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REDD+ e CRAM: Os avanços para o mercado regulado de carbono do Brasil em 2024

17 jan 2024, 16:04 - atualizado em 17 jan 2024, 16:04
mercado de carbono agronegócio
O produtor rural poderá de forma voluntária emitir créditos e ofertá-los para o mercado regulado de carbono(Foto: Pixabay)

Em 2024, inúmeros avanços devem ocorrer na agenda de regulação ambiental. No ano passado, iniciaram-se várias iniciativas, tanto nacionais como internacionais, de criação e implementação de novas regras e procedimentos de preservação ambiental na economia, comércio exterior e produção agropecuária.

No escopo nacional, o grande destaque de 2024 será a criação do mercado de carbono regulado brasileiro – o Sistema Brasileiro de Comércio de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Desde 2023, esse tema vem sendo fortemente debatido e votado no Congresso Nacional. Um texto base já havia sido aprovado no Senado Federal, em 04/10/2023, com o Projeto de Lei 412/2022.

Neste texto, dentre os vários dispositivos elaborados pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, é importante destacar que os senadores votaram pela:

  1. Isenção das atividades agropecuárias da obrigatoriedade de participar do mercado de carbono;
  2. Fontes que emitam acima de 25 mil toneladas por ano devem mitigar as suas emissões via mercado;
  3. Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL) sejam elegíveis para emissão de créditos.

Sobre a isenção do agro do mercado de carbono, os senadores justificaram que devido heterogeneidade das cadeias de produção e complexidade de inventário de emissão, bem como de metodologias, o produtor rural não é obrigado a mitigar as suas emissões via mercado de carbono – isso seria mais adequado com a adoção de boas práticas agrícolas.

A título de direito comparado, o European Emission Trading System – EU-ETS (Diretiva 2003/87) também excluí as atividades agropecuárias, sendo obrigatório somente as para atividades industriais.

O produtor rural poderá de forma voluntária emitir créditos e ofertá-los para o mercado regulado com a APP e RL, algo que vai de alinhamento com o Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012) e com a Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei Federal 14.119/2021), os quais permitem o uso dessas áreas para mecanismos de marcado.

Agora, seguindo o trâmite do processo legislativo, o texto foi encaminhado para Câmara dos Deputados (i.e., casa revisora), apensado ao PL 2.148/2015 da casa e aprovado pelo plenário em 27/12.2023. Nisso, os deputados adicionaram e alteraram o texto vindo do Senado em alguns pontos.

As principais mudanças para o mercado de carbono

A principal alteração do texto ocorreu na incorporação de dispositivos sobre o uso REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.). O REDD+ é um crédito de carbono oriundo exclusivamente de desmatamento evitado.

Este tema estava completamente omisso no texto inicial dos senadores, sendo inclusive cobrado por setores da sociedade, como terceiro setor e Ministério Público Federal.

Os dispositivos agora adicionados, teoricamente, restringem o uso do REDD+, estabelecendo que este somente pode ser convertido em créditos de carbono do mercado nacional caso a sua adicionalidade e não dupla contagem sejam comprovados (PL 2.148/2015, art. 42). Deve-se destacar que hoje o REDD+ constitui grande parte dos créditos de carbono negociados no mercado voluntário no Brasil.

A adicionalidade é uma exigência dentro do contexto do mercado de carbono presente no Protocolo de Quioto, para testar que a redução de emissões de gases de efeitos estufa (GEE) sejam adicionais as que ocorreriam na ausência de uma atividade humana sendo realizada (i.e., “extra” na preservação ambiental causada pela ação humana).

Ou seja, para converter um REDD+ já emitido no mercado voluntário em crédito de carbono do mercado nacional (Certificado de Redução Verificada de Emissões – CRVE), o proponente deverá comprovar tecnicamente a sua eficácia em evitar o desmatamento e mitigação de GEE.

Nesse sentido, deve-se lembrar que em 2023 houve várias dúvidas sobre os créditos de REDD+, especialmente os emitidos pela certificadora VERRA.

Em reportagem do The Guardian, com base em estudos realizados pela Universidade de Cambridge , questionaram-se os procedimentos da VERRA para aprovação de projetos de REDD+, no sentido de que os créditos emitidos não correspondiam ao desmatamento de fato evitado em florestas– não haveria adicionalidade, bem com falta de transparência por parte das empresas proponentes de projetos e a certificadora.

Dado esse contexto, esse controle restritivo e exigências relacionadas à comprovação de adicionalidade colocada no texto pelos deputados, faz sentido.

Estrutura de governança

Outro importante ponto de alteração foi sobre a estrutura de governança do futuro mercado de carbono. Os deputados complementaram o texto vindo do Senado, o qual continha a governança completamente omissa, principalmente ausência de descrição da composição do Órgão Gestor e do Comitê Interministerial – havia somente as prerrogativas de cada, mas nada descrevendo a formação, criação de regulamentos e forma de operacionalização desses órgãos.

Assim, no texto da Câmara houve detalhamento da composição do Conselho Interministerial, agora teoricamente denominado de Órgão Superior, listando os diversos ministérios que farão parte do SBCE, como: Casa Civil; Meio Ambiente; Indústria; Ciências e Tecnologia; Agricultura; Relações Exteriores; Gestão e Inovação e o novo Ministério de Povos Indígenas. O Órgão Superior poderá criar Câmaras temáticas e Setoriais para abordar temas específicos e mais técnicos.

Sobre o Órgão Gestor, de extrema importância, uma vez que é o braço executor do SBCE, criando os Planos de Alocação de créditos e credenciamento de metodologias para projetos, os deputados acrescentaram alguns dispositivos, dado que o texto do Senado era muito falho neste ponto.

Agora foi previsto que o Órgão Gestor será regido pela Lei de Agências Reguladoras e que a suas decisões deverão seguir diretrizes do Órgão Superior. Mas, a sua composição e maiores detalhes do seu funcionamento continuam omissos.

Por fim, o texto aprovado na Câmara esclarece os direitos de propriedade dos créditos de carbono. Fica definido que a titularidade do crédito é do gerador do projeto (poderá ser averbado na matrícula do imóvel), igualmente que o crédito é valor mobiliário e pode ser objeto de negociação contratual, cessão, financiamentos e certificados recebíveis – o Certificado de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAM).

Também fica definido o direito de propriedade de créditos de carbono gerados pela União, Estados e Municípios em áreas de Unidades de Conservação e terras devolutas.

Em suma, a despeito dos deputados terem adicionado esses pontos e o texto ter ficado mais completo que o anteriormente apresentado pelo Senado, a descrição da estrutura de governança continua falha, algo essencial para o funcionamento de um mercado sólido, transparente e saudável.

Dito isso, haverá necessidade de regulamentação infralegal posterior, com o desenho de diversas normativas, tanto administrativas, quanto técnicas, especialmente no quesito de metodologias de clima tropical, algo vital para o Brasil.

Como os deputados alteraram o texto do Senado Federal, agora o PL retorna para a casa iniciadora para que os Senadores possam avaliar tais mudanças em nova votação, visando a sua aprovação final em lei.

A aprovação da lei do mercado de carbono regulado brasileiro é um grande passo dado, mas somente o primeiro de uma caminhada para que esse sistema esteja completamente operacional.

Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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