Um conto de Black Friday: a saga da data que reinventou o varejo nacional
A Black Friday surgiu como um daqueles rituais típicos da cultura norte-americana: vias congestionadas, vitrines tomadas por anúncios chamativos e consumidores dispostos a enfrentar horas de espera em troca de uma boa oferta. Um ambiente que, se Charles Dickens ainda estivesse por aqui, talvez dissesse mais sobre os fantasmas do consumo contemporâneo do que sobre o Natal vitoriano eternizado em Um Conto de Natal.
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Mas, assim como o velho Scrooge precisou encarar seus espectros para mudar de vida, o varejo brasileiro também passou por sua própria travessia — e a Black Friday foi o “fantasma” que bateu à porta decidido a alterar definitivamente a lógica das promoções no país.
O ponto de partida: um dia para liquidar estoques
O termo “Black Friday” apareceu pela primeira vez nos anos 1950, na Filadélfia. Policiais e jornalistas usavam a expressão para descrever o caos no trânsito logo após o feriado de Ação de Graças, quando multidões invadiam o centro em busca das ofertas do sábado seguinte.
É o primeiro capítulo dessa história: uma sexta-feira tão tumultuada que precisou ganhar nome próprio.
A transformação da data em evento comercial veio na década de 1960, sempre no dia seguinte ao Thanksgiving.
Nos anos 1980, consolidou-se o modelo atual: uma grande liquidação nacional. E, ao contrário de qualquer metáfora romântica de Dickens, a razão era prática:
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estoques de Natal precisavam de espaço;
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novas linhas já estavam prontas para chegar às lojas;
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coleções antigas precisavam girar rapidamente.
O objetivo era direto: transformar mercadorias paradas em fluxo de caixa.
Scrooge, sem dúvida, aprovaria.
Quando o caixa “fica no preto”
Outra explicação recorrente entre historiadores do varejo é que, por muito tempo, lojistas americanos operavam “no vermelho” até novembro — e era na sexta-feira pós-Thanksgiving que o faturamento finalmente virava para o “preto”, indicando lucro.
Um detalhe cultural: enquanto no Brasil a cor que representa saldo positivo é o azul, nas economias anglófonas é o preto que simboliza contas saudáveis.
A chegada da Black Friday ao Brasil
Por aqui, a Black Friday começou a se estruturar no fim dos anos 2000, oficialmente em 2010 e limitada ao ambiente digital. E, tal qual o personagem de Dickens, desembarcou sob desconfiança.
As primeiras edições foram marcadas por preços artificialmente reajustados antes das ofertas, pelo famoso “metade do dobro” e por consumidores frustrados com promoções enganosas.
A pressão de consumidores, Procon e Reclame Aqui obrigou varejistas a reverem práticas, criar auditorias e profissionalizar operações. Não por altruísmo — por necessidade.
O ponto de inflexão com os grandes players
A virada aconteceu quando os gigantes do varejo passaram a disputar terreno:
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avanço agressivo da Amazon;
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expansão acelerada do Mercado Livre;
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fortalecimento de Magazine Luiza e Casas Bahia;
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chegada das plataformas asiáticas, como Shopee, Shein e Temu.
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Com o amadurecimento da data, o setor precisou adotar novas estratégias: planejamento refinado de estoque, uso de cashback, lives de ofertas e campanhas diluídas ao longo de todo novembro.
Em poucos anos, a Black Friday deixou de ser um simples dia de promoções e passou a fazer parte do imaginário brasileiro — evoluindo continuamente, impulsionada pelo 11.11 chinês e pelo uso de inteligência artificial (IA) para monitorar preços e oportunidades em tempo real.