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A União Europeia deveria aprender com o Código Florestal do Brasil

09 abr 2024, 11:44 - atualizado em 09 abr 2024, 12:39
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Nova lei da União Europeia quer que os estados-membros reparem 20% de todos os seus ecossistemas até 2030 (Crédito: Leonardo Milano/ICMBio)

Em 27 de fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou o texto de uma nova regulação ambiental – a Lei de Restauração da Natureza (Nature Restoration Law – NRL) (Processo 2022/0195). Se trata de uma norma que pretende criar metas de reparação de habitats naturais e ecossistemas degradados – terrestres e marinhos da Europa. Para isso, a NRL propõe a meta geral que os estados-membros da União Europeia reparem 20% de todos os seus ecossistemas até 2030.

Apesar dessa meta geral, a NRL cria metas específicas, dependendo do ecossistema em questão. A norma explica que todos os ecossistemas listados no seu Anexo II deverão ser reparados em 30% até 2030, 40% até 2040 e 50% até 2050, ou seja, conforme seu anexo, áreas de mangues, florestas (boreais, temperadas e mediterrâneas), matas ciliares, estepes, lagos, rios, costas e corais deverão seguir essas metas específicas.

Entretanto, para a União Europeia o conceito de reparação ambiental não foca só na recomposição florestal, mas também engloba todas as funções ambientais da área, como biodiversidade e a resiliência do ecossistema (principalmente proteção de polinizadores).

Igualmente, para fins de regularização perante a norma, a reparação deve atingir a classificação de “boas condições” (“good conditions”). Para avaliar atingimento da classificação de “boas condições” da área reparada, a NRL propõe indicadores de verificação, entre eles estoque de carbono plantações/solo e o index europeu de borboletas (avaliando quantidade e número de espécies).

Sobre a implementação a NRL, a própria norma prevê que os países membros criem os seus respectivos Planos Nacionais de Reparação, os quais deverão mencionar os instrumentos e o monitoramento da NRL. Inicialmente, cada país deverá identificar as áreas degradadas a serem reparadas, para então desenvolver metodologias de reparação e processos de implementação.

É importante esclarecer que a NRL faz parte de uma política ambiental mais ampla da EU denominada European Green Deal, bem como, parte da sua agenda em tratados internacionais de meio ambiente, como a Convenção de Diversidade Biológica, a qual todos os seus países-membros são signatários.

Porém, em 22 de março, a despeito de toda a a sistemática normativa para reparação de ecossistemas e biodiversidade e também de ter sido aprovada pelo Parlamento Europeu, a NRL foi rejeitada pelo Conselho Europeu.

A União Europeia possui um sistema semelhante ao bicameral, ou seja, o Parlamento Europeu é uma casa com a representatividade dos eleitores europeus, enquanto o Conselho Europeu seria uma casa equivalente ao nosso Senado, tendo a representatividade focada nos estados-membros. Assim, devido voto desfavorável da Hungria, a NRL foi engavetada.

É importante enfatizar que a NRL já sofria pressões por parte de Finlândia, Itália, Bélgica, Suécia e Holanda, em votar contra ou se abster, alegando de que a medida causaria grave ônus econômico.

Análise comparada com o Código Florestal

A título de direito comparado, uma análise com o Código Florestal fica inevitável. A NRL, a princípio, se assemelha com o Programa de Regularização Ambiental (PRA) do Código Florestal (Lei Federal 12.651/2021), ao criar como meta a reparação de ecossistemas e áreas degradadas. Mas a semelhança se encerra aí.

A NRL tem como foco central metas, porém, em nenhum momento estabelece processos ou instrumentos objetivos para atingi-las, terceirizando todo o trabalho para os estados-membros. Diferentemente da NRL, o Código Florestal apresenta um processo de adequação ambiental de passivos de Áreas de Preservação Permanente (APP) e de áreas de Reserva Legal (RL).

A conservação de vegetação nativa no âmbito dos imóveis rurais está presente na legislação ambiental desde 1934. Com o advento do Código Florestal de 1965 e, mais especificamente, com as alterações trazidas pela Lei Federal 7.803/1989, a conservação de APP e de áreas de RL, segundo os diferentes biomas dentro e fora da Amazônia Legal (i.e., florestas, cerrado e campos gerais), passou a ser uma obrigação para as posses e propriedades rurais, como hoje conhecido. Portanto, a manutenção e a recomposição de APP e RL já eram uma obrigação.

