Agronegócio

As recuperações judiciais no agronegócio: o que os fatos e os números continuam a dizer

04 out 2025, 12:00 - atualizado em 03 out 2025, 17:23
agronegócio recuperação judicial
(iStock.com/1111IESPDJ)

Os pedidos de recuperação judicial no agronegócio apresentaram um aumento de 32% no segundo trimestre de 2025, conforme a última pesquisa do Serasa Experian.

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O que significam tais números? Qual a abrangência e detalhes do levantamento e da amostra? Crise no agronegócio? Questão estrutural onipresente?

Muitos, apressadamente, como de hábito, já fizeram algumas matérias, veiculadas nos principais meios de comunicação, apontando o dedo para financiadores – como se fossem o famoso personagem do “Tio Patinhas”, nadando em caixas fortes e contando dinheiro fruto de juros abusivos e inescrupulosos.

Outros, como o nosso Ministro da Fazenda, apressaram-se em dizer: “que um ou dois setores da economia têm abusado do instituto jurídico da recuperação judicial”.

Enfim, caro leitor, diante de tanto alarde não resta a esse colunista outra alternativa, senão voltar ao tema que já tratamos antes, já que tão caro ao ambiente de negócios, principalmente, o financiamento ao agronegócio brasileiro.

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Os números nunca mentem, mas precisam de contextualização

Com números recordes da última safra, como trouxemos na última coluna publicada aqui, me estranha o “climão” que se procurou enfatizar coma divulgação do levantamento da Serasa.

Segundo a própria empresa que criou um indicador para os pedidos de “Recuperação Judicial Agro”, foram registradas 565 solicitações no segundo trimestre de 2025.

Ainda segundo o trabalho da empresa, se comparado ao período anterior, houve um incremento de quase 32% nos pedidos de RJ no agro.

Estes pedidos haviam sido em número de 389 no acumulado de toda a cadeia ampla do agronegócio – produtores rurais como pessoa física (CPF) e jurídica (CNPJ), além de empresas relacionadas ao setor, agronegócio, no período imediatamente anterior.

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Veja no gráfico abaixo o acumulado por trimestre dos pedidos de RJ, conforme divulgado pela empresa:

No mesmo trabalho, a empresa apontou uma espécie de “geolocalização” para o citado aumento dos pedidos de RJ no agro, tudo conforme gráfico também publicado pela empresa, abaixo:

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Nota-se claramente que os casos, apareceram em estados importantes para o agronegócio e, ainda segundo o estudo, dividem-se entre processos iniciados por produtores rurais pessoa física (CPF), produtores rurais pessoa jurídica (CNPJ) e empresas (CNPJ) do “fora da porteira”, ou seja, que não são produtores rurais, mas que integram a cadeia ampla do agronegócio, como as agroindústrias, por exemplo.

Além disso, o estudo indica que a maioria dos requerentes de RJ seriam produtores de soja e pecuaristas, entre os CNPJ, e arrendatários e pequenos e médios produtores entre os CPF, além de empresas (agroindustriais) processadoras de açúcar, etanol, farelo e óleo de soja, além e laticínios.

Mais um pouco da numerologia e de análise ampla

Os gráficos acima demonstram que:

  1. Houve aumento nos pedidos de RJ no agro em comparação com os períodos anteriores do levantamento, que se inicia em 2021. Porém, eles se concentraram mesmo no 2º Trimestre de 2024 e de 2025 por conta dos defaults recentes na soja cuja safra é colhida até 30 de abril de cada ano;
  2. Há concentração em soja e boi – cujos preços estão oscilando muito nesse período objeto da amostra – além de impactos do tarifaço de Donald Trump e geolocalização em áreas que sofreram muitos nos últimos anos com problemas climáticos, como no Rio Grande do Sul, além de arrendatários endividados, por conta de taxas de juros e alavancagem.
  3. Apesar do aumento dos números, os perfis de requerentes estão bem definidos e se considerarmos o universo de produtores rurais brasileiros que, segundo os gráficos acima, optaram por requerer a RJ no agro para renegociar judicialmente suas dívidas, totalizando nos gráficos desde 2021 o montante de 3.062 produtores, podemos afirmar que se considerarmos que o total de produtores rurais no Brasil, estão registrados em um número 5.073.324, considerando-se os estabelecimentos rurais, segundo o Censo de 2017 do IBGE; ainda teríamos percentualmente um número desprezível de produtores nessa situação de default, ou seja, um número de cerca de 0,0604% aproximadamente, pouco significativo estatisticamente, apesar de representar um sinal de alerta no crédito ao agronegócio.

Apertem os cintos, o piloto sumiu?

Como na famosa comédia dos anos 80 que faz uma paródia pastelão de um filme catástrofe de 1957, que por sua vez conta a história de um avião sem rumo e sem piloto, podemos dizer que a “manchete” do aumento dos pedidos de RJ no agro significa muito mais um alerta para um reforço no crédito, nas análises de dados para concessão de crédito e nas estruturas legais e de garantias das carteiras das instituições financeiras, fundos e securitizadoras do agronegócio do que qualquer outra coisa.

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Sinceramente, as recentes falas do Ministro da Fazenda e matérias de alguns veículos dando conta do levantamento da Serasa, em conotação catastrofista e sem concatenação com a realidade dos números do setor, me fazem lembrar muito mais de uma comédia pastelão do que de uma situação que denota alguma crise sistêmica, o que, como na última coluna procuramos expor, continua bem distante da realidade do agronegócio brasileiro. E você leitor, o que acha?

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André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
andre.passos@moneytimes.com.br
André Ricardo Passos de Souza, é sócio-fundador do PSAA - Passos e Sticca Advogados Associados -, com MBA em Finanças e Mercado de Capitais pela MP Consultoria/Banco BBM, LLM em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo IBMEC, bacharel em direito pela UERJ. Professor nos programas de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Conselheiro Fiscal da Beneficência Portuguesa de São Paulo.