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Venda antecipada de créditos de carbono: O caso Pará e os limites jurídicos no Brasil

20 maio 2025, 12:47 - atualizado em 20 maio 2025, 12:50
Créditos de carbono mercados (1)
(iStock.com/EyeEm Mobile GmbH)

A assinatura do contrato entre o Estado do Pará e a Coalizão LEAF, em 2024, para comercialização de créditos de carbono do tipo REDD+ jurisdicional, reacendeu um debate jurídico e regulatório ainda pouco sedimentado no Brasil: o que, de fato, caracteriza uma venda antecipada de créditos de carbono?

Essa dúvida não é trivial. O Ministério Público Federal (MPF), em recomendação emitida em abril de 2025, sugeriu a anulação do acordo por entender que o instrumento violaria a vedação expressa da Lei 15.042/2024, que proíbe a venda antecipada de créditos de programas REDD+ em nível estadual ou federal. Mas o cenário é bem mais complexo do que a simples presença de um preço definido

A Lei 15.042/2024, que estabelece as bases do mercado regulado de carbono brasileiro, proíbe a comercialização de créditos de carbono antes de sua verificação. O artigo 43, § 6º, inciso I, veda expressamente a venda antecipada de créditos jurisdicionais. No entanto, o inciso II do mesmo parágrafo permite contratos que fixem condições comerciais para uma venda futura — desde que os créditos estejam lastreados em reduções de emissões verificadas.

Na prática, isso cria uma zona cinzenta regulatória. Contratos podem prever condições futuras de compra e venda, incluindo preço e volume, mas não podem gerar obrigação de entrega sem que os créditos estejam validados por uma certificadora ou por órgão público responsável. Essa distinção é central para o caso do Pará.

O contrato firmado com a LEAF estipula um valor fixo por tonelada de carbono (US$ 15), mas só autoriza o pagamento e a entrega após a verificação dos resultados, por meio de metodologia reconhecida internacionalmente — o padrão ART-TREES.

O MPF, por outro lado, argumenta que a fixação prévia do preço e o compromisso contratual de compra configuram venda antecipada, mesmo que não haja transferência imediata dos créditos ou pagamento antecipado. A jurisprudência nacional, especialmente em contratos agrícolas como a Cédula de Produto Rural (CPR), mostra que o elemento definidor da venda antecipada é a presença de um preço fixo ou determinável vinculado a um bem futuro.

Entretanto, essas decisões também reconhecem que contratos com cláusula suspensiva — ou seja, que subordinam a obrigação à ocorrência de um evento futuro e incerto — não geram efeitos até que esse evento se concretize. No caso dos créditos de carbono, esse evento é a verificação.

Outro ponto relevante na argumentação do MPF é a tentativa de classificar os créditos de carbono como commodities. Essa interpretação, no entanto, encontra resistência. Commodities são bens fungíveis, com liquidez imediata, cotação pública e disponibilidade plena — características que não se aplicam aos créditos REDD+ jurisdicionais, cuja existência depende da comprovação técnica de que determinada área evitou o desmatamento ou a degradação florestal.

Sem verificação, não há ativo. Portanto, os créditos ainda inexistentes não podem ser juridicamente tratados como mercadoria disponível.

A Coalizão LEAF, por sua vez, adota sistematicamente a cláusula suspensiva em seus contratos ERPA (Emission Reduction Purchase Agreements). A transferência de titularidade e o pagamento estão condicionados à verificação das reduções de emissões por organismos independentes.

Isso não é uma exceção brasileira — na verdade, é o padrão internacional para contratos envolvendo REDD+ jurisdicional. A Costa Rica, por exemplo, firmou acordos semelhantes com a própria LEAF e outros fundos multilaterais, com precificação prévia e cláusulas de verificação obrigatória. Lá, a legislação não proíbe a venda antecipada, mas exige verificação rigorosa.

A peculiaridade brasileira é justamente a vedação expressa da venda antecipada na sua legislação. Isso exige que os contratos sejam desenhados com extremo cuidado, para garantir que não haja qualquer obrigação firme de entrega sem a correspondente verificação.

No caso do Pará, os termos do contrato incluem a cláusula suspensiva, o que indica conformidade com o artigo 125 do Código Civil, ao afirmar que a eficácia do negócio jurídico a evento futuro e incerto, não se produz o efeito enquanto não ocorrer a condição combinada.

Uma argumentação que também pode ser é que a assinatura do contrato entre LEAF e Pará ocorreu antes da vigência da Lei 15.042, portanto, afastando os efeitos da lei superveniente.

Entretanto, essa linha de raciocínio é frágil. Incialmente, porque a própria minuta do contrato (não assinada) disponibilizada ao público, contempla a possibilidade de lei nova no tema, inclusive podendo levar a inadimplência das obrigações combinadas.

Igualmente, essa linha de argumentação pode pôr em xeque a credibilidade do contrato assinado, ao parecer que por estar assinado antes da vigência da Lei 15.042, não se importaria com as preocupações da Lei e verificação dos créditos – impressão negativa e desnecessária perante o Poder Público e a população.

Por fim, essa questão não está exclusivamente fechada no Pará, se trata de uma dúvida que pode ocorrer com todos os estados interessados em elaborar programas de REDD+ Jurisdicionais.

A importância da discussão no mercado de créditos de carbono

O que está em jogo, portanto, não é apenas um contrato específico, mas a interpretação de um modelo jurídico e regulatório ainda em construção tanto no Brasil, como no mundo. A recomendação do MPF revela preocupação legítima com a integridade do sistema, mas também sugere uma leitura restritiva que pode gerar insegurança jurídica em um mercado incipiente.

Se a fixação de preço por si só for considerada infração, mesmo em contratos condicionados, o resultado poderá ser a retração de investimentos em projetos florestais sustentáveis.

A solução passa por uma interpretação técnica e jurídica mais refinada. O Brasil, ao liderar a regulação do mercado de carbono, precisa oferecer segurança jurídica sem renunciar à integridade ambiental.

Contratos futuros devem explicitar cláusulas suspensivas, prever verificação independente, limitar a exigibilidade de obrigações e, se possível, optar por precificação variável, evitando o risco de enquadramento automático como venda antecipada.

Em síntese, o caso do Pará exemplifica os desafios da implementação da Lei 15.042/2024. A negociação de créditos REDD+ requer contratos sofisticados, capazes de atender às exigências legais sem comprometer a atratividade econômica do projeto. O equilíbrio entre rigor ambiental e viabilidade jurídica será decisivo para que o Brasil avance como protagonista no mercado global de carbono.

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Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado. Professor e pesquisador do FGV Agro e FGV Bioeconomia. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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