No entanto, como não havia um processo previsível que norteasse a devida regularização ambiental de áreas com passivo, a reparação nunca de fato ocorreu. Entretanto, com o advento da Lei Federal 12.651/2012, estabeleceu-se pela primeira vez no ordenamento um procedimento claro e definido de adequação ambiental denominado Programa de Regularização Ambiental (PRA), que vincula cada produtor às obrigações de regularização.

O PRA é baseado em três instrumentos: Cadastro Ambiental Rural (CAR), Projetos de Regularização (PRADA) e Termos de Compromisso. Deve-se destacar que o PRA não é somente o conjunto do CAR, PRADA e Termo de Compromisso, mas também a sequência de como esses instrumentos serão apresentados para análise e posterior aprovação pelo órgão ambiental estadual, com monitoramento das atividades de cumprimento da regularização, ou seja, compõem um processo administrativo no órgão ambiental estadual.

Neste processo, com a adesão ao PRA e assinatura do Termo de Compromisso, há concessão dos benefícios para os produtores rurais – somente para a regularização de áreas de APP e RL consolidadas até 22 de julho de 2008. Em contrapartida, esses benefícios não se enquadram em situações de passivos após essa data, os quais deverão ser regularizados de forma imediata e sem benefícios. Somente com o cumprimento total das atividades de regularização presentes no Termo de Compromisso, dentro do prazo determinado, o produtor terá convertido seus déficits em serviços prestados ao meio ambiente.

Segundo dados do Serviço Florestal Brasileiro, com base nas informações do CAR, hoje o Brasil possui por volta de 102 milhões hectares de RL e 18 milhões hectares de APP, totalizando aproximadamente 120 milhões de hectares de matas preservadas exclusivamente em propriedades privadas.

Para maior clareza da dimensão do número, este supera os 113 milhões de hectares de todas as Unidades de Conservação (UCs) do País, ou seja, os produtores rurais detêm mais matas que todas as UCs. Também, com base nas estimativas em escala nacional, o déficit de APP e RL no escopo dos parâmetros do novo Código Florestal contabiliza por volta de 22 milhões de hectares, os quais deverão ser regularizados por meio do PRA.

Importância do Direito Comparado e potencial do Código Florestal

Fica evidente que o Código Florestal contém um sistema regulatório e administrativo robusto, em que não há somente um processo de regularização estabelecido em lei, mas também instrumentos e critérios objetivos. Por meio do CAR, como um “raio x” da propriedade rural, já é possível levantar em detalhes os biomas, propriedades e extensão das áreas a serem reparadas.

Na NRL esses pontos são alocados para responsabilidade de cada país-membro, os quais não possuem nada dessa estrutura e sequer levantaram a extensão da área a ser regularizada.

Adicionalmente, o Código Florestal já dispõe de vários instrumentos para a regularização ambiental, os quais vão desde regeneração natural, recomposição, até a compensação de RL, uma possibilidade de mecanismo de mercado e pagamento por serviço ambiental. Por outro lado, na União Europeia, isso também ainda não existe, o que torna a implementação da NRL inimaginável.

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Em suma, o Código Florestal é norma ambiental única no mundo, que de fato tem o potencial de preservar e reparar milhares de hectares de florestas em propriedades privadas, por consequência, sua biodiversidade. O CAR se demonstra exemplo de instrumento para levantamento de dados ambientais e monitoramento de áreas.

Os termos de compromisso são mais objetivos para traçar obrigações e critérios de regularização – na NRL isso não é claro e se menciona até uso de index de borboletas. Também, comprovadamente, os produtores brasileiros preservam muitos mais que os europeus.

Com isso, a União Europeia teria muito a aprender com a análise comparada da norma brasileira no quesito de preservação e reparação ambiental, inclusive auxiliando na criação da sua norma. Já o Brasil, deveria utilizar-se mais dessa norma e seus benefícios nas mesas de negociação, especialmente com a Europa. Por fim, deve-se ter o Código Florestal como exemplo de estrutura regulatória de preservação florestal para os demais países.

Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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