Coluna do Beto Assad

100 dias de Lula: Uma montanha russa no curto prazo; veja a direção dos investimentos em 2023

10 abr 2023, 11:06 - atualizado em 10 abr 2023, 11:08
Lula
100 dias de Lula:  Dúvida de investidores é se o novo arcabouço fiscal vai efetivamente levar o país para o caminho do progresso. (Imagem: Agência Brasil/ Marcelo Camargo)

O terceiro mandato do presidente Lula completa os primeiros 100 dias nesta segunda-feira (10).  Claro que o período é muito curto para avaliar qualquer gestão com foco no longo prazo, principalmente quando falamos exclusivamente do ponto de vista da economia.

Mas não dá para negar o excesso de turbulência que vimos na área econômica neste primeiro trimestre. E parte da culpa vem do posicionamento do planalto central.

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Quando olhamos o primeiro trimestre do ano, podemos ver momentos distintos. Primeiramente, tivemos a reta final das eleições e a primeira quinzena de janeiro.

Nas últimas semanas que antecederam o segundo turno das eleições, muitos economistas e banqueiros defendiam a candidatura de Lula. A maioria deles apontava o radicalismo de Bolsonaro como um ponto negativo, além das inúmeras afirmações de que o então presidente era uma ameaça à democracia.

Outro ponto que contava a favor do ex-presidente foi sua atuação no primeiro mandato, muito mais conservadora do que se esperava à época. Mesmo com discursos de Lula muito mais “à esquerda” durante a campanha contra Bolsonaro, o mercado preferiu acreditar numa gestão mais ortodoxa no quesito economia.

Isso fez com que a bolsa brasileira reagisse bem à vitória de Lula, e começasse o ano de 2023 em terreno positivo.

O Ibovespa, principal índice da B3, começou o ano caindo 5% nos dois primeiros pregões do ano, mas se recuperou e subiu 3,37% em janeiro, no que marcaria o melhor momento da renda variável no primeiro trimestre.



Nem mesmo o escândalo do caso “Lojas Americanas” e os ataques de vândalos às sedes dos Três Poderes em Brasília conseguiram segurar o ímpeto comprador dos investidores.

O que ajudou Lula em 2023

Claro que não foi apenas a confiança em Lula que deu esse empurrão na bolsa brasileira. A reabertura da economia chinesa, depois de muitas idas e vindas por causa da Covid-19, ajudou a impulsionar o mercado de commodities no mundo. E isso, claro, favoreceu o Brasil.

Nos EUA, a expectativa de que a inflação poderia desacelerar e o Federal Reserve diminuir o ritmo da alta dos juros também deram ânimo às bolsas mundiais.

Mas já no final de janeiro o presidente Lula começou a dar declarações que começaram a mudar o humor dos investidores. Ele passou a criticar de maneira enfática o teto de gastos, colocando a ferramenta de controle das contas públicas como um obstáculo ao avanço social.

Começava ali a ficar claro que o presidente eleito era mesmo o Lula da campanha de 2022, e não o presidente de 2003.

Depois veio a confirmação da equipe econômica, com Fernando Haddad se tornando o ministro da Fazenda. O nome dele, que já era especulado desde o ano passado, preocupava pela postura mais progressista em relação à economia. A montagem da equipe, junto às declarações de Lula, começou a criar uma onda de aversão ao risco no país.

Para piorar, tivemos a manutenção da Selic em 13,75% ao ano na primeira reunião do Copom em 2023. Isso fez com que Lula e Haddad passassem a criticar abertamente o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Lula também passou a atacar a autonomia da autarquia, falando várias vezes em rever a medida aprovada pelo congresso durante o governo de Bolsonaro.

O que levou a bolsa sangrar com Lula

Todos os fatos fizeram a bolsa brasileira mudar de direção já no começo de fevereiro e passar a cair. No segundo mês do ano a bolsa fechou em queda de 7,49%, e em março de 2,91%. E o que ditou o ritmo da bolsa e a atenção dos investidores neste período foi o tão falado novo arcabouço fiscal.

