Internacional

A China realmente vive o seu momento Lehman Brothers?

18 ago 2023, 18:08 - atualizado em 18 ago 2023, 18:08
China economia
China virou protagonista no novo turbilhão financeiro global (Imagem: Pixabay/ Pexels) 

Acompanhar o noticiário da China virou motivo de angústia nos mercados globais. Depois de alguma estabilização em junho, dados de atividade econômica e inflação referentes ao mês de julho forneceram um retrato preocupante do segunda maior PIB do mundo.

“Números do varejo, produção industrial e investimentos em renda fixa, todos vieram abaixo da expectativa. Esses números vieram na sequência de dados decepcionantes da semana passada, que mostraram uma deterioração da dinâmica de crédito e contração mais profunda da balança comercial”, contextualiza Stephanie Kennedy, economista da Julius Baer.

Para o fim de 2023, a economista da Julius Baer entende que a segunda maior economia do mundo crescerá 4,8%, contra 5% projetado inicialmente.

Se a batelada de dados decepcionantes não fosse suficiente, duas crises “irmãs” envolvendo a dívida do setor privado vieram a público nesta semana, formando mais nuvens escuras sobre o horizonte econômico chinês.

A primeira das preocupações, advinda do setor financeiro, está relacionada ao Zhongrong Internastional Trust, shadow bank (instituição financeira não regulada como um banco tradicional) apoiado pelo governo chinês.

O credor comunicou ter perdido o prazo para o pagamento de mais de 30 fundos de gestão, em meio a rumores de baixa liquidez do principal controlador do banco, o conglomerado financeiro Zhongzhi Enterprise.

O modelo de negócio do Zhongrong se baseia no fornecimento de crédito a incorporadoras com baixa nota de crédito. Mas a acentuada alavancagem do setor imobiliário chinês passou a cobrar um amargo preço neste ano para credores e construtoras, pressionados pela fraqueza na demanda por novos lançamentos.

Não por acaso, a dificuldade do Zhongrong ocorre em paralelo à crise de débito envolvendo a Country Garden Holdings, uma das principais incorporadoras do país. A empresa não conseguiu honrar os prazos para o pagamento de títulos de dívida corporativa a credores internacionais, aproximando-se de um calote que pode ser materializado ainda no início de setembro.

Apesar da penúria envolvendo a Country Garden, não há sinais concretos de que o governo central irá correr ao socorro da construtora, o que pode levar o peso-pesado do setor imobiliário chinês a ter o mesmo destino que a Evergrande.

E falando nela, a Evergrande selou o combo de más notícias da semana com o anúncio de que irá recorrer à equivalente lei de recuperação judicial nos Estados Unidos, diante de um quadro de extremo endividamento.

China deve dar adeus ao crescimento anual médio de 10%, mas isso não será o fim do mundo

Apesar dos problemas inegáveis, Nicholas Lardy, economista especialista em China e ex-professor adjunto de Yale, entende que o tom apocalíptico adotado pelos mercados sobre a economia chinesa nesta primeira quinzena de agosto é equivocado.

“Esta avaliação é provavelmente prematura e, ao menos em parte, simplesmente falsa”, diz em artigo escrito ao Peterson Institute For International Economics, think thank americano fundado em 1984.

Para Lardy, os mercados precisam acordar para uma nova realidade: as três décadas de crescimento anual médio de 10% na China acabaram. Entre os diversos fatores elencados pelo economista que justificam essa posição, está a pior produtividade, o encolhimento das forças de trabalho, restrições de transferência de tecnologia colocadas pelos Estados Unidos e outros países, correção da “bolha” do setor imobiliário, desemprego entre jovens e uma direção política que prioriza questões de segurança nacional sobre o crescimento econômico.

Mas, mesmo diante dessas travas, o economista argumenta que uma leitura cuidadosa da situação atual “não corrobora com a visão de que o crescimento da China está agarrado a uma espiral negativa que persistirá por diversos anos”.

Tomando a leitura da deflação chinesa como exemplo, Lardy explica que a queda de 0,3% do CPI em julho está mais relacionada à base elevada de preços de alimentos e energia no mesmo período de 2022 do que uma queda sistêmica no consumo.

“Claro que a expectativa pela queda dos preços faz o consumo cair, mas o que se observou foi um aumento de 0,8% do núcleo da inflação em julho. Talvez seja prematuro levantar o fantasma da deflação baseado em apenas um mês de dados.”

Ainda sobre os hábitos de consumo, Lardy explica que a ideia de que a população chinesa, como um todo, esteja menos propensa a gastar é equivocada. Dados citados pelo economista mostram ter havido um aumento de mais de 10 vezes no gasto com consumo em áreas urbanas.

Porém, o processo de queda das poupanças ainda é vagaroso, dado o montante acumulado pelas famílias em três anos de lockdowns restritivos no país.

Por fim, o professor de Yale contesta as análises mais baixistas sobre o setor de tecnologia e imobiliário. No primeiro caso, o sinal verde dado pelo regulador chinês às big techs chinesas deve fazê-las retomar parte da rentabilidade que vinham obtendo antes da repressão regulatória de 2020.

O principal ponto de observação para a economia, na visão de Lardy, é, de fato, o setor imobiliário. “Agentes privados estão desalavancando e provavelmente focarão esforços em acabar projetos incompletos, mas já vendidos. Então, o setor imobiliário deverá ser a principal trava para um crescimento mais rápido do investimento privado.”

Por que Pequim não deverá socorrer endividamento privado

Com o endividamento se alastrando pelo setor privado em alta velocidade, aumenta o clamor entre investidores para que o governo de Pequim entregue um pacote de estímulo fiscal — como os US$ 551 bilhões gastos pelo país durante a crise financeira global de 2008.

Porém, para especialistas que acompanham a política macroeconômica do país de perto, essa ajuda ao setor privado pode não chegar desta vez.

Um dos fatores que pode explicar a relutância de Pequim à medida mais drástica é uma sensível desvalorização do reinmibi diante de moedas mais fortes, como o dólar americano.

Mais do que uma questão de proteção cambial, a opção por não interferir na dívida do setor privado pode ter a ver com uma mudança na visão dos governo chinês sobre a dívida interna do país.

Parte disso, inclusive, pode estar associado à ideia de que o débito emitido internacionalmente pelos chineses pode se tornar um revés na disputa geopolítica travada com os Estados Unidos.

Segundo disse Shehzad Ozi ao portal Market Watch, do China Beige Book, os mercados ocidentais foram treinados a compreender que qualquer problema da economia chinesa será remediado com o despejo de dinheiro na economia.

“Os formuladores de política estão sendo mais discricionários no quanto querem gastar”, diz o especialista.

Diante dessas questões, o foco das autoridades econômicas da China parece recair sobre o restabelecimento do consumo das famílias. Segundo um artigo publicado por um membro do comitê de política monetária do Banco Popular da China (PBoC), é preciso usar todos os instrumentos possíveis para garantir que o dinheiro chegue ao bolso dos residentes.

Estagiário
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.
Jorge Fofano é estudante de jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da USP. No Money Times, cobre os mercados acionários internacionais e de petróleo.
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