por este caminho.

Como podemos ver abaixo, os próximos russos, que de início pensavam em sua maioria (quase 60%) que o conflito duraria menos de seis meses (linha preta), passam agora a entender o processo como algo mais duradouro.

Hoje, mais de 40% dos entrevistados, segundo a mesma pesquisa, creem que a guerra vai durar mais de um ano. Em outras palavras, é uma realidade que veio para ficar.

Tabela

Podemos enumerar diversos motivos para a escalada da guerra, mas talvez um dos mais relevantes seja a influência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Leste Europeu.

Ainda mais profundo do que isso, é possível pontuar a resistência da atual liderança russa à expansão democrática que o mundo passou ao longo dos últimos 20 anos (Geórgia, em 2003, Ucrânia, em 2004, e a Primavera Árabe, em 2011).

A questão é polêmica é complexa.

Independentemente de qual tenha sido o objetivo inicial, invadir a Ucrânia não só revigorou a aliança militar do Ocidente, a qual todos entendiam como cada vez mais escanteada desde a Queda do Muro de Berlim, como também promoveu a sua expansão para o norte – a Suécia e a Finlândia devem começar a integrar a Otan ainda em 2023, o que seria um golpe avassalador sobre Putin.

Como disse o presidente norte-americano, Joe Biden, que visitou inesperadamente a capital ucraniana recentemente, quando Putin lançou seu ataque, ele imaginou lidar com uma Ucrânia fraca e um Ocidente dividido, mas o presidente russo estava redondamente enganado.

No final, acabou colocando-se em uma posição de desvantagem, sangrou a economia de seu próprio país e se tornou refém (dependente) da China.

Aliás, permita-me ir além.

Durante décadas, países ao redor do mundo reduziram seus exércitos terrestres e cortaram gastos com armamento, certos de que outra grande guerra terrestre era improvável na era moderna. A ideia central era de que qualquer conflito seria de alta tecnologia e direcionado.

Com isso, os soldados estariam, ao invés de armados, debruçados sobre teclados a milhares de quilômetros de distância.

A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, porém, mudou rapidamente esse pensamento; afinal, se trata da primeira guerra tradicional em território europeu desde a Segunda Guerra.

Agora, o que estamos vendo é uma rápida reavaliação não apenas da necessidade de aumentar os gastos com defesa, mas de qual armamento é necessário (diferentes tipos de armas, projéteis e drones).

Além das armas, deu aos exércitos globalmente muito o que refletir sobre o que deu certo para a Ucrânia e o que deu errado para a Rússia – hoje, os ucranianos passam a desfrutar das conquistas de seu aprendizado bem-sucedido em tempo real, enquanto a Rússia começa a evitar alguns dos erros inicialmente cometidos. Isso inclui linhas de abastecimento, estruturas de comando e controle, coleta e entrega de inteligência.

Aconteça o que acontecer, o incidente abalou o cenário de segurança tanto para os vizinhos próximos da Ucrânia quanto para os países mais distantes, de uma forma que teremos reverberações por muitos anos, aprofundando provavelmente o processo de desglobalização parcial e regionalização do mundo, com os países se juntando em novas alianças e se alinhando em prol de segurança, não mais eficiente das cadeias, como foi nas últimas décadas.

Inclusive, os membros da Otan precisam aumentar seus gastos com defesa urgentemente. Essa foi a mensagem que a cúpula com os ministros da Defesa dos Estados membros quis passar para o mundo em seu último encontro.

Para ilustrar a origem dessa preocupação, basta avaliar a época da invasão da Crimeia pela Rússia, em 2014, quando os países da Otan se comprometeram a aumentar seus respectivos gastos com defesa para 2% do produto interno bruto.

Mesmo com o compromisso, embora muitos tenham aumentado seus gastos com equipamento militar e treinamento, a maioria dos estados da Otan ainda fica aquém do limite de 2% – isso incluía Alemanha, França, Itália e Canadá (lembre-se que Trump tinha o hábito de criticar os membros da organização, principalmente a Alemanha, por não pagarem sua parte devida, conforme acordado).

Os EUA, por outro lado, gastam 3,47% do PIB em defesa.

Podemos comparar como as coisas estavam em 2014 e como elas evoluíram até aqui por meio dos gráficos a seguir. Note como os EUA destoam muito dos demais players que compõem a aliança militar.

Enquanto isso, a Finlândia e a Suécia, ambas competindo pela entrada no bloco, gastam respectivamente 2% e 1,3% do PIB em defesa (Finlândia está mais próxima de entrar).

Dessa forma, enquanto a guerra devasta mais uma vez parte do território europeu e as tensões com a China aumentam (clique aqui para conferir o que escrevi sobre o tema recentemente), a meta anteriormente estipulada de 2% da Otan deve ser vista como o piso e não mais como o teto.

Adicionalmente, não custa lembrar que isso tudo acontece enquanto estamos vivendo o momento no qual as taxas de juros e a inflação são extremamente relevantes.

Por exemplo, há mais de um ano, estávamos com uma taxa zero nos EUA, sendo que terminamos o ano passado caminhando para 5% de juro, enquanto pensávamos inicialmente que seria de apenas 1%.

Todo o mundo passa hoje por uma política contracionista dura, diferente dos últimos 10 anos.

O momento é paradigmático. Depois de muito tempo com juros negativos, se acumularam pressões inflacionárias completamente inesperadas: a pandemia, o pós-pandemia e a guerra na Ucrânia.

Os choques que vivemos recentemente devem moldar um pouco a forma como vemos o mundo daqui para a frente, com mais inflação e, consequentemente, mais juros – um boom de Capex por conta de novas cadeias de suprimentos. Um novo equilíbrio macroeconômico.

Dito de outra maneira, meu entendimento é que as novas questões geopolíticas vão gerar inflação persistente e forte por muito tempo, resultado do processo de “reshoring” do Ocidente, em especial dos EUA, que não querem mais depender da China e de seus aliados (a Rússia, por exemplo) — o “reshoring” traz de volta a produção para o país de origem, assim como também a posiciona em países mais próximos e considerados amigos, como o Brasil e o México.

Breve parêntese um rápido comentário. O processo coloca a nossa nação em uma posição peculiar, uma vez que China e EUA são nossos dois principais parceiros econômicos. Em suma, o Brasil surge como uma potência neutra para servir de pivô nessa relação, ao menos no que nos cabe.

Voltando ao assunto, a continuidade da guerra rompe cada vez mais as relações do Oriente com o Ocidente, que vai gerar pressão inflacionária persistente, mesmo que diluída no tempo, ao passo em que constrói suas novas estruturas regionalizadas. Bem-vindos à nova realidade do mundo dos investimentos.

Os vencedores em breve serão revelados, se afastando possivelmente dos vencedores da última década.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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