Com todo o ataque do governo ao teto de gastos, era preciso que se apresentasse uma alternativa viável de controle das contas públicas e dos gastos pretendidos pelo governo. E depois de muita discussão e atrasos na apresentação, o plano finalmente foi apresentado já na reta final de março.

A apresentação veio depois da segunda reunião do Copom no ano, onde mais uma vez a taxa Selic foi mantida no mesmo patamar. E aí entra mais um fato interessante para se destacar.

O relacionamento entre BC e governo estava mais ameno, com uma sinalização de paz comandada por Haddad e Campos Neto fazendo discursos mais leves. O presidente da autarquia, inclusive, levantou a possibilidade de rever a meta de inflação para, possivelmente, haver uma redução da Selic antes do esperado.

Era esperada a apresentação do novo arcabouço fiscal antes da segunda reunião do Copom. Isso aumentava, no meu ponto de vista, a chance de um pequeno ajuste para baixo na Selic, até como uma sinalização de boa-fé ao governo federal. Mas Lula, que estava com viagem marcada para a China, preferiu o plano fosse mostrado a todos apenas depois que ele voltasse de sua visita ao país asiático.

Sem o plano tornado público, o Copom não só manteve a taxa de juros, como fez uma dura nota falando de possibilidade até de voltar a subir a Selic caso a inflação voltasse a dar sinais ruins. Além do mais, o comunicado da reunião deixou claro que a apresentação de um novo plano não faria a autarquia mudar automaticamente de postura, já que os efeitos de um novo arcabouço seriam sentidos num prazo mais longo.

Foi o suficiente para que a trégua acabasse e o governo voltasse a atacar novamente Campos Neto, com Lula colocando o comandante do BC praticamente como uma pessoa trabalhando contra o país.

O que esperar dos investimentos em 2023

Como qualquer investidor, até mesmo o mais iniciante, pode imaginar, o cenário de incerteza só trouxe mais turbulência.

Somando ao cenário internacional, onde a inflação nos EUA continuou dando sinais de força e o FED só passou a rever uma alta mais expressiva da taxa de juros depois da crise do setor bancário (que afetou algumas instituições de médio porte no país), a aversão ao risco continuou dando as caras por aqui.

A apresentação do novo arcabouço fiscal, já na reta final de março, ajudou amenizar a incerteza a respeito dos rumos da economia brasileira, já que o novo plano possui a ideia de reduzir o déficit fiscal a transformá-lo num superávit num espaço de tempo relativamente curto.

O próprio Campos Neto elogiou o novo plano fiscal e o esforço de Haddad na tentativa de trazer algo economicamente viável para o país. Isso foi claramente mais uma tentativa de apaziguar os ânimos entre as entidades. Mas ele também voltou a deixar claro que a simples existência do novo arcabouço não muda automaticamente a direção da Selic.

Dessa maneira, o mercado vai acompanhar de perto o processo de aprovação do arcabouço no congresso, além de muitos outros detalhes que o plano ainda não respondeu.

O novo plano, longe de ser visto como algo ideal pelo mercado, possui uma direção a seguir buscando a estabilidade fiscal, mas se baseia em premissas muito otimistas para que dê certo.

Isso vai fazer com que cada anúncio da Fazenda seja analisado minuciosamente para se ter certeza de que o plano não só será executado, mas será viável. E isso deve continuar trazendo volatilidade para o mercado no restante do ano.

Cabe a Lula e sua equipe convencer de que o novo arcabouço fiscal vai efetivamente levar o país para o caminho do progresso, com as contas em dia e a inflação controlada. E este não é um desafio para os próximos 100 dias, mas para todo o seu mandato.

Analista e consultor financeiro no Kinvo
Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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Beto Assad é analista de ações e consultor financeiro para o Kinvo, aplicativo que consolida investimentos de bancos e corretoras em um só lugar. Formado em Administração pela EAESP/FGV em 2004. Fez estágio na BM&F e tornou-se empreendedor antes de voltar ao mercado financeiro em 2009, trabalhando na Leandro&Stormer. Trabalhou posteriormente na Futura Invest, onde conheceu os sócios que criaram o Kinvo. Hoje, atua como analista de ações (CNPI-T) e é consultor de mercado financeiro.
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