Coluna da Tatiana Sendin

Você ou o trabalho: O que é mais importante para você, no fim de tudo?

26 abr 2024, 12:33 - atualizado em 26 abr 2024, 12:33
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“Na ânsia de sermos ‘perfeitos’, de perseguirmos a superação, damos mais importância à nossa capacidade de batalha do que ao nosso bem-estar”, alerta Tatiana Sendin (Imagem: Pixabay/ Geralt)

Fui diagnosticada com uma estranha e rara doença em 2017. Ela dá uma vez ao ano, tem data e hora para começar, e atinge menos de 1% da população mundial.

A cefaleia em salvas é um dos vários tipos de dores de cabeça que existem. Ela acontece na transição das estações quentes ou frias, e vem em “salvas”, em conjunto. As crises podem ser diárias, sempre no mesmo horário, e mais de uma por dia. E desaparecem depois de três meses. A dor é considerada uma das piores da humanidade, por isso recebe o apelido de “dor de cabeça suicida”. A sensação varia entre uma faca cravada no topo do crânio e lava de vulcão injetada nas veias do cérebro. Inspirar dói.

Nos piores momentos, fui parar no hospital e tomei remédios cada vez mais fortes que me fizeram sair do pronto-socorro de cadeira de rodas. Em nenhum momento, deixei a cefaleia em salvas prejudicar minhas entregas no trabalho. Até pouco tempo atrás, eu dizia isso com muito orgulho. Hoje, questiono essa cultura do “trabalhe primeiro”.

Mais de 2,5 milhões de brasileiros foram afastados do serviço por motivos de saúde em 2023, segundo os últimos dados do Ministério da Previdência Social. São casos de pessoas que chegaram a uma condição extrema, impossibilitadas de exercer suas tarefas por um período superior a 15 dias. Mas o que acontece nesse meio tempo? Quantos dias elas não sofreram trabalhando até seu corpo dizer basta? E quantos trabalhadores não vão para o emprego doentes com medo de perder o ganha-pão?

Saúde x trabalho: Você tem medo de parecer descomprometido?

Um estudo mostra que 71% dos funcionários no Reino Unido já trabalharam com a saúde comprometida. Os principais problemas estavam ligados a condições musculoesqueléticas, doenças emocionais e má qualidade do sono. Outra pesquisa apontava que, em 2021, com o trabalho remoto, dois em cada três americanos ficavam desconfortáveis em parar um dia, mesmo que estivessem se sentindo mal.

A situação é complexa e precisa ser avaliada de dois lados, do pessoal e do profissional.

Primeiro, ninguém quer ficar doente. Toda doença desperta em nós a sensação de vulnerabilidade e fraqueza. Ficamos expostos às ameaças do meio ambiente, somos presas fáceis para os predadores. Ainda que a gente viva em cidades, nosso cérebro reptiliano, a área responsável por nos fazer correr numa situação de ameaça, nos força a reagir. O resultado, na maioria das vezes, é de não reconhecermos o quão mal estamos.

O esforço é para nos recuperarmos rapidamente. Na ânsia de sermos “perfeitos”, de perseguirmos a superação, damos mais importância à nossa capacidade de batalha do que ao nosso bem-estar. No mundo do trabalho, isso é táctica de sobrevivência.

O que leva à reflexão do segundo ponto: nosso “eu profissional”.

Minhas crises de cefaleia em salva são horríveis. Numa escala de 0 a 10, classificaria a dor como 15. Os ataques ocorrem de madrugada. Por muitos anos, a única forma de interrompê-los era engolindo um comprimido que demorava ao menos 30 minutos para fazer efeito, quando fazia.

Depois, comecei um tratamento com oxigênio, um pouco mais eficaz, mas que também não me poupava dos intermináveis minutos de agonia. Apesar da madrugada caótica, no dia seguinte estava trabalhando. Talvez tenha perdido uma ou outra reunião marcada para o período da manhã, mas nunca deixei de entregar nenhum projeto. Trabalhava exausta – pela dor e pelos remédios –, mas trabalhava.

O principal receio das pessoas que trabalham doentes, segundo 74% dos entrevistados em uma pesquisa no Reino Unido, é que a ausência poderia prejudicar sua progressão na carreira. Muitos temem ser vistos como descomprometidos, ineficientes, incompetentes e irresponsáveis, especialmente quando há sobrecarga de tarefa.

Enquanto, por outro lado, manter a rotina profissional quando não se está bem é sinal de comprometimento, de profissionalismo. Quase 60% dos americanos que trabalharam doentes no home office acreditam que isso aumentou sua credibilidade com os colegas de firma. Claro que nenhuma dessas regras está escrita, mas é o que a maioria se impõe.

Saúde x trabalho: Aguentar firme não significa gerar bons resultados

Vale lembrar que estar presente no emprego não significa estar produzindo. Uma pesquisa da Think Work de 2023 indica que, em média, a produtividade dos profissionais caiu pelo menos 4%, o equivalente a quase 7 dias úteis, em 3 meses, por causa de problemas ligados à saúde física e mental.

Entre os respondentes que afirmavam se sentir mal todos os dias (1%), sua capacidade produtiva foi reduzida pela metade ou mais em 49 dos 90 dias, e eles deixaram de realizar alguma atividade doméstica em 41 dias.

Essas perdas sociais, familiares e profissionais só pioram o sentimento de mal-estar. A pessoa, já fragilizada, começa a se sentir culpada pelo impacto de sua condição nos outros. Pesam a tarefa que será entregue algumas horas depois do combinado, o evento familiar que precisa ser cancelado, ou, nos casos mais graves, o efeito da própria condição na vida familiar. Quantas vezes meu marido não cuidou de mim durante as crises e, mesmo sem dormir, teve de ir para o escritório normalmente, porque não existe folga para acompanhante de doente.

O que prevalece é sempre a cultura de que o trabalho deve ser prioridade, mesmo sabendo que manter o ritmo enquanto se está mal prejudica a recuperação e faz o quadro se arrastar por mais tempo. Os casos extremos chegam ao INSS.

O fato é que lidar com uma doença, qualquer uma, já é desafiador o bastante. Se você não tem um chefe que te apoia, que assegura que está tudo bem, de forma genuína, esse medo só piora.

Certa vez, após ter passado mal na rua e por pouco não ter conseguido chegar em casa, avisei na empresa que ficaria remotamente aquele dia. No dia seguinte, a chefe perguntou o que eu tinha e quanto tempo duraria. “Três meses”, respondi. Ela virou as costas e saiu, sem dar uma palavra. Não me deu tempo de explicar que o período de salvas dura três meses, não as crises; e que, mesmo assim, eu estaria no trabalho todos os dias cumprindo minhas obrigações. Me senti péssima.

Você ou o trabalho: o que é mais importante para você?

Trabalho e doença sempre caminharam juntos. Em um ano de estresse extremo no emprego, minhas crises pioraram. Chegaram a ocorrer duas vezes no ano, o dobro do padrão. Nas consultas, meu médico perguntava: Como vamos reduzir esse seu nível de estresse no trabalho? A resposta era óbvia – mudar de emprego. Mas eu amava o que fazia, mesmo aquilo estando me fazendo tão mal.

Hoje, em New York, tenho acesso a remédios que não tinha no Brasil, inclusive uma injeção que corta o ataque da cefaleia em salvas em 4 minutos. No ano passado, testei uma nova injeção que agiria de forma preventiva. Pela primeira vez, em mais de uma década, não tive dor.

Contudo, chegamos novamente ao período das crises. A doença, este ano, se antecipou em algumas semanas e a injeção preventiva ainda não atingiu seu efeito. Os ataques quase diários me obrigam a ser vigilante com a saúde, buscando regular o horário de dormir, comer bem, fazer exercícios, ter intervalos, estipular uma hora de parar e manter o estresse do trabalho sob controle. Me forço para reduzir a velocidade.

Nós devemos respeitar nosso corpo. Nenhum emprego deve ser mais sagrado do que nossa saúde. Nenhuma empresa vai deixar de existir por algo ser entregue algumas horas depois. Mas seu corpo pode não aguentar tantas necessidades sendo adiadas. Não deixe de almoçar, de tomar água, de praticar atividade física por causa do serviço. Empregos são passageiros, na jornada da vida. As consequências do seu estilo de vida você carrega até a hora de partir.

A cultura do “trabalho primeiro” não é saudável. Deveríamos adotar a cultura do “eu primeiro”.

Tatiana Sendin é fundadora e CEO da Think Work. Jornalista especializada em negócios e recursos humanos, nos últimos 20 anos, tem escrito sobre carreira, mercado de trabalho, gestão de pessoas, empreendedorismo e tecnologia.
Tatiana Sendin é fundadora e CEO da Think Work. Jornalista especializada em negócios e recursos humanos, nos últimos 20 anos, tem escrito sobre carreira, mercado de trabalho, gestão de pessoas, empreendedorismo e tecnologia.
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